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CAPÍTULO 4: EXPANDIR, DOMINAR E LEGISLAR: A EXPANSÃO DA

4.2 Colonização do Mucuri: a elite de Minas Novas e a expansão da fronteira agrícola

Segundo Ribeiro, “a história do Mucuri costuma ser resumida a um acontecimento: a aventura de Teófilo Benedito Ottoni, atilado negociante e político que nos anos de 1850 levou para as matas um empreendimento comercial de grandes dimensões”.398 Porém, Regina Horta já demonstrou como a colonização da região, que

remonta aos fins do século XVIII, teria sido muito mais ampla e complexa, contando com várias tentativas frustradas de outros colonizadores.399 Para Ribeiro, esses

aventureiros que adentravam as terras do Mucuri eram “herdeiros deserdados” de Minas Novas que buscavam “lavras, terras férteis para lavouras e índios para serem preados”.400 Segundo o pesquisador os deserdados da terra eram pessoas de poucos

bens, filhos de camponeses que para manter a estabilidade econômica e demográfica do meio rural, não podiam herdar e permanecer na terra. A mata do Mucuri oferecia para

397 Cf. os RPT números 619, 620 e 621 do Livro 2, Freguesia de São Pedro do Fanado, de 18-04-1856. 398 RIBEIRO, Eduardo Magalhães. Estradas da vida: terra e trabalho nas fronteiras agrícolas do

Jequitinhonha e Mucuri, Minas Gerais. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2013, p. 13.

399 DUARTE, Regina Horta. Notícia sobre os selvagens do Mucuri. Belo Horizonte: Editora UFMG,

2002, p. 16.

155 estas pessoas “oportunidades promissoras de ocupação, produção e melhoria de vida, maiores que aquelas que poderiam encontrar nas grotas e chapadas de Minas Novas”.401

Entretanto, observou-se, neste estudo, que sobretudo, no início do século XIX, na freguesia de São Pedro do Fanado de Minas Novas, a existência de um grupo coeso de grandes fazendeiros locais que ambicionavam a colonização do Mucuri. Foram esses os fazendeiros analisados e descritos neste capítulo. Para isso, as seguintes perguntas direcionaram esta investigação: quem eram esses homens? Quais eram os seus interesses em alargar as fronteiras da freguesia de São Pedro do Fanado de Minas Novas? Quais as atividades desempenhadas por eles? Que tipo de mão de obra utilizavam em suas atividades? Para responder a esses questionamentos, procedeu-se ao estudo de três famílias fazendeiras que, desde a primeira metade do século XIX, estavam imbuídas do propósito de explorar o Mucuri e colonizar os nativos da região. Essas famílias eram chefiadas por Francisco Ferreira Coelho, Antônio José da Costa e Antônio José Coelho.

Para construir a análise, foi utilizada a documentação produzida pela Câmara de Minas Novas, como ofícios enviados ao governo provincial, requerimentos dos proprietários de terra à Câmara de Minas Novas, relatórios de presidente de província, relatório produzido por Victor Renault, engenheiro que percorreu o Mucuri em 1837, relatos de Teófilo Ottoni sobre o Mucuri e região, além de inventários post mortem de Francisco Ferreira Coelho, Antônio José da Costa e Antônio José Coelho. Ao lado da documentação citada, utilizou-se o mapa da Província de Minas Gerais, de autoria de João José da Silva Teodoro, datado de 1847.

O inventário do tenente Francisco Ferreira Coelho402 mostra elementos que esclarecem os anseios da elite local por novas terras na freguesia de São Pedro do Fanado de Minas Novas. Ao falecer, em 1851, Francisco Coelho deixou 13 filhos com idade entre 46 anos e 28 anos. Com um monte mor no valor de 7:846$942 (Sete contos e oitocentos e quarenta e seis mil e novecentos e quarenta e dois réis), o mobiliário da casa do tenente Coelho era modesto, exceto pela presença de sete pares de colheres de prata e quatro imagens. Os demais elementos encontrados em seu domicílio eram triviais nas residências da freguesia: catres encourados, mesas com gavetas, “preguiceira” de sala, candeeiro de latão e banco.

