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4 ­ O PAPEL DA PEQUENA PRODUÇÃO MERCANTIL E DA FUMICULTURA NOS PROCESSOS DE ACUMULAÇÃO DE 

CAPITAL E DE INDUSTRIALIZAÇÃO NA REGIÃO 

Neste capítulo trata­se de um novo momento no processo de ocupação  e  organização  dessas  áreas  coloniais,  caracterizado  fundamentalmente  pela  introdução  de  inovações  técnicas  importantes  tanto  no  âmbito  da  produção  colonial – como o arado – como também na esfera da comunicação e circulação  – como  a  melhoria  das  estradas  e  a  conseqüente  difusão  do  uso  da  carroça 

colonial. Essas inovações técnicas, resultado das ações normativas do governo  provincial  e  dos  interesses  econômicos  dos  comerciantes  e  da  aristocracia  gaúcha,  possibilitaram  um  aumento  da  produção  e  da  produtividade  nas  propriedades  agrícolas  coloniais,  bem  como  melhores  condições  de  deslocamento  e  de  transporte  dos  produtos  e  das  mercadorias  das  colônias  para  o  mercado  regional.  Possibilidades  essas  que  se  renovam  quando  inovações  técnicas  engendradas  pelos governos  provincial  e imperial,  como  a  navegação a vapor e a ferrovia, alcançam a região. 

Contudo,  é  preciso  ter  presente  que  essa  passagem  não  se  fez  com  a  mesma  velocidade,  com  a  mesma  intensidade  e  com  a  mesma  abrangência  espacial  no  conjunto  dos  lugares  da  região,  entre  os  setores  da  economia  regional, bem como entre as esferas da produção e da circulação. A lógica e a  dinâmica  de  instalação  e  de  funcionamento  desse  novo  meio,  na  verdade  desses meios técnicos com seus respectivos objetos geográficos, vinculavam­  se  ao  modo  como,  nesse  período,  se  desenvolviam  as  ações  e  as  relações  entre os agentes que vivenciavam o território regional. 

Nossa  reflexão  se  concentra  na  análise  dos  processos  de  desenvolvimento  da  produção  colonial,  seus  vínculos  com  o  mercado  e  a  decorrente  acumulação  de  capital  mercantil.  Analisamos  ainda  o  modo  como  se processa a relação de subordinação das famílias camponesas de imigrantes  alemães e italianos ao mercado, notadamente aos seus agentes hegemônicos,  os  comerciantes  das  linhas,  das  povoações  e  de  Porto  Alegre.  Relação  essa  que  se  realiza  e  se  materializa  espacialmente  através  da  constituição  e  do  funcionamento  de  uma  rede  de  comercialização  que  viabiliza  as  condições

para a especialização da economia colonial pela fumicultura, bem como para o  desenvolvimento  posterior  da  indústria  regional  e  dos  núcleos  urbanos  coloniais. 

4.1  ­  O  sentido  da  produção  simples  de  mercadorias  nas  colônias  da  região 

Após a fase inicial de instalação das colônias na região e da promoção  de  uma  economia  de  subsistência  das  unidades  familiares  de  produção,  começa  a  se  configurar  a  partir  de  1860  um  novo  momento  no  processo  de  organização  do  território.  Trata­se  da  transição  para  um  novo  estágio  da  economia colonial, aquele da produção simples de mercadorias, tanto agrícolas  como  artesanais,  para  o  mercado,  quando essa  parcela  do  território  passou a  ser usada, praticada e organizada, cada vez mais, de acordo com uma lógica e  seguindo uma dinâmica próprias à economia mercantil. 

Mas antes de analisarmos os reflexos dessa transição na espacialidade  regional,  é  preciso  refletir,  ainda  que  brevemente,  sobre  o  sentido  dessa  mudança  na  economia  das  colônias,  e  quais  as  principais  variáveis  que  concorreram para tanto. 

