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2.3. A subdivisão da temática da cultura negra e o mapeamento dos coletivos

2.3.2. Coletivos de Mulheres Negras

Os coletivos de Mulheres Negras que levantamos apresentam um total de 13 grupos. O tema tem ganhado cada vez mais espaço nos dias de hoje, e seu principal eixo de atuação parece ser investir em formas de recuperar a história e o papel das principais lideranças ativistas, especialmente no contexto brasileiro, mas com espaço, também, em nível global. Suas questões envolvem ancestralidade, feminismo negro, visibilidade, discussão de gênero, autoestima, identidade, estética, empoderamento, todos os tipos de abuso e violência de gênero, feminicídio e saúde. Também se encontram dispersos por alguns Estados do Brasil, associados a universidades ou, vinculados unicamente a plataformas online. São eles: Coletivo Nega (UDESC), Blogueiras Negra (online), Coletivo Cultural Esperança Garcia (SP), Coletivo Mulheres de Pedra (RJ), Coletivo de Mulheres da Baixada Santista, Coletivo Negra Autoras (MG), Coletivo Di Jejê (SP), Coletivo Nzinga – Coletivo de Mulheres Negras de BH, Coletivo Kianda, Coletivo Pretas Peri ou Sarau Pretas Peri (SP), Coletivo Manifesto Crespo (SP), Coletivo As Carolinas (Rio Grande do Norte) e Coletivo de Mulheres Negras da UERJ ou Carolinas (RJ).

Dentro das ramificações, surgiram novamente outros tipos de ações, cada qual um tipo de espaço, de acolhimento ou “comunidade” (termo utilizado por um dos coletivos), que signifique modos de articulações das quais fazem com que os integrantes dos coletivos, contem e façam a sua própria história. Dado ao aspecto de silenciamento que a própria história do negro tem enquanto protagonista, e que vem defasada ao longo dos tempos, ter espaços como esses ou laços e redes de solidariedade significa mais chances de reformar a estrutura social racista na qual se encontram. Esse passado e as ações pelas instituições no presente condicionam principalmente a população negra a uma vulnerabilidade social e periférica – como ressaltado no coletivo Cultural Esperança Garcia:

O Coletivo Cultural Esperança Garcia é um grupo formado por mulheres negras e periféricas que busca fomentar ações de Educação, Arte e Cultura Negra para mulheres, crianças, adolescentes e homens em situação de vulnerabilidade social. Fundado no ano de 2009, o Coletivo atua na construção de uma sociedade onde os valores de justiça, equidade, solidariedade são fundamentais. Durante esses quase dez anos, nós do Esperança Garcia entendemos que a ação transformadora de uma sociedade só é possível quando nós mulheres negras estivermos em condições de igualdade em todas as frentes e com isso toda a sociedade brasileira estará num ciclo de bem viver (...).·.

E no coletivo Pretas Peri (Sarau Pretas Peri):

Sarau Pretas Peri é um coletivo de mulheres negras e artistas da zona Leste de São Paulo, que realizam o sarau com resgate da cultura periférica e empoderamento da mulher. O sarau acontece com intervenções e performances unindo diversos elementos como a dança, a música, poesia, hip hop e suas linguagens, sobretudo o rap, traçando sempre resgatar sua ancestralidade, tendo sempre um (a) artista especial convidada (o) e o microfone aberto que possibilita a participação do público com qualquer manifestação artística. É um sarau realizado de maneira permanente na região da zona leste/ Itaim Paulista e também de maneira itinerante.·.

A promoção e celebração da cultura afrodescendente, portanto, sempre será mencionada junto do enfrentamento do racismo, que é constantemente relembrado. Das suas atividades, umas séries de ações entrelaçam o artístico, o ambiental, a saúde, o político, a escrita, o audiovisual, o solidário etc., das quais se exigem minimamente entendimento humano. Todas essas “ferramentas” de resistência nada mais são do que objetivos de se fazerem reconhecidas, ouvidas e valorizadas por quem são e pela sua ancestralidade. Mulheres negras ou afrodescendentes que, como definidas por elas mesmas, buscam participação na sociedade enquanto agentes protagonistas de suas próprias histórias.

Por meio de narrativas variadas, os coletivos passam a dizer o que querem, quais são seus objetivos, contam suas histórias e traçam novas perspectivas que pretendem “suspender” o cotidiano no qual se encontravam absorvidos. Em referência à socióloga Agnes Heller (1970), dizer que há suspensão de seus cotidianos ao adentrarem em agrupamentos coletivos de forma a desacelerarem certos processos de coesão e alienação significa acessar o conceito da figura do indivíduo durante a sua transição. Segundo Neusa Santos (1983), tornar-se negro é, sobretudo, reivindicar experiências de negras e negros que vivem em processo de libertação de seus corpos. E embora sejam as duas de naturezas e campos teóricos distintos, ambas as matérias primas se encontram no campo das experiências, pois assim como presente na definição de Neusa sobre Tornar-se negro (“saber-se negra é viver experiência de ter sido

massacrada em sua identidade, confundida em suas perspectivas, submetida a exigências, compelida a expectativas alienadas” 13), para Heller o cotidiano no qual o indivíduo vive

encontra-se também formalizado de preconceitos, hierarquias, comportamentos generalizantes e outras categorias mais próximas de alienação. Seja no campo da emoção, seja nas releituras do marxismo, é fato que ambas as perspectivas contribuem também para a análise do negro na nossa sociedade.

A valorização do corpo-indivíduo, passado para a figura da mulher negra, pode ser visto mais bem trabalhado em dois coletivos: Nzinga – Coletivos de Mulheres Negras de BH e o coletivo Manifesto Crespo. O primeiro passa pelos temas dos direitos humanos e saúde, atuando em regiões pobres e homogeneamente negras (norte da Bahia), intervindo juntamente do poder público com políticas sobre direitos sexuais e reprodutivos de jovens e mulheres negras. O segundo, por meio de oficinas e linguagens audiovisuais, atua no âmbito estético da mulher e criança negra e valoriza as suas origens a partir da contextualização do cabelo afro, a influência do intercâmbio cultural com países da África em sua formação identitária. Ambas revelam uma resistência pela sua beleza e fenótipo, de seu universo estético, de seu processo de autoconhecimento e autoestima, de sua identidade cultural ancestral e, principalmente, pelos seus processos criativos constantes de desvencilhamento de prisões. Feministas ou não, pretendem acima de tudo instrumentalizar seus semelhantes a uma ação transformadora da sociedade, na qual os seus papéis irão além da construção de uma igualdade, mas também de respeito.

Outro aspecto a se mencionar sobre os coletivos de mulheres negras é a utilização de termos ou referências biográficas de figuras importantes aos movimentos de cultura negra, aos seus nomes ou ações. De nomes mais antigos a nomes contemporâneos, como Abdias Nascimento, Carolina de Jesus, Marielle Franco, Lima Barreto, Rafael Braga, Clóvis de Moura, Zumbi, Dandara, Luiz Gama, entre outros, cada coletivo é inspirado e traz com ele, então, uma parte dessa história. Seja de gênero, de música, das variedades artísticas, de cinema ou de educação, todos os coletivos têm em si um nexo — para além do fundamento antirracista — que é a comunicação.

13 Segundo os dados, a taxa de homicídio de mulheres negras cresceu 29,9% entre 2007 a 2017, assim como, entre 2012 a 2017, a taxa referente a homicídio dentro de casa (17,1%) e por arma de fogo (28,7%).