401 RIBEIRO, 2013, p. 54.

156 Entre os seus bens de raiz, foram descritas umas terras no sítio do Pacheco, compradas por 10$000 (Dez mil réis), além do sítio onde residia o casal, formado por terras de cultura, com extensão de 180 alqueires, contendo casas de morar e engenho de moer cana, avaliados em 2:000$000 (Dois contos de réis). Além do cultivo de bananas, mamona e algodão, Francisco Ferreira Coelho também se ocupava do fabrico de aguardente, rapadura e açúcar. Entre os instrumentos utilizados nas fazendas, foram arrolados um engenho de moer cana, garrafões, bacias de arame, tachos de cobre, baús de cobre de forno, almofariz de bronze, caixas encouradas, serra braçal e um moinho.

O rebanho bovino e cavalar de Francisco Ferreira Coelho era modesto, quando comparado com o rebanho de seu vizinho Antônio José da Costa. Francisco Coelho possuía dois cavalos, uma égua, um boi de carro e arreios – três cangas e três cangalhas. As ferramentas usadas em suas terras eram fabricadas dentro de suas propriedades, na tenda de ferreiro, declarada em seu inventário. Além da agricultura e da criação de carneiros, o tenente Francisco Ferreira Coelho complementava sua economia com a prática da mineração, o que é atestado pela descrição de uma balança de pesar ouro e um prato de estanho, entre seus bens. As diferentes atividades por ele desenvolvidas tinham como base a mão de obra de dezessete escravos. Desejava ampliar a produção agrícola, razão de sua demanda por terras virgens, onde pudesse cultivar algodão e mamona. Isso justifica o seu conflito pela posse das terras em Alto dos Bois.

O seu oponente no conflito pelas terras em Alto dos Bois, Antônio José da Costa, pode ser considerado um dos expoentes dos grandes proprietários de escravos e de terras do termo de Minas Novas. O guarda-mor Antônio José da Costa era português, nascido em São Pedro Xavier, filho legítimo de José Alves da Costa e Maria da Costa; casou-se com Ana Ferreira de Figueiredo, com quem teve três filhos - Silvério José da Costa, Ponciano José da Costa e Plácido José da Costa. Em Minas Novas, sua família dedicava-se à agricultura, pecuária, mineração e ao comércio. Nessas atividades, empregava setenta escravos: trinta e dois com idade entre 0 e 14 anos; 20 com idade entre 15 e 44 anos; e outros dezoito escravos com mais de 44 anos.403

Os produtos agrícolas encontrados nas propriedades de Antônio José da Costa consistiam em três arrobas de algodão em caroço, duzentos e doze barris de aguardente, cem arrobas de açúcar, cento e quarenta alqueires de milho, três arrobas de algodão puro, um mandiocal, um cafezal e um canavial. Seu rebanho era composto de vinte e

157 três cabeças de equinos, trezentos e quarenta cabeças de gado vacum, destinadas à venda e ao consumo interno das propriedades – conforme informou o herdeiro Ponciano José da Costa –, e de capados destinados ao comércio.404

A família de José da Costa teve participação ativa na vida pública na freguesia de São Pedro do Fanado de Minas Novas. O próprio guarda-mor, além de ser membro da Companhia de Caçadores de Montanha do rio Jequitinhonha405, foi também juiz de paz em Minas Novas em 1837.406 Plácido José da Costa – o filho mais velho de Antônio José da Costa – era coronel da Companhia de Pedestre do rio Jequitinhonha; assumiu o posto de chefe de estado maior da guarda nacional do município de Minas Novas em setembro de 1850,407 foi nomeado juiz de paz da Vila de Minas Novas, em 1834; ocupou o cargo de juiz municipal do termo de Minas Novas, em 1838; foi primeiro substituto de juiz municipal em 1850;408 tenho sido, também, vereador em Minas

Novas, de 1853 a 1856.409

Já o coronel Silvério José da Costa foi presidente da Câmara de vereadores de Minas Novas em 1834 e de 1837-1840410; suplente de delegado de educação primária

em 1835 e 1843;411 2º substituto de juiz municipal e de órfãos em 1843;412 substituto de juiz municipal em 1847;413 delegado de polícia em 1848;414 e vereador no período de

404 Ver relação dos bens que estavam em poder do herdeiro Silvério José da Costa. In: FMN. Inventário

do guarda-mor Antônio José da Costa, maço sem numeração, 1842.

405 Segundo Andrade, as divisões militares, criadas no início do século XIX, em 1839 foram substituídas

por companhias de caçadores de montanha. A 7ª Divisão Militar do Jequitinhonha uniu-se à 5ª Divisão que atuava nos rios Doce e Mucuri, formando a 2ª Companhia de Caçadores de Montanha. Em 1845 esta instituição foi substituída pela Companhia de Pedestres. Ver: ANDRADE, Bruno Mateus Pereira. O

Sertão do Jequitinhonha: demografia e família nas matas de São Miguel do Jequitinhonha (1889-1911).

