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COLONIZAÇÃO ALEMÃ E ITALIANA NAS ÁREAS CENTRAL E SETENTRIONAL DA REGIÃO 

A  região  do  Vale  do  Rio  Pardo  experimentou  a  partir  da  metade  do  século  XIX  um  conjunto  de  novos  eventos  que  acabaram  incidindo  e  se  funcionalizando  no  território  regional  com  uma  lógica  e  dinâmica  particulares.  Isso  acabou  promovendo  outros  usos  do  território  que  resultaram  na  complexificação do processo de sua organização espacial. 

Esses  eventos  eram  tributários  de  um  contexto  mais  amplo,  o  da  expansão  do  capitalismo  europeu  que  então  ampliava  para  novas  áreas  do  planeta  a  experiência  das  transformações  econômicas,  sociais  e  tecnológicas  gestadas  no  aprofundamento  da  Revolução  Industrial.  Essa  expansão  se  caracterizou  por  combinar  um  aumento  substancial  da  produção  e  a  busca  incessante de novos mercados consumidores e de matéria­prima. Isso, por sua  vez,  resultou  na  intensificação  da  divisão  social  e  territorial  do  trabalho,  no  desenvolvimento  contínuo  de  inovações  tecnológicas,  e  na  institucionalização  de  um  conjunto  de  normas  que  assegurassem  as  condições  de  reprodução  ampliada do modo de produção capitalista. 

Para  Dobb  (1983), esse  período  se  caracterizou,  mais  do  que  qualquer  outro,  pelos  fenômenos  de  transformação  técnica  e  de  intensificação  do  movimento.  Articulados,  permitiram  o  rápido  aumento  dos  níveis  de  produtividade  do  trabalho  e  possibilitaram  a  transformação  econômica  das  áreas  rurais,  o  crescimento  da  população  proletária  urbana  e  a  ampliação  do  campo  de  investimento  e  do  mercado  de  bens  de  consumo,  num  ritmo  nunca  visto antes. 

A esse respeito, Hobsbawm (1994) identifica na realidade dessa época a  existência  do  que  ele  denomina  “drama  do  progresso”.  Para  ele,  os  ideais  iluministas do século XVIII, de crença no progresso científico e tecnológico, na  capacidade  empreendedora  do  conhecimento  humano,  na  racionalidade,  na  riqueza  e  no  controle  da  natureza,  fundamentavam  e  legitimavam

explicitamente  o  pensamento  político,  social  e  econômico  nesse  novo  momento. 

Justificava­se, assim, a convicção e a inevitabilidade do progresso e da  expansão da produção industrial, do comércio e da racionalidade econômica e  científica.  A  dramaticidade  do  progresso  se  evidenciava,  então,  no  modo  desigual  e  segregador  como  os  diferentes  agentes  sociais  o  vivenciavam.  Enquanto para as burguesias industrial, comercial e financeira ele significou a  possibilidade de ampliar e concentrar riqueza, para grande parte da população,  especialmente  a  parcela  mais  pobre,  ele  representou  a  exclusão  e  a  segregação social, a fome e a necessidade de emigrar. 

Fundamentalmente,  as  razões  desse  progresso  se  prendiam  à  necessidade  de  combinar  a  plena  realização  do  grande  e  crescente  potencial  produtivo  da  indústria  capitalista  européia  e  americana  com  a  expansão  do  mercado  de  consumo  para  os  seus  produtos.  Também  a  busca  recorrente  de  níveis  maiores  de  acumulação  de  capital  engendrou  o  desenvolvimento  de  inovações  técnicas,  como  a  navegação  a  vapor,  a  ferrovia  e  o  telégrafo,  que  representaram  meios  de  comunicação  adequados  ao  avanço  dos  meios  de  produção. Isso permitiu, através do aumento da intensidade e da velocidade da  circulação  de  mercadorias  e  de  matérias­primas,  a  ampliação  do  espaço  geográfico  da  economia  capitalista,  praticamente  para  a  escala  mundial.  (HOBSBAWM, 1988 e 1994). 

Todavia, é preciso considerar que essa expansão capitalista no espaço  geográfico  mundial  não  se  fez  de  modo  homogêneo,  nem  com  a  mesma  intensidade  no  conjunto  dos  lugares  que  o  integram.  Na  verdade,  como  nos  lembra Santos (1986), a lógica e a dinâmica econômica capitalista, ao articular  distintos  espaços  geográficos,  especialmente  na  periferia  capitalista,  implicam  a  existência  de  espaços  derivados.  Ou  seja,  esses  países  tiveram  o  seu  desenvolvimento,  sua  organização,  sua  transformação  e  reorganização  espacial orientados, sobretudo, por interesses hegemônicos distantes. 

