• Nenhum resultado encontrado

As relações Brasil-Portugal-Angola

Em entrevista concedida à Revista da Cultura, o fotógrafo Sebastião Salgado afirma que num dado momento jurou “nunca mais pôr os pés na África”. Perguntado em que momento, responde: “Foi nos anos 1974-1975, de violência extrema em Angola, a guerra... E com as barbáries que vi, disse: “Chega, não volto mais!”.57

Sebastião Salgado retornou, assim como outros milhares de angolanos da diáspora retornaram e continuam a retornar após várias décadas, atualmente com mais entusiasmo e esperança após o término da guerra civil que ali se instalou mesmo antes da independência em 11 de novembro de 1975.

Mas aqui, neste ponto, no tema dos retornos (físico ou simbólico), dê- se, talvez, o fim de uma narrativa sobre a guerra colonial e seus desdobramentos, cuja bibliografia é extensa e cada vez mais se avoluma nas estantes, dado o distanciamento dos fatos - momento oportuno que permite aos historiadores analisá-los à luz de outras perspectivas, que aquelas predominantes no calor dos acontecimentos. E não só: as memórias e o apelo nostálgico - quando não de trauma – dos anos vividos em África por muitos civis e militares, desvela-se num fenômeno recente no âmbito dos lançamentos editoriais portugueses.

No Brasil tal fenômeno não se repete, pois a história de Portugal, ou o vínculo brasileiro para com a nação e independência de Angola, apesar de historicamente importante, passa muito despercebido. Faz parecer tratar-se de uma tênue corrente marítima, aquela que nos liga deste lado do Atlântico à outra margem do rio.58 Entretanto, basta dizer que o Brasil foi o primeiro país a

57 SALGADO, Sebastião. Andarilho das Curvas do Mundo. Revista da Cultura. São Paulo, edição 6, p. 4-9, Janeiro de 2008. Entrevista concedida a Fernando Eichenberg.

58 Em relerência ao título do trabalho de Alberto da Costa e Silva sobre as relações históricas do Brasil com a África: SILVA, Alberto da Costa e. Um rio chamado Atlântico: a África no Brasil e o Brasil na África. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: Ed. UFRJ, 2003.

oficialmente reconhecer a independência angolana, para inferir que a corrente não era tênue, e nem mesmo o rio, de águas mansas.

O papel do Brasil no contexto das relações internacionais não poderia deixar de ser ambíguo. Nem mesmo no plano teórico o deixaria de ser, pois o lusotropicalismo de Gilberto Freyre foi um dos pilares de sustentação da defesa salazarista do colonialismo português. Entretanto, o Brasil seria o destino de muitos exilados políticos e intelectuais portugueses perseguidos pelo regime salazarista. Este apoio intercontinental seria fundamental no desenrolar dos acontecimentos, ainda que velado, ainda que inicialmente, meramente no plano cultural, intelectuais como Agostinho da Silva, Adolfo Casais Monteiro59, dentre

outros, fomentaram tanto o interesse de intelectuais brasileiros quanto do Itamarati e de grupos políticos, a prestar atenção ao que acontecia na margem de lá. Um exemplo a ser citado é a formação do Centro de Estudos Afro- Orientais na Bahia (CEAO – Universidade Federal da Bahia) criado em 1959 por sugestão do professor Agostinho da Silva60, (mais tarde, também um

colaborador na criação da Universidade de Brasília) que plantou uma semente - ainda que “semeada no pó” como se diz das plantações no arquipélago de Cabo Verde, dadas as dificuldades – contribuindo para o estudo científico da presença do negro no Brasil61, e para a formação de uma consciência sobre a

sua importância histórica e sua herança cultural, além de inspirar outros grupos na tarefa de criar novos centros de estudos. Nesse sentido, o tema África passa a ser mais visível. Nada mais justo e importante do que refinar o

59 Cabe aqui lembrar a importância do Jornal Portugal Democrático, fruto da corrente de militância antisalazarista no Brasil, em cujas páginas Casais Monteiro teve participação.

60 Em referência à entrevista concedida por Waldir Freitas Oliveira à Revista de Estudos

Avançados: OLIVEIRA, Waldir Freitas. As pesquisas na Bahia sobre os afro-brasileiros. Estud.

av., 2004, vol.18, no.50, p. 127-134.