Monografia. Curso de História. Mariana: Universidade Federal de Ouro Preto, p. 22-23.

406 APM. SP; PP1-33, caixa 133, documento n. 21, de 07 de janeiro de 1837.

407 Mapa da relação nominal dos comandantes superiores, chefes de estado maior e comandantes dos

corpos da Guarda Nacional da província de Minas Gerais, nomeados em virtude da lei 602, de 19 de setembro de 1850. In: Relatório apresentado ao presidente da província de Minas Gerais, Francisco Diogo Ferreira de Vasconcelos, pelo seu antecessor José Lopes da Silva Vianna, Ouro Preto, 1853.

408 Mapa da relação dos substitutos dos juízes municipais da província de Minas Gerais, com declaração

das datas em que foram nomeados. In: Relatório apresentado ao presidente da província de Minas Gerais, Francisco Diogo Ferreira de Vasconcelos, pelo seu antecessor José Lopes da Silva Vianna, Ouro Preto, 1853.

409 APM. SP, PP1-33, caixa 130, documento n. 40 de 12 de julho de 1834; SP, PP1-33, Caixa 134 de 29

de março de 1838; SP, PP1-33; caixa 141, documento n 49 de 04 de junho de 1850. Sobre a participação do major Plácido José da Costa ver quadro de vereadores em Anexo.

410 Silvério José da Costa. Documento 1. In: ARAÚJO, Valdei Lopes (org.) Teófilo Ottoni e a Companhia

do Mucuri: a modernidade possível. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Cultura; Arquivo Público

Mineiro, 2007, p. 23.

411 APM. SP, PP1-33; caixa 131, documento n. 41 de 13 de julho de 1835 e SP, PP1-33, Caixa 137,

documento n. 43 de 05 de agosto de 1843.

412 APM. SP, PP1-33, caixa 137, documento n. 55 de 19 de outubro de 1843. 413 APM. SP, PP1-33; caixa 140, documento n. 26 de 29 de janeiro de 1847. 414 APM. SP, PP1-33; caixa 141, documento n. 20 de 20 de dezembro de 1848.

158 1845 a 1848.415 Essas inserções na vida pública, especialmente os cargos de vereadores, possibilitaram à família dos José da Costa uma atuação efetiva na política de expansão da fronteira da freguesia de São Pedro do Fanado de Minas Novas em direção às matas do Mucuri.

O interesse em colonizar o Mucuri esteve interligado ao projeto do governo imperial e provincial em explorar o transporte fluvial de Minas Gerais. As autoridades governamentais entendiam que a navegação dos diferentes rios da província reduziria o valor dos fretes e diminuiria o tempo gasto no transporte de passageiros e cargas até os portos do litoral. Colonizar o índio, povoar o território banhado pelos rios Doce, São Francisco, Jequitinhonha, Mucuri e promover a navegação dos citados rios eram objetivos que compunham o projeto de navegação fluvial da Província de Minas Gerais. Saint-Hilaire, por ocasião de sua passagem por Minas Novas, sugeriu que a navegação do rio Doce promoveria grande benefício para os produtores de algodão do termo. De acordo com ele, o algodão poderia ser transportado passando por Peçanha até o rio Suaçuí, daí chegaria ao rio Doce e finalmente ao litoral.416

Em 1837, Antônio da Costa Pinto reforçava a necessidade de se realizar estudo técnico sobre o rio Jequitinhonha, com vistas à promoção de sua navegação.417 Essa temática esteve presente nos assuntos do governo nos anos seguintes. Em 1843, o então presidente da província Francisco José de Souza Soares d'Andréa argumentava que o Jequitinhonha tinha potencial de navegabilidade maior que o do rio Doce. D’Andrea defendia que era necessário realizar uma parceria entre o governo da Província de Minas Gerais e o da Província da Bahia; e com auxílio do Governo Geral criar uma companhia de navegação do Jequitinhonha. Segundo Andréa, em relação ao rio Doce, o Jequitinhonha tinha a vantagem de “entrar no mar por um porto muito frequentado, tornando marítimo muitos lugares do interior desta Província [Minas Gerais]”.418 Em 1844, Andréa reforçou seu discurso sobre a importância de se promover a navegação do Jequitinhonha e potencializar o transporte de cargas e pessoas que se praticava entre Minas Gerais e Bahia, via navegação.419 Paralelo às discussões sobre a navegação do rio

415 A participação do coronel Silvério José da Costa consta no quadro de vereadores em Anexo. 416 SAINT-HILAIRE, 2000, p. 178.