É preciso também levar em conta que com a aceleração do intercâmbio  comercial – proporcionado pelo vetor Revolução Industrial – e com a existência  de  diferenças  tecnológicas,  ambientais  e  políticas entre  os lugares  do  mundo,  passamos  a  ter,  no  âmbito  da  então  divisão  territorial  do  trabalho,  o

desenvolvimento de uma racionalidade que pressupunha a complementaridade  funcional dos territórios. (SILVEIRA, 1999b). 

Essas  são  as  premissas  que  devem  orientar­nos  na  análise  e  na  compreensão  da  formação  do  território  do  Vale  do  Rio  Pardo,  nesse  período.  Ao considerá­las, optamos por valorizar o enfoque relacional como instrumento  analítico  privilegiado,  na  medida  em  que  permite  apreender  o  acontecer  mais  espesso  presente  nesse  território,  cuja  formação  territorial  resultava  então  do  rearranjo contínuo de tempos de diversas escalas. 

Tendo  isso  presente,  neste  capítulo  analisamos  o  contexto  e  as  razões  pelas quais ocorreu o processo de decadência comercial de Rio Pardo, e quais  os  seus  efeitos  na  organização  regional.  Além  disso,  também  abordamos  o  sentido  e  o  processo  inicial  de  colonização  das  áreas  centrais  e  setentrionais  do  Vale  do  Rio  Pardo,  por  imigrantes  alemães  e  italianos.    Interessa­nos,  sobretudo, identificar as características e os reflexos iniciais da colonização na  formação  territorial  regional,  e  o  modo  como  esse  novo  uso  do  território  começou  a  se  processar,  na  medida  em  que  além  do  latifúndio  pecuarista  baseado  no  trabalho  assalariado  existente  no  Sul  da  região,  a  ocupação,  o  povoamento  e  a  difusão  da  exploração  agrícola  das  pequenas  propriedades  baseadas  no  trabalho  familiar  dos  colonos  imigrantes  se  manifestavam  no  centro e no Norte da região. 

3.1 ­ As razões da decadência comercial de Rio Pardo 

Podemos  dizer  que  as  causas  da  estagnação  econômica  da  cidade  de  Rio Pardo estão relacionadas a dois grupos de variáveis que se apresentam de  modo  indissociável  nesse  momento  da  formação  territorial  do  Rio  Grande  do  Sul, e da região do Vale do Rio Pardo. 

O primeiro grupo de variáveis expressa o modo como o Brasil recebeu e  assimilou  os  eventos  decorrentes  do  contexto  mundial  da  época,  bem  como,  por  conseqüência,  acabou  engendrando  novos  eventos  que  incidiram  no  desenvolvimento do conjunto dos lugares do país, entre eles Rio Pardo. 

Inicialmente merece destaque o processo mais amplo de desagregação  do  Antigo  Sistema  Colonial  que,  nesse  contexto  mundial  de  expansão

capitalista, vê toda a base de sustentação da empresa colonial começar a ruir.  Ou  seja,  o  tráfico  de  escravos,  o  trabalho  escravo  e  o  monopólio  comercial  praticados  por  Portugal  e  Espanha  representavam  entraves  importantes  à  plena  reprodução  capitalista  nas  economias  centrais,  bem  como  ao  processo  de internalização do capitalismo nas áreas coloniais, como o Brasil. Tratava­se,  pois,  de  criar  condições  para  se  suplantar  os  fundamentos  da  economia  colonial e assim viabilizar um novo regime de acumulação de capital baseado  na  ampliação  do  mercado  consumidor  e  na  difusão  do  trabalho  assalariado.  (NOVAIS, 1998 e PRADO JR, 1989). 

O processo de internalização do capitalismo no Brasil tem como marcos  institucionais  importantes  a  criação,  em  1850,  de  duas  leis  que  de  modo  articulado  promoveram  profundas  transformações  no  desenvolvimento  econômico e na organização espacial brasileira. Assim, a Lei Geral de Terras –  que  definia  que  as  terras  devolutas  passariam  a  ser  apropriadas  somente  através da compra e venda ­ e a Lei Eusébio de Queiroz – que proibia o tráfico  de  escravos  africanos  para  o  Brasil  –  tornaram­se  instrumentos  através  dos  quais  o  Estado  Nacional  passou  a  regular  formalmente  os  mercados  de  trabalho e o de terras no país. (SILVA, 1981 e CAIO PRADO JR., 1967). 