61 O tema designado de estudos sobre o negro no Brasil desenvolveu-se inicialmente na Bahia envolvendo nomes clássicos como Arthur Ramos, Nina Rodrigues, na escola do Recife o professor e médico psiquiatra René Ribeiro. Numa fase posterior, em São Paulo, Roger Bastide, Florestan Fernandes e Oracy Nogueira, todos eles da Universidade de São Paulo. Ainda nesta escola Ruy Galvão de Andrade Coelho que trabalhou nas Antilhas e, na UNESCO com Alfred Métraux. A terceita fase, com enfoque no continente africano, surge com Jânio Quadros. África passa a ter visibilidade, ou seja, o foco é acrescido de estudos sobre o continente africano e sua gente. Nesse contexto, foi criado o Instituto Brasileiro de Estudos Afro-Asiáticos (IBAA -1961), congregando personalidades como o senador Afonso Arinos, os professores Cândido Mendes e Eduardo Portela, que entre outras atividades passaram a editar textos relativos ao continente africano até que sua atividade foi encerrada pelo governo militar (1964). Posteriormente, no plano universitário surgem o Afro-Asiático do Rio de Janeiro (CEAA) e o Centro de Estudos Africanos Universidade de São Paulo (CEA – 1969).

Os estudos do negro desdobram-se em linha tradicional acadêmica e depois há influência dos movimentos negros norte americanos nos movimentos negros brasileiros.

entendimento sobre a realidade do continente de onde muitos de seus filhos foram trazidos escravos para o Brasil - mão de obra que ajudou o país a construir as bases necessárias para aceder ao capitalismo moderno, sobretudo pela acumulação do capital das monoculturas. Angola, nesse sentido, despontaria não só pelos tristes laços da escravatura como também pelos laços históricos e culturais. Uma vez sublinhado o interesse no plano cultural, mais uma passo seria dado no sentido de também politicamente se estabelecer uma articulação para a aproximação com as ditas províncias ultramarinas. Claro fica nesta aproximação, o interesse brasileiro no potencial econômico e de geração de influências junto ao conjunto de países de língua portuguesa com a queda do último império do ocidente. Desta forma, as relações internacionais entre Brasil e Portugal no contexto das ideologias da Guerra Fria, penderam ora para o lado do apoio à nação portuguesa, ora foram de clara hostilidade ao seu domínio colonial. Ou seja, em determinado momento, houve uma mudança de posicionamento do governo brasileiro em relação à política portuguesa do ultramar.

Cabe aqui dizer que a partir da década de 1930 com a ascensão do presidente Getúlio Vargas ao poder, há uma reaproximação dos dois países em termos diplomáticos, fazem-se esforços no sentido de estabelecerem-se planos de cooperação econômica e acordos na área cultural. Para o diplomata português José Calvet de Magalhães, houve um contributo da obra de Gilberto Freyre no sentido da criação de um clima favorável de aproximação da comunidade luso-brasileira.62

62 Segundo Amado Cervo: “A obra de G. Freyre pôs, em evidência, o papel de Portugal na formação do Brasil, contestando muitas críticas deprimentes para a ação dos portugueses, até então difundidas por muitos intelectuais brasileiros. O sociólogo brasileiro concebia uma comunidade luso-brasileira baseada no que ele chamava de “luso-tropicalismo”, a condição original que tinha levado o povo português a promover a interpenetração racial, lingüística e cultural, combinando a cultura européia com a cultura tropical.” (CERVO, Amado Luiz; MAGALHÃES, Calvet de; CASTRO, Dario Moreira de. (orgs.). Depois das Caravelas: as relações entre Portugal e Brasil: 1808-2002. Brasília: Universidade de Brasília, 2002, p. 278).

É curioso constatar que a idéia do lusotropicalismo se tornou conhecida a partir de Lisboa com edição de Aventura e Rotina e O Mundo que o português criou, da editora Livros do Brasil, em Lisboa. Estas obras resultam de viagem de Gilberto Freyre a convite do governo português a várias colônias, o que se tornou, mais tarde, um elemento de apoio técnico às teses coloniais na concepção do primeiro-ministro Oliveira Salazar. Portanto, foram obras inicialmente editadas em Lisboa, e que eram praticamente desconhecidas no Brasil, que foram postas em evidência a partir de todo um trabalho de divulgação realizado, mormente pela Agência Geral do Ultramar. Antônio Soares Amora, professor da Universidade de São Paulo, em um simpósio realizado no Instituto Francês de Lisboa na década de 50, ao ser inquirido sobre o Lusotropicalismo, deixou claro, nessa ocasião, que o tema era pouco conhecido no Brasil.

