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A colonização ao longo do tempo em Angola não se deu de forma linear, mas sim, de forma a que se intercalassem momentos de um crescimento ritmado à sua descontinuidade, conforme certos eventos históricos e interesses da Metrópole. A análise desses momentos, através de uma leitura da evolução demográfica e do desenho urbano de Luanda é concebida por Fernando Mourão88, como modelo, e que adaptamos para outros espaços.

O trabalho efetuado por Mourão tem por foco a análise do “sentido, ou sentidos do processo colonial” que vai do período do século XVI até à independência na década de 70, e passa, principalmente, pelas seguintes etapas: a) A Luanda Feitoria b) A Cidade ‘Mestiça’ c) A Cidade Colonial d) O período de formação dos movimentos de luta pela libertação.

Acerca de cada um destes períodos podemos destacar os seguintes acontecimentos:

a) O nascimento de Luanda em 1576 com Paulo Dias de Novais, segundo um modelo europeu, marcado pela construção de fortificações e igrejas. A intensificação do comércio escravo leva à cobiça holandesa em 1641, cuja expulsão, em 1648, ocorre com a ajuda de tropas vindas do Brasil comandadas por Salvador Correia de Sá e Benevides. Luanda afirma-se como feitoria, ou seja, um entreposto comercial dedicado ao tráfico de escravos e ao escoamento de produtos advindos do extrativismo interior (marfim, cera,

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A Situação Colonial, como coloca Balandier, resulta do expansionismo europeu sobre os povos ditos arcaicos, através do globo. Seus métodos de dominação ao longo do tempo, influência e transformações provocadas no seio desses povos são motivo de estudo sociológico devido, sobretudo, à sua especificidade e à profundidade de seus impactos. O problema colonial merece grande destaque na história recente e sua compreensão como fato social total é primordial. Como fonte de consulta cita-se: BALANDIER, Georges. La situation coloniale: approche théorique. Cahiers internationaux de sociologie. Paris: Les Presses universitaires de France, 1951, vol. 11, p. 44-79.

borracha). O crescimento da população ‘branca’ de 1607 quando há o primeiro registro, até 1845 é lento e gradual (de 300 para 1601 pessoas).89

b) A cidade ‘mestiça’ é marcada pelo declínio do tráfico de escravos (que se agrava no episódio do Ultimatum do governo inglês em 1890) e pelo nascimento de uma classe de comerciantes, necessária quando dessa fase de transição entre o fim do tráfico e o início de uma atividade comercial e agrária esparsa, sobre o que podemos citar:

Com o término ou declínio do tráfico de escravos, tal como tivemos ocasião de demonstrar, ocorreu uma mutação na população de Luanda: a população ‘branca’ reduziu-se, embora passasse a apresentar um maior equilíbrio entre os sexos, e registrou-se um aumento da população ‘mestiça’ e ‘negra’. A população ‘branca’ passa de 1.601 pessoas em 1845 para 1240 em 1850, enquanto que o número de ‘mestiços livres’ passa de 475 (1845) para 1835.90

Cabe lembrar que outro importante evento anterior ao fim do tráfico está relacionado ao aumento da população ‘branca’ em 1823, a despeito do declínio citado acima. É a independência brasileira que obriga a Coroa portuguesa a enviar tropas para apaziguar aspirações locais que pudessem motivar os angolanos a seguir o mesmo caminho.91