Ademais,  esse  evento  normativo  incidiu  sobre  o  Rio  Grande  do  Sul  promovendo  dificuldades  à  renovação  da  mão­de­obra  escrava  utilizada  nas  charqueadas,  bem  como  a  elevação  do  custo  dessa  força  de  trabalho.  Sem  contar ainda que impunha limitações ao principal mercado do charque gaúcho,  a escravaria utilizada no centro do país. 

A  dinâmica  desse  mercado,  especialmente  a  definição  do  preço  do  charque,  mesmo  antes  de  1850,  era  sobre  determinada  pelos  interesses  hegemônicos das oligarquias cafeeira e canavieira que procuravam, através do  Estado,  determinar  um  preço  o  mais  baixo  possível  ao  charque  gaúcho.  Para  tanto,  o  principal  expediente  encontrado  foi  a  diminuição  das  tarifas  alfandegárias ao charque produzido pelo Uruguai e pela Argentina, forçando os  donos  de  charqueadas  gaúchas  a  reduzirem  o  preço  final  do  seu  produto.  Nesse  contexto,  a  saída  para  os  donos  de  charqueadas  conseguirem  manter  um  preço  competitivo  “foi  forçar  a  baixa  do  preço  dos  rebanhos  junto  aos  estancieiros  gaúchos”.  (PESAVENTO,  1986,  p.  30).  Estes,  diante  da  não­

disponibilidade ou da não­prioridade em destinar recursos para a renovação da  estrutura produtiva e tecnológica das estâncias, mantinham o tradicional modo  de  produção  sustentado  no  caráter  extensivo  da  produção,  e  no  seu  baixo  conteúdo tecnológico. 

Um  outro  evento  importante  que  incidiu  a  partir  de  1860  sobre  as  charqueadas  do  Rio  Grande  do  Sul,  ampliando  as  dificuldades  ao  seu  pleno  desenvolvimento,  foi  a  retomada  e  a  modernização  da  indústria  saladeira  platina  –  resultado  do  avanço  do  capitalismo  sobre  o  sul  do  continente  americano. De acordo com Pesavento (1986) e Singer (1977), nesse momento  as  charqueadas  da  região  do  Prata  incrementam  suas  atividades  em  novas  bases produtivas, configurando­se como empresas essencialmente capitalistas,  através do emprego do trabalho assalariado, da intensificação da divisão social  do trabalho, e da introdução da máquina a vapor e de melhorias sanitárias que  lhes  permitiram  ampliar  a  produtividade  e  diminuir  o  seu  custo  de  produção.  Isso,  aliado  ao  aparelhamento  dos  portos,  à  construção  de  ferrovias  e  a  uma  favorável  legislação  fiscal,  determinou  condições  extremamente  favoráveis  ao  charque  uruguaio  e  argentino  na  concorrência  com  o  charque  do  Rio  Grande  do  Sul,  em  termos  de  mercado  interno  brasileiro,  mas  também  do  mercado  europeu.

No  caso  das  áreas  pastoris  do  Vale  do  Rio  Pardo,  os  efeitos  desses  eventos  fizeram  se  sentir  na  dinâmica  de  funcionamento  de  algumas  charqueadas  localizadas  no  entorno  de  Rio  Pardo  e  de  Santo  Amaro,  e  sobretudo nas estâncias de criação de gado, em razão, como vimos, da então  política  de  comercialização  do  charque.  (PESAVENTO,  1986).  O  aumento  do  custo  de  produção  do  charque,  a  oscilação  do  mercado  e  a  queda  do  preço  para  o  produto  gaúcho  impunham  dificuldades  para  a  sustentabilidade  da  indústria  saladeira  e  principalmente,  significavam  a  diminuição  dos  recursos  auferidos pelos estancieiros. 

Diante  da  forte  vinculação  das  estâncias  e  fazendas  de  gado  com  a  cidade  de  Rio  Pardo,  é  de  se  supor  que  os  efeitos  desses  eventos  tenham  influenciado  a  dinâmica  de  desenvolvimento  da  cidade,  especialmente,  em  razão  do  comércio  local  ser  nessa  época  hegemonicamente  orientado  e

regulado pelas demandas de produtos e serviços por parte da oligarquia rural,  mormente, pelas famílias dos estancieiros. 