417 PINTO, Antônio da Costa. Fala dirigida à Assembleia Legislativa Provincial de Minas Gerais na

sessão ordinária do ano de 1837. Ouro Preto: Tipografia Universal, 1837, p. 40.

418 D’ANDREA, Francisco José de Souza Soares. Fala dirigida à Assembleia Legislativa Provincial de

Minas Gerais na abertura da sessão ordinária do ano de 1843. Ouro Preto: Typ. Do Correio de Minas,

1843, p. 38.

159 Jequitinhonha, havia as solicitações dos fazendeiros e da Câmara dos Vereadores de Minas Novas pela exploração do rio Mucuri.

Em outubro de 1834, o presidente da província enviou à Câmara de Minas Novas um ofício em que solicitava informações sobre a melhor localidade no município, para se construir um degredo para criminosos da província.420 Informava-se ainda que, através da secretaria de estado, já estavam disponíveis cinquenta contos de réis para tal obra.421 O intuito do governo, de acordo com o discurso do governador Antônio da Costa Pinto, era construir um degredo em que os presos, sob a vigilância militar, pudessem se dedicar à agricultura.422

Através de ofícios, a Câmara encaminhou a solicitação do governo provincial aos fazendeiros de Minas Novas, para que pudessem se manifestar sobre tal solicitação. Estrategicamente, os fazendeiros escolhidos pela Câmara dos vereadores de Minas Novas para emitirem o parecer ao governo provincial foram unânimes em apontar a mata que circundava o rio Mucuri como o melhor local para a construção do degredo. A expectativa dos fazendeiros locais era a de que os militares utilizados na vigilância dos prisioneiros pudessem conter também a ação dos nativos que, de acordo com os relatos enviados à Câmara de Minas Novas, atacavam os exploradores que adentravam o Mucuri. Alguns daqueles fazendeiros já exploravam terras contíguas às matas do Mucuri. Entre esses proprietários, estão a família de Antônio José da Costa, que, como discutido, desde 1821, explorava e cultivava as matas que davam acesso ao rio Mucuri. Ao lado de outros fazendeiros como Joaquim José dos Santos Passos, Marcelo Pereira Guedes, Honório Esteves Ottoni, Manoel Soares Falcão, Manoel Lemos Soares, Quintiliano Lemos Soares, Francisco Fernandes dos Santos, Ignácio José Coelho, Luiz Rodrigues Saldanha, Casimiro Nunes de Moraes, Manoel de Almeida Pacheco e João Fernandes Pires, a família dos José da Costa e Antônio Coelho se manifestaram em prol da construção do degredo nas matas do Mucuri.423

420 APM. SP, PP1-33, caixa 130, documento n. 56 de 20 de outubro de 1834.

421 Silvério José da Costa. Documento 1. In: ARAÚJO, Valdei Lopes (Org.) Teófilo Ottoni e a

Companhia do Mucuri: a modernidade possível. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Cultura;

Arquivo Púbico Mineiro, 2007, p. 23.

422 PINTO, Antônio da Costa. Fala dirigida à Assembleia Legislativa Provincial de Minas Gerais na

sessão ordinária do ano de 1837. Ouro Preto: Tipografia Universal, 1837, p. XXIII-XXIV.

423 Silvério José da Costa. Documento 1; Francisco Teixeira Guedes. Documento 2; Joaquim José dos

Santos Passos; Marcelo Pereira Guedes, Honório Esteves Ottoni, Manoel Soares Falcão, Manoel Lemos Soares, Francisco Lemos Soares, Quintiliano Lemos Soares, Francisco Fernandes dos Santos, Inácio José Coelho, Luiz Rodrigues Saldanha, Casimiro Nunes de Moraes, Manoel de Almeida Pacheco e João Fernandes Pires. Documento 3; João Alves de Araújo. Documento 4. In: ARAÚJO, Valdei Lopes (Org.)