Em  primeiro  lugar  se  faz  necessário  ter  presente  o  significado  propriamente  da  economia  mercantil  e  suas  características  no  âmbito  do  território  regional.  Lênin  (1995,  p.14)  concebe  a  produção  simples  de  mercadoria ou produção mercantil como sendo aquela em que: 

...  os  produtos  são  mercadorias,  valores­de­uso  com  valor­de­troca  realizável  e  conversível  em  dinheiro  somente  na  medida  em  que  outras mercadorias constituam um equivalente para eles; (...) ou seja,  na medida em que eles não são produzidos como meios imediatos de  subsistência  para  os  próprios  produtores,  mas  sim  produzidos  como  mercadorias – produtos que só se tornam valores­de­uso mediante a  sua conversão em valor­de­troca (dinheiro) mediante a sua alienação.  O  mercado  para  essas  mercadorias  se  desenvolve  graças  à  divisão  do  trabalho;  a  separação  dos  trabalhos  produtivos  transforma  mutuamente  seus  produtos  em  mercadorias,  em  equivalentes  recíprocos, levando­os a servir de mercado uns para os outros.  (Grifo  nosso). 

Nessa  perspectiva,  a  base,  o  fundamento  mesmo,  da  economia  mercantil é o progressivo desenvolvimento da divisão social do trabalho e o seu  papel como condição indispensável à formação do mercado interno necessário  para  que  o  capitalismo  possa  se  desenvolver  plenamente.  Isso  implica  que

para  que  esse  mercado  possa  se  desenvolver  plenamente  tenha  de  ocorrer  uma  progressiva  separação  entre  agricultura  e  os  sucessivos  ramos  da  atividade  industrial,  uma  decorrente  troca  comercial  entre  produtos  agrícolas,  matérias­primas e produtos industrializados, mas também a separação entre o  produtor e os seus meios de produção. Favorece­se assim o desenvolvimento  de relações capitalistas de produção, através da expropriação e da respectiva  mercantilização  da  força  de  trabalho  dos  trabalhadores  rurais  e  urbanos.  Se  essas  condições  estão  presentes  na  formação  clássica  do  mercado  interno  capitalista,  e  no  desenvolvimento  do  próprio  modo  de  produção  capitalista,  é  preciso  também  considerar  a  particularidade  que  esse  processo  assume  no  Brasil,  especialmente  a  maneira  como  a  produção  colonial  realizada  nas  pequenas propriedades da região dele participa. 

Vimos  antes  que,  diante  da  crise  do  então  regime  de  acumulação  capitalista  brasileiro  no  qual  o  trabalho  escravo  predominava  nas  lavouras  monocultoras  de  exportação,  novas  relações  de  produção  começaram  a  ser  estimuladas pelo Estado e pela aristocracia brasileira como  modo de viabilizar  melhores  condições  ao  desenvolvimento  do  capitalismo  no  país.  Entre  essas  novas  relações  de  produção  se  insere  a  colonização  de  imigrantes  europeus  em  pequenas  propriedades  familiares  que  acabaram  permitindo  o  desenvolvimento  de  um  novo  e  específico  modo  de  acumulação  privada  do  capital,  na  medida  em  que  esse  passava  também  a  ocorrer  através  da  apropriação,  na  esfera  da  circulação,  do  excedente  produzido  não  capitalistamente.  O  campesinato  introduzido  especialmente  no  Sul  do  Brasil,  através  da  colonização  com  imigrantes  europeus,  segundo  Montali  (1979,  p.12), “... vai assumir as tarefas de produzir os bens da cesta de consumo do  capital  variável,  de  um  lado,  e,  de  outro,  cumprir  para  o  nascente  modo  de  produção de mercadorias “interno”, o papel da acumulação primitiva”. Ou seja,  as  unidades  camponesas  de  produção  instaladas  nas  zonas  de  colonização  européia,  enquanto  expressão  de  relações  não­capitalistas  de  produção,  tornam­se  estratégicas  à  acumulação  e  à  própria  reprodução  do  capital  naquele momento da economia brasileira. 

...  pode­se  considerar  ainda  que  a  pequena  propriedade  de  exploração familiar instituída pela política de imigração, ou melhor, as  relações  de  produção  não  capitalistas  instauradas  pelo  capital  no  movimento  de  sua  reprodução  ampliada,  evidenciam­se  como  necessárias para a acumulação não apenas enquanto produtoras de  mercadorias cujo excedente é apropriado na circulação, mas também  enquanto produtoras de alimentos a baixo custo, o que vai permitir o  barateamento da reprodução da força de trabalho nos pólos de maior  desenvolvimento  do  capitalismo  ­  no  âmbito  nacional  ­  com  reflexos  sobre  as  possibilidades  de  consolidação  das  atividades  industriais,  criando,  portanto,  indiretamente  condições  para  a  apropriação  de  mais­valia no momento da produção (capitalista). 