Para José Honório Rodrigues, as relações Brasil-Portugal - até à introdução principalmente das idéias de Gilberto Freyre através de Casa

Grande & Senzala (1934), e da defesa de uma comunidade pautada pelo

vínculo da língua portuguesa pelo ministro das Relações Exteriores Otávio Mangabeira (1928) – foi de extrema animosidade sendo mais “uma história de reclamações, de protestos, de dificuldades , que mais parecem um somatório de agravos que uma comunidade de interêsses”. 63

Segundo Rodrigues, “G. Freyre foi, na verdade, com seu revisionismo histórico, quem valorizou o joão-ninguém português”.64 É portanto, a partir

deste ponto, da revalorização da herança cultural e da língua portuguesa que se criam condições para que haja uma simpatia no sentido da reaproximação e a sujeição dos interesses mútuos a acordos e concessões, bem como a criação de um espírito de comunidade. Daí a importância de compreender a virada do pensamento diplomático com a Política Externa Independente. O Brasil, antes submerso em afetividades de “filho” para com Portugal, passa a agir como “irmão”, um avanço no sentido de atuar com mais propriedade junto à ONU no caso da questão africana, como de fato o fez (neste contexto registra-se ainda a ambição do Brasil de participar mais ativamente nas agendas internacionais).

O autor critica esta política familiar, expressa nas palavras de João Neves da Fontoura, defensor e mentor do Tratado de Amizade e Consulta de 1953, então embaixador do Brasil em Portugal: “A política com Portugal não chega a ser uma política. É um ato de família. Ninguém faz política com os pais e irmãos. Vive com êles, na intimidade do sangue e dos sentimentos”.65 Ora,

claramente não se poderia considerar válido que se vinculassem decisões de política internacional por força de tratado. Este seria um erro, que foi de fato corrigido com a mudança de rumo da diplomacia, ao passar a erigir os

No prefácio da Alberto da Costa e Silva para o livro Aventura e Rotina de Gilberto Freyre, encontramos logo no primeiro parágrafo o seguinte comentário: “ Consta que Aventura e Rotina era, de todas as obras que escreveu, a predileta de Gilberto Freyre. Ou, quando menos, uma das preferidas. Só por essa razão mereceria este livro ser lido com vagareza e cuidado. Há outros motivos, no entanto, que nos fazem correr-lhe a mão sobre a capa e abri-lo com interesse e a esperança de surpresas. Como a que devem ter tido os leitores da metade do século, ao encontrar, com uma dúzia de insistências, em que fora um tenaz opositor do fascismo e do Estado Novo brasileiro, o elogio de Salazar e a justificação de seu regime político.” (FREYRE, Aventura e Rotina: Sugestões de uma viagem à procura das constantes portuguesas de caráter e ação. Rio de Janeiro: Topbooks, 2001, p. 13).

63 RODRIGUES, José Honório. Brasil e África: outro horizonte. 2º vol. Política Brasileiro- Africana. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1964. p. 354.

64 ibidem, p. 355. 65 ibidem, p. 357.

interesses nacionais acima dos interesses portugueses; não sem certa ambigüidade calculada (como a abstenção na votação na ONU em 1961) quando do episódio das independências africanas. Ultrapassados os sentimentos de afetividade, o Brasil foi capaz de retomar seu próprio caminho nas relações com o continente africano, dando vazão aos interesses econômicos e estratégicos que, naquele momento, se vislumbravam sob a cortina de fumaça que Portugal fazia arder em nome de um apoio baseado em laços históricos, e de uma comunidade que de fato não existia, dadas as pobres relações econômicas entre os dois países e a dificuldade do Brasil em penetrar no mercado africano66; até porque na ocasião, analisando-se o