O  segundo  grupo  de  variáveis  está  vinculado  à  escala  regional,  expressando  as  particularidades  que  as  ações  engendradas  nas  escalas  imperial  e  provincial  assumem  na  região,  e as  contingências locais  próprias  à  formação  e  ao  povoamento  desse  território.  Sua  existência  nos  revela  a  complexidade  –  diante  da  diversidade  de  variáveis  –  pela  qual  se  reveste  o  decurso  da  decadência  da  cidade  de  Rio  Pardo,  bem  como  nos  oferece  elementos  importantes  para  que  possamos  apreender  os  processos  mais  gerais de produção e de organização do espaço regional. 

Assim,  uma  primeira  variável  a  ser  considerada  se  refere  à  Revolução  Farroupilha  que  ocorreu  entre  1835  e  1845  no  Rio  Grande  do  Sul,  representando  uma  reação  armada  dos  estancieiros  gaúchos  ao  centralismo  econômico  e  político  imposto  pelo  governo  Imperial,  e  que  não  atendia  aos  interesses  da  elite  rural  do  Rio  Grande  do  Sul. 43  Esse  evento  afetou  profundamente a região atendida pela cidade de Rio Pardo, na medida em que  dificultou  a  comercialização  do  gado  vacum  para  as  charqueadas  e  do  gado  muar e cavalar para as províncias centrais – inclusive suspendendo­as durante  o  confronto.  Afetou  igualmente  as  demais  atividades  comerciais  até  então  desenvolvidas  com  o  seu  hinterland  e  com  Porto  Alegre.  O  isolamento,  as  dificuldades  de  comunicação  e  de  circulação  impostas  pela  disputa  militar  também  promoveram  a  diminuição  e  mesmo  a  paralisação  do  fluxo  de  capital  para  a  cidade  de  Rio  Pardo,  impondo  o  desaquecimento  desse  importante  mercado regional. 

Se por um lado esse evento coincide com o começo da estagnação de  Rio Pardo, por outro lado os efeitos dessa contenda também se fizeram sentir 

43 

De  acordo  com  Pesavento  (1985),  o  período  pós­independência  do  Brasil  caracterizou­se  pela consolidação do poder político dos latifundiários escravistas e barões do café. Poder esse,  configurado  no  caráter  centralizador  da  Monarquia.  Para  o  Rio  Grande  do  Sul,  os  principais  efeitos  desse  centralismo  do  Império  foram,  do  ponto  de  vista  político,  o  fato  de  que  os  presidentes  da  Província,  na  medida  em  que  eram  nomeados  pelo  Centro,  acabavam  governando  de  modo  a  atender  aos  interesses  dos  cafeicultores  paulistas  e  não  aos  da  oligarquia  rural  gaúcha.  Em  termos  econômicos,  a  drenagem  dos  excedentes  produzidos  na  província para o centro do país, bem como a elevada carga tributária em relação à terra, e ao  modo como o governo central regulava o mercado interno do charque, levaram a um crescente  descontentamento  por  parte  de  estancieiros  e  donos  de  charqueadas,  criando  então  as  condições para a deflagração da Revolução Farroupilha.

no conjunto do território sul­riograndense, desestruturando a economia gaúcha  e não apenas a dessa cidade e região. (VOGT et al, 1996). Ou seja, devemos  considerar  também  a  influência  de  outras  variáveis  na  estagnação  de  Rio  Pardo. 

Isso  nos  leva  a  considerar  uma  segunda  variável  importante.  Trata­se  dos limites que a excessiva especialização da economia regional na atividade  pecuária – especialmente pelo seu forte conteúdo extensivo – representou para  o desenvolvimento interno do território regional, e que acabaram condicionando  o  próprio processo  de  desenvolvimento  da  cidade  de  Rio  Pardo.   Para  Singer  (1977)  e  Roche  (1969),  a  baixa  produtividade  dos  campos  de  criação,  a  autonomia  econômica  de  subsistência  das  estâncias  da  região,  a  negligência  da oligarquia rural com a agricultura, a adoção de relações de produção servis  e pré­capitalistas, tornaram limitadas as condições de uma efetiva acumulação  e  reprodução  de  capital,  impedindo  assim  a  possibilidade  de  uma  dinâmica  mais ativa e sustentável de desenvolvimento do mercado regional. 