Nessa mesma direção, Martins (1986, p.157) assinala que “o capitalismo  engendra  relações  de  produção  não­capitalistas  como  recurso  para  garantir  a  sua  própria  expansão,  como  forma  de  garantir  a  produção  não­capitalista  do  capital, naqueles lugares e naqueles setores da economia que se vinculam ao  modo capitalista de produção através das relações comerciais”. 

Assim,  a  colonização  estimulada  no  Sul  do  Brasil  pela  política  de  imigração significava a incorporação das áreas coloniais – onde a produção se 

desenvolvia  sob  relações  de  produções  não  capitalistas  –  ao  mercado 

capitalista. Essa incorporação se fez de modo subordinado, na medida em que  implicava  “...  por  um  lado,  o  estabelecimento  de  uma  relação  de  troca  de  mercadorias  desfavoráveis  às  mesmas  [às  colônias],  e,  por  outro  lado,  a  introdução  de  produtos  industrializados  que  concorriam  com  os  artesanatos  e  manufaturas  locais,  tendo  por  conseqüência  a  transformação  ou  destruição  destes”. (MONTALI, 1979, p.19). 

A  inserção  da  economia  colonial  ao  mercado  capitalista,  a  partir  da  metade do século XIX, se implementava na medida em que ocorria a expansão  da  produção  e  o  comércio  do  café,  bem  como  a  instalação  das  primeiras  manufaturas e indústrias em São Paulo, Minas Gerais e no Rio de Janeiro, com  base  na  difusão  do  trabalho  assalariado.  A  ativação  do  mercado  consumidor,  especialmente  em  São  Paulo,  demandava  da  zona  colonial  produtos  alimentares e matérias­primas, enquanto, por sua vez, as colônias constituíam­  se em importante mercado para os produtos manufaturados ou industrializados  dos  principais  centros  industriais  do  país,  ou  mesmo  por  eles  intermediados,  quando  importados  do  exterior.  (CASTRO, 1971;  SINGER,  1977  e OLIVEIRA,  1989).

Se  por  um  lado  a  dinâmica  do  mercado  interno  nacional  aparece  como  uma  variável  importante  no  entendimento  de  como  se  dá  a  passagem  para  a  economia  mercantil  nas  colônias  da  região,  por  outro  lado  ela  é  insuficiente  para  que  entendamos  plenamente  como  e  com  que  características  esse  processo se desenvolveu na região. 

Nesse  sentido,  também  é  preciso  que  analisemos  as  variáveis  que  concorreram  internamente,  na  dinâmica  desse  novo  momento  de  uso  do  território  regional.  Uma  primeira  variável foi o  papel  que  as normas  instituídas  pelo  governo  provincial,  como  visto  antes,  tiveram  sobre  o  aumento  da  produção colonial e da busca de sua comercialização. A Lei Provincial 304, de  1854,  ao  impor  a  exigência  de  quitação  do  pagamento  do  lote  colonial  para  aqueles  que  se instalaram  nas  linhas  coloniais  a  partir de  1854,  colocava aos  colonos  a  necessidade  de  começar  a  pagar  as  dívidas  com  o  governo  provincial.  Os  colonos  instalados  nas  colônias  particulares  também  tinham  de  saldar suas dívidas com as empresas loteadoras. (SEYFERTH, 1974; CUNHA,  1991 e VOGT, 1997). Dessa maneira, o fim das doações de terra representou  um  passo  importante  na  implantação  da  economia  mercantil,  na  medida  em  que,  a  partir  de  então,  o  acesso  à  terra  passava  a  ser  mediado  apenas  pela  compra,  o  que  também  aconteceu  com  as  ferramentas  e  os  equipamentos  de  trabalho agrícola.  “Nessa  condição  de  endividamento  do  colono  mesmo  antes  de  começar  a  produzir,  criou­se  a  necessidade  de  gerar  excedentes,  monetários  ou  não,  para  amortizar  as  dívidas.  Os  excedentes  quitavam  as  dívidas  e  abasteciam  o  mercado  interno  do  Rio  Grande  do  Sul  e  do  Brasil.”  (DALMAZZO, 2004, p.24). 

Uma  segunda  variável  se  refere  à  necessidade  que  os  colonos  tinham  em  adquirir  novas  terras,  dado  o  limitado  tamanho  de  suas  propriedades  originais,  para  garantirem  a  reprodução  familiar.  Essa  necessidade  era  justificada  seja  pelo  progressivo  esgotamento  da  terra  e  pela  perda  de  produtividade  decorrente  do  sistema  agrícola  adotado,  seja  pela  aproximação  da  maioridade  e  emancipação  dos  seus  filhos,  e  pela  preocupação  em  assegurar as condições de reprodução de eventuais novas famílias. (CUNHA,  1991).

