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CAPÍTULO I CONSTRUINDO UMA FRONTEIRA

1.3 Colonização: Expansão da fronteira do capital

Após os eventos do Contestado, temos na região o advento da colonização protagonizada pelas figuras das companhias colonizadoras, que atuaram como uma espécie de “braço” particular do Estado, que naquele momento não demonstrava autossuficiência para promover o projeto de reocupação das terras por elementos estritamente selecionados pela

31 MACHADO, Paulo Pinheiro. Apresentação – Nem Fanáticos nem Jagunços: reflexões sobre o Contestado (1912-2012). In VALENTI, Delmir Jose; ESPIG, Marcia Janete; MACHADO, Paulo Pinheiro. Nem fanáticos, nem jagunços: reflexões sobre o Contestado (1912-1916). Pelotas: Ed. da Universidade Federal de Pelotas,

lógica do capital, como veremos com mais detalhes adiante. Assim, a Brasil Development e Colonization, subsidiária da Brazil Railway Company, responsável pela estrada de ferro São Paulo – Rio Grande, se responsabilizava a colonizar as terras do Oeste Catarinense num prazo de 15 anos. Porém, a responsabilidade da empresa é delegada para inúmeras outras empresas colonizadoras, que já atuam ou vão atuar em diversas áreas do Oeste.

Tabela 01 - Colonizadoras e suas áreas de atuação.

Fonte: NODARI, Eunice Sueli. Persuadir para migrar: a atuação das companhias colonizadoras. Esboços - Revista

do Programa de Pós-Graduação em História da UFSC. v.10, n.10, 2002. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/23336/21024. Acesso em: 03 ago. 2019.

A tabela 01 demonstra a variedade de companhias que atuaram no processo de colonização das terras do Oeste Catarinense. Nela, podemos notar também a diversidade étnica presente no contexto de atuação destas empresas, direcionadas para um público alvo e organizadas a partir de uma lógica de cooptação de determinado grupo. Assim, foram engendradas colônias para descendentes de alemães, italianos, poloneses, russos, enfim, diferenciados pelas suas origens étnicas e também pelo seu credo religioso, católicos, protestantes, eram separados em colônias distintas. Entretanto, apesar de estas subdivisões na atuação das companhias, o objetivo central e a filosofia empregada pelas mesmas adquiriam uma áurea de unicidade ao tratar a terra a ser explorada. A potencialidade do espaço era ressaltada e as população nele já introjetados eram relegadas ao deletério da memória, com o fim de construir ali um novo caminho, que seria abalroado entre o espanto e isolamento frente

a natureza bravia e o germe do trabalho explicito ao migrante para transformá-la em prol de uma lógica de perpetuação do capital.

O viés, de consolidação do capital da terra, tem suas bases no Brasil, em termos mais latentes, desde a criação da Lei de Terras em 1850, onde a exigência do registro em cartório para a garantia da posse da terra, criou uma imensa margem de exclusão dos iletrados, que apesar do continuo e histórico usufruto da terra em que habitavam não tiveram acesso ao registro oficial. Esse processo, também se deflagrou nas terras do oeste, consideradas então devolutas pelo governo e abertas a força colonizadora, como destaca Radin:

Aproveitando-se de tais facilidades, vários empresários da colonização passaram a controlar grande quantidade de terras devolutas, em curto espaço de tempo. Alguns dados são significativos nesse particular e ilustram a situação. Em 1921, as concessões e títulos expedidos somaram 809, referentes a uma área de 209.914 hectares. No entanto nada se compara às emissões feitas pelo governo catarinense, nos anos de 1922 e 1925. Hercílio Luz salienta que, apesar das manifestações de 1922, “emanadas principalmente da situação política, a questão envolvendo as terras devolutas foi bastante animada”. Nesse ano: “expediram-se títulos de terras, inclusive os destinados a pagamento de estradas, com a área total de 3.519.226 hectares”. Já em relação ao ano de 1925, salienta que “foram expedidos 450 títulos definitivos concernentes a área de 1.188.624 hectares.32

Denota-se, desta forma, a apropriação contínua e cada vez maior das terras por parte das companhias privadas. O avanço da fronteira privada se dá ao passo da expropriação e coação da população vigente no local.