comércio mundial, uma potencial relação da economia brasileira com as economias africanas ainda não fazia sentido, excetuando-se o mercado cafeeiro. O mérito desta abertura na diplomacia retrógrada de até então, dá-se na entrada para o governo do então presidente eleito Jânio Quadros e do seu ministro do Exterior, Afonso Arinos de Melo Franco. E apesar das iniciativas tomadas no sentido de fazer valer as idéias anticolonialistas e cultivar uma política voltada para o estabelecimento de relações com a África e a Ásia, tanto no plano econômico, como no plano cultural, houve diversos entraves causados pela desconfiança do bloco político conservador brasileiro, que atacou a nova postura do governo Quadros para a área internacional, voltada para o eixo sul, e sob a acusação de uma influência político-ideológica do leste europeu. Ante o pano de fundo da história, marcado pela polarização econômica do eixo norte (industrializado e mais desenvolvido tecnologicamente) sobre o eixo sul, e da disputa político-ideológica da Guerra- Fria, cresciam as dificuldades enfrentadas pela nova política externa brasileira, como relata Rodrigues:

O new look do Brasil começava a não agradar às classes conservadoras, e seus aliados na imprensa iniciaram uma das mais vigorosas campanhas de que há notícia no Brasil (...) Em resumo, a idéia de restabelecer relações com a União Soviética, de enviar um observador à reunião de Bucareste, o receio da caminhada para o neutralismo, a posição em relação a Cuba, faziam crer numa reviravolta total do Brasil, apesar dos entendimentos financeiros com os Estados Unidos e a Europa. Acusava-se a presidência de querer

divagar com a Ásia e a África, ou, ainda, de que suas principais preocupações eram a África e o Oriente europeu.67

Ainda sobre a repercussão interna do novo posicionamento da política externa brasileira, cita Rodrigues:

No Congresso, a opinião se dividia, refletindo não só tendências ideológicas, o adesismo comum, como as indecisões que marcam as forças partidárias brasileiras. As flutuações da Presidência e do Ministro também influíram nas indefinições parlamentares, porém muitos senadores e deputados marcaram suas preferências em discursos de apoio, sem distinções partidárias, e uns poucos definidos por suas antigas convicções integralistas, recriminaram com veemência o Governo. Outros – e não foram poucos, em visitas a Lisboa, procuraram o ditador Salazar para manifestar-lhe solidariedade, na questão angolana e apoio à Comunidade Luso- Brasileira. Indiscretos, revelando na sua simpatia sempre a mesma lengalenga – “sou neto de portuguêses”, faziam, no estrangeiro, censuras ao Govêrno brasileiro exatamente na parte em que divergiam da posição deste.68

A abstenção brasileira na ONU para a votação da matéria sobre Angola em 1961 reflete, portanto, as pressões a que estava submetida a política internacional na época. E, apesar de suas manifestações abertamente anticolonialistas, explica-se assim, parte do insucesso na implementação de uma política africana forte. Dado o início desta nova política, a sua continuidade, agora, com mais liberdade e mais convicção, foi fundamental para que o posicionamento do Brasil, junto à ONU inclusive, deixasse de ser absenteísta e passasse para o plano da clara defesa da autonomia de Angola, particularmente.

67 Ibidem, p. 379. 68 ibidem, p. 381.

Em 1953 é assinado o Tratado de Amizade e Consulta69 que dentre

outros aspectos equipara os direitos de brasileiros e portugueses (direito de igualdade). Entretanto, como observado por Magalhães, sua aplicação foi circunscrita ao território continental português e arquipélagos da Madeira e Açores, ficando as chamadas províncias ultramarinas de fora do acordo. Neste sentido observa Magalhães que “A infeliz exclusão dos brasileiros de uma equiparação aos nacionais dos territórios ultramarinos portugueses proveio de política de exclusivismo colonial teimosamente prosseguida, através dos