A inexpressiva relação econômica entre as áreas pastoris e as áreas de  produção  açorianas  acabou  limitando  a  circulação  intra­regional  de  mercadorias,  de  produtos  e  de  capitais,  e,  com  isso,  também  dificultando  a  promoção  do  artesanato  e  da  manufatura  industrial  nos  primeiros  núcleos  urbanos da região. Somente a partir de 1849, com a instalação dos imigrantes  alemães,  é  que  houve  uma  relativa  integração  entre  Rio  Pardo  e  as  áreas  coloniais, todavia uma relação direcionada ao abastecimento daquela cidade. 

Uma  terceira  variável  pode  ser  mobilizada  para  a  compreensão  desse  processo  de  estagnação.  Parece­nos  que  também  devemos  considerar  como  condicionantes  dessa  “incapacidade  da  elite  dirigente  local  em  vislumbrar  alternativas econômicas para o município” a inércia da tradição social e cultural  patrimonialista. (VOGT, 2001). Tradições essas assentadas na propriedade das  fazendas de gado e na permanência, pela sua condição de ocupantes de áreas  avançadas de fronteira, do poder político e militar dos estancieiros latifundiários  em suas relações com o aparelho do Estado, tanto em nível da Província como  do Império. 

Uma  quarta  variável  a  ser  considerada  é  o  predomínio  de  capitais  forâneos e sem vínculos com a região, que eram responsáveis pela maior parte

dos  estabelecimentos  comerciais  de  Rio  Pardo.  Como  assinala  Vogt  (2001),  embora  as  casas  comerciais  de  Rio  Pardo  tenham  participado  de  intensa  atividade  de  intermediação  comercial  entre  o  seu  vasto  hinterland  e  Porto  Alegre,  e,  portanto  propiciado  a  acumulação  de  capital,  praticamente  não  houve o desenvolvimento de uma burguesia local que acabasse investindo no  desenvolvimento  de  atividades  industriais.  “Ao  que  tudo  indica,  possuíam  grande  mobilidade,  deslocando­se  de  um  local  para  outro  assim  que  os  negócios declinassem”. (VOGT, 2001, p.115). 

Além  disso,  os  efeitos  adversos  sobre  a  economia  local  do  prolongado  contexto  beligerante  vivenciado  pela  população  de  Rio  Pardo,  durante  a  Revolução Farroupilha e a Guerra do Paraguai (1865­1870), acabaram também  contribuindo  para  que  diante  de  recorrentes  perdas  alguns  comerciantes  fechassem  seus  negócios  e  se  dirigissem  para  outras  cidades  da  província.  (CORREA, 2001). 

De  acordo  com  Singer  (1977),  já  a  partir  de  1820,  quando  ocorreu  a  substituição  da  produção  e  comercialização  do  trigo  pelo  charque  no  Rio  Grande  do  Sul,  vamos  ter  a  transferência  do  eixo  econômico da  área  central,  onde  se  destacava  o  entreposto  de  Rio  Pardo,  para  o  sul  da  Província,  especialmente nas cidades de Pelotas e Rio Grande. 

Também entendemos que esse movimento de fuga do capital comercial  desde  Rio  Pardo  se  intensificou,  a  partir  de  1860,  com  a  retomada  do  crescimento  econômico  de  Porto  Alegre  –  advindo  de  sua  relação  comercial  privilegiada  com  as  áreas  coloniais  alemãs  –,  bem  como  com  a  consolidação  de  Pelotas,  como  principal  centro  da  indústria  saladeira  gaúcha,  e  vigoroso  centro de negócios da oligarquia rural – mesmo durante o período turbulento de  concorrência  do  charque  platino.  Nesse  contexto,  ocorreu  um  deslocamento  desses  capitais  forâneos  para  essas  cidades,  na  medida  em  que  passaram  a  oferecer  maiores  possibilidades  de  realização  e  de  acumulação,  diante  do  maior dinamismo dos seus mercados regionais, e pela suas condições de pólos  intermediários aos fluxos comerciais de importação e de exportação. 

Por fim, e tendo presente a inter­relação dessas variáveis, cabe também  destacar os efeitos na região, especialmente em relação à função comercial de

Rio Pardo, do surgimento de importantes inovações tecnológicas no âmbito dos  meios de comunicação e de transporte de passageiros e de carga. 