89 ibidem, p. 74-75. 90 ibidem, p. 303

91 Em referênca a este episódio podemos citar (MOURÃO, Fernando Augusto Albuquerque. A

evolução de Luanda: aspéctos sócio demográficos em relação à independência do Brasil e a fim do tráfico. II RIHA, 1996: p. 57-73): “Ocorre que em 1823, Cristóvão Avelino Dias chegou em Luanda acompanhado por forças militares (de elementos ‘brancos’) que haviam sido pedidas pela Junta Provisória de Governo da colônia (1822-1823), na ocasião da independência do Brasil. Em 1822, o então governador Joaquim Inácio Lima (1821-1822) foi deposto por um motim e subiu a junta, tendo à sua frente o bispo D. João Damasceno de Póvoas. Parte dos membros da junta eram favoráveis à independência de Angola. O próprio bispo havia já criado um clero angolano. Nesta ocasião, um dos regimentos de infantaria revoltou-se contra a Junta. A situação era extremamente ambígua entre os partidários de uma independência de uma junção com o Brasil e da permanência dos vínculos com Portugal. Vários deputados foram eleitos e embarcaram via Rio de Janeiro; mas as cortes convocadas para Lisboa não chegaram a se reunir. Entre esses deputados estava Amaral Gurgel, que era favorável à ligação com o Brasil. Nessa ocasião, enquanto as exportações de Angola para o Brasil representavam quatro quintos, para Portugal era apenas um quinto. Quanto às importações 16% vinham de Portugal, e o restante do Brasil. A revolta do regimento de infantaria contra a Junta teve por princípio, ser debelada; a par disso, seria preciso garantir uma presença ‘branca’ metropolitana, face aos ‘brancos’ locais favoráveis à autonomia, ou à ligação com o Brasil. Com as devidas reservas e levando em conta que, em 1821, registram-se 443 ‘brancos’ em Luanda, a ação da Coroa cria uma relação de dois metropolitanos para um ‘branco’ local. Já em 1846, a situação inverte-se novamente com 1.000 ‘brancos’ para 2.000 ‘mestiços’, número este que outras fontes aumentam par 5.570.[..] Do ponto de vista demográfico, o século XIX registra alterações profundas. Nos primeiros vinte anos a população ‘branca’ mantém o mesmo ritmo anterior. O aumento da população ‘branca’ em 1823, como já

O aumento da população ‘mestiça’ também se atribui a um certo isolacionismo de Angola em relação à metrópole. A ascensão dos ‘mestiços’ até os idos dos anos trinta do século XX, bem como a sua crescente importância em termos econômicos e sociais foi a marca deste período, em que o afastamento da Coroa proporciona o desenvolvimento de uma “sociedade local com interesses próprios”. Ora o afastamento ou proximidade dos interesses locais aos da Coroa, bem como a inclusão ou exclusão da participação dos ‘mestiços’ nesse jogo, é apontado por Mourão, como parte integrante das contradições que “estão na raiz do conceito de angolanidade”.92

Dada a importância do tema, adiante, quando for abordado o período do início dos movimentos nacionalistas será trabalhado este conceito.

c) A cidade colonial surge da necessidade da ocupação dos territórios portugueses em África e sua proposição formal no Congresso de Berlim (1884- 1885). Além disso, havia os interesses da burguesia recém ingressada na era do capitalismo industrial. Angola, cujo comércio com Portugal ainda era incipiente (e que se beneficiou da diminuição do comércio angolano com o Brasil, dada a ruptura do tráfico de escravos, cujo marco legal em Angola foi em 1856), desenvolve-se aos poucos e começa a entrar em ritmo de transformação. Também são uma marca desta época os ideais republicanos que vieram a dar mais ênfase aos ideais libertários do homem, imprimindo um certo cunho nacionalista na administração das colônias bem como um certo avanço em termos de políticas públicas e de conceitos de cidadania, conferindo os mesmos direitos aos cidadãos dos territórios portugueses, independentemente do local de nascimento. Entretanto, com o avanço dos interesses burgueses, ainda no período republicano português, que se inicia em 1910, vê-se uma involução no que diz respeito às leis do trabalho, representando uma mudança na aparente busca de um equilíbrio para a ‘promoção’ dos povos locais frente aos interesses metropolitanos.93

tivemos ocasião de verificar, é o resultado do envio de tropas para Angola. Em virtude da independência do Brasil, ocorrida no ano anterior desejava-se evitar a anexação de Angola ao novo país (como alguns moradores de Luanda e Benguela desejavam) ou então sua possível autonomia. A influência da Coroa fazia-se sentir nos arredores de Luanda e de seus presídios e ainda no reino de Benguela e em seus presídios.”

92 MOURÃO, op. cit, 2006, p. 58. 93 ibidem, p. 141-146.

O recrudescimento desta política de interesses, marcada pelo trabalho obrigatório94, talvez concretize-se na face mais cruel e de maior impacto para

as populações, dada a abertura para a exploração sem limites que provocou:

A ocupação do solo, o estabelecimento de colonos ‘brancos’ e a necessidade de produzir ou comprar produtos agrícolas a preços baixos de modo a garantir os interesses face à concorrência internacional, levaram a administração colonial, quer a militar e, posteriormente, a civil, a impor o sistema de obrigatoriedade de trabalho aos africanos.95

Além disso, o retrocesso nas políticas educacionais é também outro fator a depor contra o sentido que se viria a se imprimir num modelo de colonização que praticou um retrocesso nas leis, através do Estatuto do Indigenato, e foi mitigado pelo sentido de “missão civilizatória”96, manto sob o qual se encobria a