69 Segundo José Honório Rodrigues, o Tratado de Amizade e Consulta assinado em 16 de novembro de 1953 tinha por principais objetivos (Decreto Legislativo nº 59, de 25 de outubro de 1953) reafirmar as “afinidades espirituais, morais, étnicas e linguísticas que após mais de três séculos de história comum, continuam a ligar a Nação Brasileira à Nação Portuguesa, do que resulta uma situação especialíssima para os interêsses recíprocos dos dois povos’”. Ainda continuando, a citação elucida o alcance dos termos: “Visando reafirmar e consolidar a perfeita amizade que existia entre os dois povos irmãos, concordavam as duas partes em que de futuro se consultariam sempre sôbre os problemas internacionais de seu manifesto interêsse comum; concediam aos nacionais da outra parte tratamento especial, equiparando-os aos respectivos nacionais; no campo comercial e financeiro, levando em conta as circunstâncias do momento de cada um dos países, concediam tôdas ‘as possíveis facilidades para atender os interêsses particulares dos nacionais da outra parte’; estabeleciam a livre entrada e saída, a fixação do domicílio e o livre trânsito em Portugal e no Brasil, e comprometiam-se ‘a estudar, sempre que oportuno e necessário, os meios de desenvolver o processo, a harmonia e o prestígio da Comunidade Luso-Brasileira no Mundo’ ”. (RODRIGUES, op. cit., p. 358).

Sobre o pano de fundo do Tratado de Amizade e Consulta podemos fazer a referência a: GONÇALVES, Williams da Silva. O Realismo da Fraternidade. As Relações Brasil-Portugal no Governo Kubitschek. Tese de Doutoramento. Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Sociologia, São Paulo, 1994, p. 253- 301. Na referida tese, explicita-se a ambiguidade da relação Brasil-Portugal no governo Kubitschek, pondo em evidência a posição da Presidência da República, o Catete (note-se que a Presidência da República estava sediada no palácio do Catete no Rio de Janeiro), que começou a demonstrar uma certa simpatia pelas teses emancipacionistas das colônicas africanas; enquanto o Ministério das Relações Exteriores, o Itamarati, ou não tratava ainda da questão, ou então aproximava-se das posições externadas pela sede da embaixada de Portugal no Rio de Janeiro. Golçalves apresenta a política externa do governo Kubitschek como palco de uma “manifestação político-ideológica” entre nacionalistas e ocidentalistas, grupos não homogênios internamente, mas que de forma resumida representavam, de um lado, a voz do progresso e do desenvolvimentismo brasileiro (que passava pelo caminho de uma maior inserção do Brasil nas relações internacionais), em contrapartida à paralizia da prática do Itamarati, voltada para uma diplomacia arcaica e de “uma rotineira aplicação dos precedentes, quase sempre remontando à época de Rio Branco” (ibidem, p. 264). Está portanto desenhado aqui o conflito entre forças nacionais, que defendiam ideais como o crescimento econômico através do apoio ao Plano de Metas, e que se viam engessadas por uma diplomacia não participativa e fora do contexto internacional do momento; das mudanças a que o mundo estaria submetido com as idéias libertárias difundidas a partir da Conferência de Bandoung. A proximidade do Itamarati aos interesses da comunidade portuguesa através de seu apoio à causa colonialista representaria mais tarde um impasse no tratamento de importantes assuntos de cunho econômico, como por exemplo, a disputa do mercado internacional do café que se via ameaçado pela concorrência de Angola. Posteriormente, verifica-se que com a mudança da sede da República para Brasília (dentre outros fatores) propiciou-se um afastamento que proporcinará o arejamento do ambiente diplomático brasileiro. O Itamarati prepara-se então para dar ao Brasil um papel mais ativo na política externa, aproximando-se das correntes ideológicas contra o colonialismo apoiadas na ONU e na defesa dos interesses brasileiros. Nesse contexto, a questão africana seria importante e requereria atenção.

tempos, pelos sucessivos governos portugueses e que se manteve inalterável até a revolução de abril de 74”.70 Ou seja, claramente, os direitos dos cidadãos

portugueses, nunca chegaram a se fazer valer para aqueles das colônias. Em 1954, mais um sinal de apoio brasileiro se expressa em comunicado do Itamarati expressando a solidariedade do governo pela situação de Portugal frente à crise nas colônias do oriente (territórios do então chamado “Estado Português da Índia”).71 O apoio do Brasil na ONU relativamente a esta questão

foi sempre de solidariedade à posição de Portugal em relação a sua política do ultramar.

A continuidade desta política verifica-se em 1957, com a assinatura da regulamentação do Tratado de Amizade e Consulta de 1953, deixando muito claros os laços estabelecidos entre as duas nações: por exemplo, o artigo da declaração da colaboração conjunta em questões de política externa em que “ambos países tomam posição, de mãos dadas, na política mundial” e que se consideram “unidos na sua fidelidade aos princípios fundamentais da civilização ocidental cristãs”.

Documentos relacionados