Assim,  havia  a  necessidade  de  além  de  garantir  a  subsistência  familiar  também  produzir  um  excedente  que,  através  da  comercialização,  pudesse  dotar  a  família  de  recursos  adicionais  que  lhes  permitisse  honrar  seus  compromissos  e  assegurar  as  condições  que  viabilizassem  a  reprodução  das  famílias. Como lembra Cunha (1991, p.147), 

Convivem neste período a produção de valores de uso para satisfazer  as necessidades da reprodução da unidade familiar e a produção de  valores de troca, mercadorias, agora não mais excedentes acidentais  dos  produtos  agrícolas,  animais  e  artesanato  destinados  à  subsistência,  mas  mercadorias  produzidas  intencionalmente  para  o  mercado.  Rompe­se  nesta  fase  a  identificação  entre  trabalho  e  produto do trabalho, entre produção e produto existente na fase inicial  de  [produção]  de  valores  de  uso  [para  a  família].  (...)  Quem  produz  mercadorias,  as  produz  para  desfazer­se  delas,  passa  a  viver  não  daquilo que produz, mas de seu próprio trabalho. 

Uma terceira e última variável a ser também considerada foi o gradativo  crescimento  da  demanda  nos  mercados  locais  para  os  produtos  coloniais  em  função do progressivo aumento da população residente na região.  A partir de  1859  vamos  ter  um  significativo  crescimento  da  população  regional,  especialmente  nas  áreas  coloniais,  seja  em  decorrência  das  novas  levas  de  imigrantes  que  continuavam  a  chegar,  seja  como  resultado  do  crescimento  demográfico da população preexistente. 

A  tabela  1  mostra  a  dinâmica  de  crescimento  da  população  nas  principais localidades situadas na região, nesse período. Através dela podemos  observar  que  entre  1859  e  1920  todas  as  localidades  apresentaram  crescimento populacional. 

Esses  dados  também  mostram  que  em  todos  os  intervalos  de  tempo  Santa  Cruz  apresenta  o  maior  índice  de  crescimento  populacional  entre  as  localidades  da  região.  Crescimento  esse  que  traduz  a  importância  econômica  desse  que  foi  o  primeiro  e  o  mais  dinâmico  núcleo  colonial  da  região,  e  que  nessa  condição  viu  o  seu  núcleo  urbano  concorrer  com  o  de  Rio  Pardo  no  papel  de  principal  mercado  para  a  produção  regional.  Em  um  segundo  plano,  além de Santo Amaro e de Encruzilhada do Sul – tradicionais mercados locais 

na chamada área de campo da região –, também Venâncio Aires começava a 

TABELA  1  ­  Localidades  do  Vale  do  Rio  Pardo:  evolução  da  população  residente de 1859 a 1920 

População total residente/anos  Crescimento da população por período  Localidades¨

1859  1872  1890  1900  1920  1859 a 1890 * 1890 a 1920* 1900 a 1920*

Rio Pardo  7.023  11.571  21.320  22.478  30.400  203%  43%  35%  Santo Amaro  3.598  6.925  11.939  4.504· 8.000  231%  ­32%  78%  Encruzilhada do Sul  6.130  8.496  12.973  16.956  25.100  111%  93%  48%  Santa Cruz  2.723§ 7.310  15.536  23.158  37.500  470%  141%  129%  Venâncio Aires  ­  ­  ­  11.079  17.000  ­  53%  Fonte: (Fundação de Economia e Estatística, 1986).

¨ As  localidades  correspondem  ao  município  ou  ao  então  distrito,  compreendendo  sua  população total. * Corresponde ao % de crescimento da população no período indicado.

§ Segundo  Cunha  (1991). · Em  1891  o  distrito  de  São  Sebastião  do  Mártir  se  emancipou  e  passou  a  integrar  o  município  de  Venâncio  Aires,  o  que  explica  essa  expressiva  redução  da  população. 