A primeira etapa do processo de colonização consistia em angariar colonos com o objetivo de levá-los as terras do Oeste. Para isso as companhias utilizavam de meios de propagandas, levadas a cabo por agentes que circulavam entre as principais colônias no Rio Grande do Sul, pela imprensa escrita, e também pelos próprios proprietários das companhias, no caso analisaremos aqui o exemplo do Coronel Ernesto Bertaso. Como trata Bellani ao analisar as cartas do colonizador a seus futuros ou potenciais clientes:

Com relação à atividade empresarial encetada por Ernesto Francisco Bertaso, na região estudada, avista-se, nas suas correspondências, aos futuros compradores de terra, a propaganda que fazia, analisando sempre as condições e qualidade das terras desta região para o desenvolvimento de culturas e, principalmente, sempre descrevendo as portentosas riquezas dos recursos naturais nelas existentes.33

32 RADIN, José Carlos. Companhias colonizadoras em Cruzeiro: representações sobre a civilização do sertão.

2006. 210 p. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Santa Catarina Programa de Pós-Graduação em História. Florianópolis. p. 89.

33 BELLANI, Eli Maria. Madeira, balsas e balseiros no rio Uruguai o processo de colonização do velho município de Chapeco (1917/1950). 1991. 190 p. Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Santa

Figura 03 - Exploração de madeira em Chapecó, década de 1940.

Fonte: Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina.

A potencialidade da terra, ressaltada pela propaganda das companhias, vai ao encontro da dominação e exploração potencial dos recursos apresentados na terra. Deste modo, a extração e beneficiamento madeireiro se configuraria como mote inicial no processo de domínio do meio natural. Para abrir estradas, construir, plantar, vender e lucrar, era necessário desmatar, assim ante ao empecilho da inóspita selva, sua transfiguração passaria para elemento base da gênese industrial na nova terra. O capital, desse modo, além de selecionar o elemento étnico, responsável por sua expansão, visaria o meio natural como motriz de seu arquétipo.

A atuação das companhias colonizadoras, para além do domínio do meio natural, buscou moldar uma organização social pautada em valores próprios que congregassem a descendência do elemento prioritário para a empreitada da colonização, o que estabeleceu entre eles um vínculo de organização e emoldurou novos preceitos sociais, como tratam Radin e Corazza:

Embora movido por fins mercantis, o processo de colonização, ao introduzir a pequena propriedade familiar, ajudou a criar um profundo sentimento comunitário e religioso. Numa região em que a presença do Estado pouco ou quase não existia, “o caráter coletivo e comunitário da colonização do Oeste de Santa Catarina foi condição necessária para a reprodução da família camponesa”. Os valores que balizaram a organização da vida comunitária e individual dos colonizadores promoveram uma mudança bastante acelerada na sociedade e, em certa medida, condicionaram a população local a adaptar-se ao novo sistema de propriedade e de trabalho ou a ficar marginalizada. A adaptação significava a desestruturação do modo de vida anterior à colonização. Com a reocupação progressiva das terras, que eram posses dos caboclos/nativos, estas passaram a ser verdadeiros deserdados da terra, além de terem sido destruídas suas tradicionais condições de vida.34

34 RADIN, José Carlos. CORAZZA, Gentil. Dicionário histórico-social do Oeste catarinense. Chapecó: Ed.

A pequena propriedade, a vida camponesa, os grupos de proximidade étnica, religiosa e de costumes, fizeram do processo de colonização, encetado por tais companhias, a expansão de uma fronteira do patriarcado, onde a figura masculina tange uma posição de destaque frente a família, outra instituição perpetuada e de preceitos invioláveis para os elementos migrados, da moral, impregnada de valores cristãos e neste caso destaca-se a visão protestante, onde a remissão pelo trabalho é valor inestimável, e das práticas de sociabilidade, que buscavam nos laços da tradição um ancoradouro para uma vida em uma região, considerada por eles bravia, inóspita.