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CAPÍTULO 1: A PROIBIÇÃO DAS DROGAS EM TERMOS GLOBAIS E

1.1. Políticas Atuais de Drogas no Brasil e no Mundo

No cenário mundial, é possível perceber que existe atualmente um interesse maior dos países mais desenvolvidos em conter os problemas sociais oriundos do comércio ilegal de drogas, admitindo que a política proibicionista não alcançou os objetivos pretendidos. Países como Portugal, Espanha, Holanda e Suíça já adotam posturas mais tolerantes, algumas até legalizadas, sobre o consumo controlado de substâncias psicoativas, respeitando os direitos individuais dos usuários e assegurando saúde pública para suas populações (BURGIERMAN, 2011).

Esta é uma diferença radical na abordagem do problema envolvendo as drogas. Enquanto o acordo firmado em 1961 estava embasado numa perspectiva punitiva de tratar a questão como caso de polícia e justiça, as novas propostas adotadas pelos países citados mudaram a abordagem para os serviços de saúde, preocupando-se com a saúde das suas populações e assegurando que o uso de psicoativos cause menos danos aos usuários e não possibilite outros problemas sociais decorrentes.

Em países como a Holanda e a Espanha e o estado da Califórnia (EUA), a maconha é considerada um dos psicoativos menos danosos (Ibid 2011) e, assim, seu consumo é regulamentado em termos de plantio e comercialização. Já na Suíça, onde o sistema de saúde público funciona com eficiência, todos os psicoativos são descriminalizados e seus usuários recebem acompanhamento médico e psicológico contínuo, em locais para aplicação de doses controladas de morfina (fármaco substitutivo para a heroína), fornecidas pelo governo, com atuação de enfermeiros e o uso de material adequado. Estas práticas servem para garantir a saúde e segurança da população, reduzindo ao máximo as chances de morte por overdose, além de reduzir problemas individuais e sociais decorrentes da ilegalidade dessas substâncias, ao contrário do que a política proibicionista causou:

A política atual de guerra às drogas e repressão aos usuários, principalmente nos países onde os direitos de cidadania são precários, não livrou esses países do tráfico nem foi capaz de impedir a epidemia do HIV pelo uso de drogas injetáveis nos portos e cidades ao longo das rotas dos criminosos, tampouco a epidemia de mortes por homicídio entre homens jovens entre suas principais metrópoles. (Zaluar 2004:298)

Desse modo, os efeitos das políticas proibicionistas mundiais tem sido discutidos em vários países, inclusive alguns deles já adotam outras formas de lidar com a questão e estão apresentando outros caminhos para diminuir os efeitos abusivos dos usos das substâncias psicoativas nas suas populações, além de conseguirem reduzir drasticamente os efeitos da ilegalidade apontados como consequências da proibição.

Na América Latina, já podem ser notadas mudanças significativas sobre as políticas de drogas de alguns países. Desde 2009, na Argentina13 e no México14, o porte e uso de maconha em pequenas escalas já foram descriminalizados afim de centrar as atenções no narcotráfico e nos casos de usuários que necessitam tratamento em vez de punição. No Uruguai e Chile já são discutidas em instâncias governamentais propostas de mudanças nas suas políticas de drogas, principalmente sobre a maconha. No Uruguai15, onde o consumo de maconha é descriminalizado, mas a compra é ilícita, está tramitando no Parlamento um projeto de lei proposto pelo então Presidente José Pepe Mujica com a proposta de estatizar o controle e a regulamentação da importação, produção, comércio e distribuição de maconha com o propósito de diminuir o tráfico de drogas e controlar o consumo deste psicoativo. No Chile16, a situação é semelhante: dois senadores apresentaram um projeto para legalizar o consumo de maconha, propondo a pré-determinação das quantidades permitidas e o livre plantio para uso pessoal, sugerindo que esta seria uma alternativa para diminuir o narcotráfico no país.

No Brasil, a formação de uma comissão de juristas para revisar e propor mudanças no Código Penal apontou considerações, entre outros itens, sobre as disposições que tratam sobre o tráfico, porte e consumo de drogas. As sugestões indicam maior rigor na distinção entre traficantes e usuários através da definição de quantidades que caracterizariam cada uma das condutas, aumentando as penalidades para a primeira modalidade mas eximindo os usuários de penalidades através da descriminalização das drogas para consumo individual através da regulamentação que seria de responsabilidade da ANVISA sobre as quantidades a 13 Notícia disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,argentina-descriminaliza-uso-de- maconha-em-pequena-escala,424465,0.htm consultada em 08 de setembro de 2012.

14 Notícia diponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,mexico-descriminaliza-posse-de-droga-para- uso-pessoal,422793,0.htm consultada em 08 de setembro de 2012.

15

Notícia disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-08-10/governo-do-uruguai-propoe- estatizar-producao-e-comercio-de-maconha-para-controlar-consumo consultada em 08 de setembro de 2012. 16 Notícia disponível em: http://noticias.r7.com/economia/noticias/senadores-chilenos-apresentam-projeto-para- legalizar-maconha-20120808.html consultada em 08 de setembro de 2012.

serem permitidas. As propostas da comissão deverão ser votadas pelo Congresso e Senado Federais e sancionadas pelo poder Executivo para entrarem em vigor, podendo sofrer alterações ou mesmo serem negadas.

Ainda assim, no Brasil, o que vigora ainda é o proibicionismo, mas é necessário que pensemos este tema não apenas através de uma perspectiva ou plano social mais abrangente, portanto mais “macro”, isto é, através das políticas nacionais e internacionais reguladoras dessas substâncias, tal como apresentados por esta retrospectiva histórica e política do contexto atual do “problema” das drogas. É preciso pensar a questão entendendo que também há uma dimensão cotidiana, material e interpessoal vivida por aqueles que integram o alvo principal dessas artimanhas estruturais da sociedade, que são as pessoas que consomem estas substâncias criminalizadas pelas políticas atuais de drogas e que têm suas escolhas sobre o uso do próprio corpo limitadas por estas políticas. Como afirma Henrique Carneiro “a relação da noção de autonomia crítica do sujeito como direito às experiências de alteração voluntária da consciência por meio de psicofármacos é o tema de fundo que perpassa todo o debate sobre consumo de drogas, regulamentações, proibicionismo” (2005:23). Desse modo, é necessário que se perceba a visão e o posicionamento dessas pessoas, diretamente envolvidas na questão. Isto é o que me proponho a desenvolver neste trabalho. As mobilizações contra esta política proibicionista reivindicam a necessidade de se discutir a questão sem moralismos, afim de que os problemas mais graves consequentes da proibição, tal como diz Alba Zaluar, possam ser, ao menos, atenuados, se não resolvidos. O conhecimento de que há outras formas de lidar com esta questão é apropriado por aqueles que se interessam e se preocupam com o tema – sejam eles usuários de drogas, pesquisadores, médicos, políticos, etc. – com o fito de reivindicar que a política brasileira de drogas seja também alterada.

1.2. Possibilidades: criminalização, descriminalização, regulamentação e