Percebemos  assim  que,  nesse  período,  os  vínculos  da  economia  colonial com o mercado revelam a diversidade e as particularidades presentes  nas  relações  comerciais  que  se  estabelecem  na  medida  em  que  se  realizam,  simultaneamente  e  de  modo  desigual,  em  distintas  escalas  –  do  local  à 

nacional – e alcançando, inclusive, alguns lugares em nível internacional.  4.2 ­ A pequena produção mercantil e a cultura do fumo 

Esse  momento  foi  significativo,  pois  representou  a  passagem  para  um  novo estágio no processo de organização espacial dessas áreas coloniais, na  medida  em  que  essa  parcela  do  território  passava  então  a  ser  usada  em  um  outro contexto, aquele do começo de afirmação do meio técnico. 

No  âmbito  da  produção,  as  inovações  técnicas  fizeram­se  sentir  em  menor intensidade e, quando ocorreram, limitaram­se a algumas propriedades  coloniais  da  região.  A  introdução  do  arado,  por  exemplo,  embora  ainda  se  vinculasse  ao  período  anterior,  em  razão  do  predomínio  de  uma  matriz  energética  natural,  materializada  na  força  animal,  acabou  possibilitando  uma

mudança  do  sistema  técnico  até  então  utilizado 66 .  De  acordo  com  Seyferth  (1974),  após  um  período  aproximado  de  12  a  15  anos  desde  a  ocupação  do  lote  colonial,  o  desaparecimento  dos  troncos  e  das  raízes  remanescentes  da  derrubada da mata, e uma melhor condição de aquisição de animais de tração  tornavam  possível  o  uso  do  arado  no  preparo  da  terra  para  o  cultivo  nas  propriedades  coloniais.  Esse,  para  Waibel  (1979),  correspondia  ao  segundo  estágio  dos  sistemas  agrícolas  utilizados  nas  áreas  coloniais  ­  “o  sistema  de  rotação de terras melhorada”. 67 

Através  do  emprego  do  arado  foi  possível  ampliar  a  área  de  cultivo,  melhorar  o  preparo  da  terra  e  aumentar  a  produtividade  das  lavouras,  ampliando  assim  a  produção  das  propriedades  coloniais.  Isso,  contudo,  não  significou  o  abandono  do  sistema  de  rotação  de  terras,  nem  tampouco,  pelo  menos na maior parte das propriedades, representou a adoção de adubos. 68 

Roche  (1969,  p.287)  denomina  esse  sistema  agrícola  de  “agricultura  temporária e periódica da queimada”. E assinala que, embora haja a presença  do uso de ferramentas como a enxada, o arado de relha metálica e a grade, o  seu  emprego  associado  à  queimada,  nesses  longos  anos,  muito  mais  do  que 

66 

Quanto à situação de um uso não generalizado de inovações técnicas na produção, Montali  (1979)  registra  o  fato  de  que  em  1866,  em  Santa  Cruz,  dos  753  estabelecimentos  agrícolas  existentes, apenas 118 usavam o arado. 

67 

Esse  estágio  é  caracterizado  por  Waibel  (1979,  246­255)  pelo  momento  em  que  após  a  devastação  da  maior  parte  das  matas,  com  o  aumento  da  densidade  populacional,  e  com  a  construção  de  estradas  para  carroças,  tem­se  um  avanço  no  desenvolvimento  técnico  e  econômico  das  propriedades  coloniais.  A  principal  inovação  aqui  é  a  introdução  do  arado  puxado por cavalos ou bois, de modo a aumentar a capacidade de ampliar as áreas cultivadas,  e  de  melhorar  o  preparo  da  terra,  muito  embora  nessa  fase  ainda  permaneça  o  sistema  de  rotação  de  terras.  Isso  por  sua  vez  impede  que  o  agricultor  possa  usar  o  arado  em  toda  a  propriedade, uma vez que nas encostas íngremes acaba prevalecendo o uso da enxada e da  cavadeira.  Nesse  estágio  ocorre  o  aumento  das  culturas  de  subsistência  e  a  introdução  ou  a  valorização  daquelas  culturas  de  importância  comercial.  Para  ele:  “50  %  vivem  no  segundo  estágio, em terras ainda não esgotadas, e 45% estão ou no primeiro ou na fase de decadência  e  de  estagnação  do  segundo”.  No  caso  das  colônias  criadas  no  VRP,  a  grande  maioria  das  propriedades, após as dificuldades impostas no primeiro estágio, permaneceu nesse  segundo  estágio técnico. 