Mesmo  diante  das  dificuldades  decorrentes  da  instabilidade  econômica  advinda  do  mercado  do  charque,  e  do  quase  que  permanente  estado  beligerante  em  que  a  Província  se  encontrava,  o  contexto  mais  amplo  de  expansão do capitalismo – especialmente a necessidade de criar condições a  uma  maior  fluidez  na  circulação  tanto  das  matérias­primas  e  alimentos  produzidos e exportados pela Província, como dos produtos e das mercadorias  importadas por ela – demandou e possibilitou a instalação dos novos sistemas  técnicos  no  território.  Além  disso,  como  nos  lembra  Prado  Jr.  (1989),  a  crescente  demanda  de  produtos  primários,  necessários  à  industrialização  e  à  reprodução  da  força  de  trabalho  urbana  por  parte  das  economias  centrais  do  sistema  capitalista,  levou­as  a  participar,  em  conjunto  com  o  Estado,  do  financiamento  e  aparelhamento  técnico  do  território  no  sentido  de  viabilizar  o  escoamento  dessa  produção  das  áreas  periféricas  para  o  centro  do  sistema,  bem como de possibilitar a expansão do mercado de consumo dos produtos e  das  mercadorias  industrializadas  no  centro  do  sistema.  Eis  o  sentido  da  instalação e do funcionamento desses sistemas técnicos no território. 

O  território  regional,  especialmente  no  âmbito  da  circulação,  experimentava  o  momento  de  transição  de  um  meio  natural,  até  então  diretamente  subordinado às  condições  naturais, para o início  de afirmação  de  um  meio  técnico,  no  qual  “as  lógicas  e  os  tempos  humanos  impõem­se  à  natureza”.  Nele,  passamos  a  ter  a  mecanização,  ainda  que  seletiva  e  incompleta,  do  território  através  da  incorporação  nele  de  determinadas  máquinas como barcos a vapor, os portos, os trens, as estações, a estrada de  ferro e também o telégrafo. Ou seja, passamos a ter acima de tudo um “meio  técnico da circulação mecanizada”. (SANTOS e SILVEIRA, 2001, p.27 e 31). 

Certamente,  a  instalação  desses  sistemas  técnicos  no  território  representou  um  dos  principais  fatores  de  mudança  na  dinâmica  de  desenvolvimento  da  cidade  de  Rio  Pardo,  bem  como  no  processo  de  organização do espaço regional. 

Laytano  (1946  e  1983)  informa  que  o  correio  instalou­se  em  Rio  Pardo  em 1812, mas que ainda em 1864 o funcionamento do serviço postal era lento

e  deficiente  entre  a  cidade  e  a  sua  área  de  influência  comercial. 44  Já  o  telégrafo  passou  a  funcionar  na  cidade  em  1870,  denotando  uma  maior  intensificação  no  fluxo  de  informações  tanto  de  origem  comercial  como  administrativa  entre  a  cidade  e  os  principais  núcleos  urbanos  da  Província.  A  instalação da linha telegráfica, nesse período, também pode ser explicada pelo  interesse do Império, no contexto da Guerra do Paraguai, em manter um fluxo  de  informações  estratégicas  e  militares  entre  essa  região  da  fronteira  Sul  do  Brasil e a capital do Império. (DIAS, 1995). 

Vimos  antes  que,  enquanto  vigorou  o  uso  de  lentos  meios  de  comunicação e de transporte na ligação de Rio Pardo com o seu hinterland e  principalmente  na  articulação  com  Porto  Alegre,  aquela  pôde  comandar  uma  ampla  rede  comercial,  pela  sua  condição  privilegiada  de  entreposto  entre  a  capital  e  a  vasta  região  interiorana  do  Rio  Grande  do  Sul.  Nesse  período  de  predomínio do transporte fluvial por meio de pequenas e rústicas embarcações  movidas  à  vela  ou  a  remo,  combinado  com  o  igualmente  precário  transporte  através  das  carretas,  o  tempo  lento  do  deslocamento  e  o  baixo  limite  da  capacidade  de  carga  restringiam  a  amplitude  espacial  da  circulação  dos  produtos  e  das  mercadorias,  mas  também  de  pessoas.  Isso  permitiu  a  Rio  Pardo,  por  estar  situada  às  margens  do  Jacuí,  numa  posição  espacialmente  intermediária  ao  longo  do  principal  eixo  de  comunicação,  aproveitar