94 Sobre este ponto vale citar (ibidem, p. 167): “Os interesses econômicos, quer da metrópole, quer dos colonos, vão aos poucos alterando o espírito da legislação liberal. Surge em 1878 um texto legal bastante ambíguo, que, embora não estabeleça ainda o princípio da obrigatoriedade do trabalho para os africanos, já cria algumas dificuldades ao princípio da livre contratação que, do ponto de vista legal, constitui-se na norma, mesmo que raramente praticada. Este texto, substituído em 1899 pelo Código do Trabalho, determina em seu artigo 1º que o trabalho para os africanos é uma “obrigação legal e moral”. Segundo este documento legal, que se deve aos estudos de Antônio Ennes, os africanos que cultivassem terras, ou que tivessem uma profissão definida, não estariam sujeitos ao novo texto legal. Os africanos não só se vêem compelidos à prestação de serviços, como passam a perder a posse de suas terras. A produção agrícola, com exceção do açúcar e, até certo ponto, do café, cabia preferencialmente aos africanos. A disputa das propriedades rurais e mesmo urbanas, passa a ser uma constante. Num relato literário, escrito em 1917, Antônio de Assis Júnior, então procurador judicial da Comarca de Golungo Alto, denuncia o processo de apropriação ilegal das terras de proprietários africanos por parte dos colonos ‘brancos’ e de empresas comerciais.”

95 ibidem, 148

96 Cabe aqui conceituar e expor sob que contexto está circunscrita a idéia de missão civilizatória que no início do século XX dá-se a conhecer, através de um ensaio de Mauss sobre Noção de Civilização. (MAUSS, Ensaios de Sociologia. São Paulo: Editora Perspectiva, 2005, p. 475-493): “Pode-se, pois, propor a seguinte definição de uma civilização: é um conjunto

suficientemente grande de fenômenos de civilização, suficientemente numerosos e importantes tanto por sua massa quanto por sua qualidade; é também um conjunto, bastante vasto pelo número, de sociedades que se apresentam; em outras palavras: um conjunto suficientemente grande e suficientemente característico para que possa significar, evocar ao espírito uma família de sociedades. Família que, aliás, temos razões de fato de constituir: fatos atuais e

fatos históricos, lingüisticos, arqueológicos e antropológicos; fatos que fazem crer que elas estiveram em contato prolongado e que são aparentadas entre si. Um conjunto de fatos, um conjunto de caracteres destes fatos que correspondem a um conjunto de sociedades, numa palavra, uma espécie de sistema hipersocial de sistemas sociais, eis o que se pode chamar de uma civilização”. (ibidem, p. 480).

Uma vez posto o conceito acima, no texto de Mauss coloca-se “ os sentidos ordinários da palavra civilização” em que aqui utilizamos o seguinte exemplo, que ajuda por analogia a explicar o sentido de “missão civilizatória”: “Enfim, os homens de Estado, os filósofos, o público, mais ainda os jornalistas, falam da “Civilização”. Em período nacionalista, a Civilização é sempre sua cultura, a de sua nação, pois geralmente ignoram a civilização dos outros. Em período nacionalista e geralmente universalista e cosmopotita, e à maneira das grandes religiões, a Civilização constitui uma espécie de estado de coisas ideal e real simultaneamente, racional e natural ao mesmo tempo, causal e final no mesmo momento, que um progresso de

ideologia do sistema. Nesse sentido, há uma ruptura em termos ideológicos e práticos no tratamento das colônias que culmina com o Ato Colonial de 1930.97

d) O período de formação dos movimentos de luta pela libertação é marcado pelo nascimento do sentido de nacionalidade. Neste sentido, podemos partir do ponto do recrudescimento da política colonial com a ascensão de António de Oliveira Salazar ao poder e o decreto do Ato Colonial de 1930. O retrocesso - que se dá quer no plano ideológico, quer no plano legal – sobretudo com o estatuto do “indígena” e do “assimilado”; sem contar a distinção entre os direitos dos nacionais de Angola perante os metropolitanos (independentemente da raça ou origem, originando a expressão “branco de segunda”) geram grandes descontentamentos.

A insatisfação da pequena burguesia negra e mestiça, ameaçada pela crescente emigração de ‘brancos’98, bem como a intensificação no plano

internacional do movimento da negritude e da conquista da autodeterminação dos povos colonizados, faz crescer o sentimento do nativismo e posteriormente da consciência da necessidade de um projeto de nação. Neste sentido é importante desenvolver o tema da negritude e da angolanidade.

2.3. Negritude, angolanidade, nascimento do nacionalismo e dos

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