68 

De  acordo  com  Waibel  (1979),  apenas  em  uma  minoria,  cerca  de  5%  das  propriedades  coloniais  do  Sul  do  Brasil,  houve  o  emprego  da  rotação  de  culturas  em  terras  aradas  e  adubadas. Para tanto, os colonos precisavam, além de dispor do arado puxado por um ou dois  bois ou cavalos, também possuir um plantel de 10 a 20 cabeças de gado para a produção de  adubo  (esterco),  de  modo  a  poder  fertilizar  adequadamente  a  terra.  Isso  tudo  implicava  a  necessidade  do  plantio  de  forragens  para  a  alimentação  do  gado  bovino,  da  construção  de  estábulo  para  guardá­lo,  bem  como  de  um  telheiro  para  depositar  o  estrume.  Inovações  que  demandavam  níveis  maiores  de  trabalho  e  capitais.  Esse  era  o  último  estágio  técnico  alcançado pelos imigrantes alemães, identificado por ele como “rotação de culturas combinada  com a criação de gado”.

um  avanço  técnico  na  produção  agrícola  acabou  alterando  a  qualidade  e  a  fertilidade natural do solo, além de facilitar os processos de erosão pelas águas  correntes  e  de  destruição  da  camada  de  húmus  do  solo  em  grande  escala.  Para  ele,  se  nos  primeiros  anos  de  instalação,  diante  dos  condicionantes  existentes, o uso desse sistema agrícola justificou­se, nas décadas posteriores,  a  continuidade  dessa  prática  agrícola  pelos  descendentes  dos  primeiros  colonos  somente  pode  ser  explicada  pelas  características  próprias  do  desenvolvimento  da  agricultura  teuto­brasileira.  Essas  características  revelam  como  principais  obstáculos  a  uma  evolução  técnica  na  agricultura:  a  prevalência  da  cultura  e  da  rotina,  entre  os  colonos,  no  modo  de  cultivo  da  terra;  a  deficiência  de  maquinaria  apropriada,  e,  sobretudo,  a  insuficiência  de  capitais.  (ROCHE,  1969,  p.289).  Essas  características  também  explicam  o  porquê  do  não­emprego  generalizado  do  adubo  nas  lavouras  coloniais,  ainda  que  essa  fosse  a  recomendação  das  autoridades  provinciais.  “Na  medida  em  que  consentiam  em  tentar­lhes  o  uso,  os  colonos  tinham  tendência  a  abandoná­lo,  mesmo  com  sucesso,  porque  o  custo  dos  adubos  ultrapassa  a  valorização  obtida.  O  próprio  emprêgo  do  estrume,  (...)  ficou  limitado  em  algumas  zonas  às  únicas  culturas  compensadoras  do  fumo  e  da  batata­  inglêsa”. (ROCHE, 1969, p.289). 

Assim, passados alguns anos, a produtividade da terra diminuía, levando  à  substituição  de  algumas  culturas,  como  a  cana­de­açúcar,  à  introdução  de  outras,  como  a  mandioca,  e  à  valorização  daquelas  culturas  de  importância  comercial, como a do feijão e a do fumo. 

É  importante  também  destacar  que  nesse  período  nem  todos  os  colonos,  especialmente  os  recém  chegados,  possuíam  condições  para  adquirirem  alguns  dos  objetos  técnicos  necessários  à  preparação  da  terra,  como o arado, ou mesmo à transformação artesanal dos produtos necessários  à  alimentação,  como  o  engenho  de  fubá  e  a  farinha  de  mandioca.  Essa  situação engendrou o desenvolvimento de ações cooperadas que objetivavam  a  reprodução  social  dessas  famílias.  Seyferth  (1974)  se  refere  a  essas  ações  como  arranjos  realizados  entre  colonos  e  entre  colonos  e  comerciantes rurais  que,  via  de  regra, resultavam  na  apropriação  de  parte  do  produto  beneficiado  pelo  proprietário  dos  instrumentos  e  equipamentos,  a  título  de  “aluguel”  pelo

seu  uso. Quando  do  aluguel  de  arados,  o  pagamento  costumava  ser  feito  por  meio de produtos agrícolas. Entre essas ações cooperadas, há que se destacar  também a existência, já nessa época, do arrendamento de terras. Como alguns  dos  colonos  não  possuíam  terra  adequada  ou  fértil  para  o  cultivo,  ou  mesmo  quando  sua  dimensão  era insuficiente para a  reprodução  familiar,  a  saída  era  “alugar” ou arrendar parte das terras de outra família, a quem repassavam de  um  terço  até  a  metade  da  produção  agrícola,  a  título  de  pagamento  pelo  seu  uso. 

A  figura 11  permite  observar  a organização  espacial das  propriedades