160 De acordo com Silvério José da Costa, sua fazenda situava-se nas cabeceiras do rio Setúbal e estava distante cinco léguas das cabeceiras do rio Mucuri. Silvério informava que as matas do Mucuri eram abundantes em “excelentes terras de cultura e próprias para a criação de gado vacum e cavalar, pelas suas boas qualidades de pastagem”.424 Além disso, Silvério mencionava existirem ali muitas pedras preciosas e, possivelmente, ouro. O único empecilho para a extração e exploração dessas riquezas eram os índios, que, segundo Silvério, “tem privado a todos de explorarem com mais frequência os haveres daquelas matas para extraírem as pedras preciosas e ouro, e que incomodam com suas correrias aos moradores e fazendeiros vizinhos”.425.

Silvério José da Costa tinha a expectativa de que o governo provincial, através da criação do degredo e colônia no Mucuri, promoveria a colonização dos nativos que habitavam aquelas terras, o que se pode constatar por um trecho de sua missiva, encaminhada ao governo provincial:

[...] e se o Exmo. Governo da Província permitir que ali no Mucuri, principalmente entre o dito rio e o de Todos os Santos, se crie a colônia e se forme o degredo, certamente se domesticarão com muita facilidade imensa quantidade de índios que vivem ainda independentes naquelas matas que correm entre os ditos rios.426

Seguindo a mesma tônica do discurso acima mencionado, Antônio José Coelho descreveu as terras que margeavam o Mucuri como as melhores possíveis para cultura e criação, com abundância de água de diferentes córregos e rios. Informou ainda que, além de todas essas benesses naturais, havia ali muitas pedras preciosas e a possibilidade de existir ouro.427 Para Antônio Coelho, o degredo deveria ser construído entre o rio Todos os Santos e o Mucuri, e afirmava que tal estabelecimento promoveria a “elevação do município de Minas Novas”. Nessa mesma linha de enaltecimento da fertilidade das terras do Mucuri e abundância de suas águas, seguiram as informações dos demais fazendeiros.

Ao escolher fazendeiros que tinham interesse em explorar aquelas matas, a Câmara construiu um discurso homogêneo, que legitimava o direcionamento da

424 Silvério José da Costa. Documento 1. In: ARAÚJO, Valdei Lopes (org.) Teófilo Ottoni e a Companhia

do Mucuri: a modernidade possível. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Cultura; Arquivo Púbico

Mineiro, 2007, p. 23.

425 Idem, p. 23. 426 Idem, p. 24.

161 construção do degredo no Mucuri, o que facilitaria a inserção dos fazendeiros na colonização daquelas terras.

Ao analisar a questão indígena, no século XIX, Manuela Carneiro da Cunha defende a hipótese de que, no Império, o interesse pelo índio “deixou de ser essencialmente uma questão de mão de obra para se tornar uma questão de terras”.428

Acresce que, nas frentes de expansão ou nas rotas fluviais, a mão de obra indígena era amplamente utilizada pelos colonizadores. Todavia, era a conquista territorial e a questão da segurança dos colonos e das rotas fluviais que direcionavam o processo da conquista.429 A análise feita neste estudo confirma essa hipótese de Carneiro.430 A elite de Minas Novas, ambiciosa por novas terras, demandava ao governo provincial apoio estrutural e militar para a dominação daqueles territórios, até então de domínio indígena, o que, na concepção local, só poderia ser feito por meio da sua civilização e seu amansamento.431 Nesse sentido, um trecho do ofício de Silvério José da Costa é

exemplar. De acordo com ele, no início daquele ano (1834), sucedeu que os índios mataram quatorze potros de sua fazenda. Em vez de responder à ação dos índios com violência, ele resolveu recepcioná-los e alimentá-los, conquistando, dessa forma, a lealdade e a amizade dos indígenas. De acordo com Silvério, foram recepcionados em sua fazenda “um número de mais de cinquenta, entre homens, mulheres e meninos, aos quais afaguei, dando roupa e gêneros comestíveis de minha lavoura, e eles se mostraram agradecidos e nenhum dano mais me fizeram até o presente”. Através de um contato amistoso, Silvério José da Costa procurava dominar os indígenas e atraí-los como mão de obra. Na Lista nominativa de 1831-1832, Silvério José da Costa informou que em

428 CUNHA, Manoela Carneiro da. Introdução à uma história indígena. In: CUNHA, Manoela Carneiro da

(Org.) História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras: Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP, 1992, p. 16.

429 CUNHA, Manoela Carneiro da. Política Indigenista no século XIX In: CUNHA, Manoela Carneiro da