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CAPÍTULO 4: EXPANDIR, DOMINAR E LEGISLAR: A EXPANSÃO DA

4.4 A expansão da fronteira agrícola na freguesia de São Pedro do Fanado de Minas

No século XIX, o termo de Minas Novas foi cenário de duas frentes de exploração agrícola e de construção de vias de transporte que tinham como objetivo interligar a província de Minas Gerais ao litoral baiano. A proposta de criação da província de Minas Novas ocorre, portanto, em um momento de delineamento e disputas de projeto do que se queria como Estado Nacional para o Brasil. Ao se contrapor à perspectiva historiográfica defensora de que a Independência e a construção do Estado Nacional foi uma imposição para as elites regionais, Miriam Dolhnikoff argumenta que a “unidade e a construção do Estado foram possíveis não pela ação de uma elite bem formada, articulada ao governo central, mas graças a um arranjo institucional que foi resultado dos embates e negociações entre as várias elites regionais que deveriam integrar a nova nação”475. Segundo a autora, para se entender o Estado

brasileiro, faz-se mister analisar não apenas a elite central e a sua anuência ao discurso formulado por tal elite. É fundamental que se problematizem, também, as complexas relações entre o centro e as demais regiões. Isto porque “as elites regionais constituíram- se também como elite política”476 e seu desejo de autonomia estava imerso em um Ottoni e a Companhia do Mucuri: a modernidade possível. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de

Cultura; Arquivo Púbico Mineiro, 2007.

474 OTTONI, Teófilo Benedito. Relatório apresentado aos acionistas da Companhia do Mucuri por

Teófilo Benedito Ottoni em 15 de maio de 1860, p. 32. In: ARAÚJO, Valdei Lopes (org.) Teófilo Ottoni e

a Companhia do Mucuri: a modernidade possível. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Cultura;

Arquivo Púbico Mineiro, 2007.

475 DOLHNIKOFF, Miriam. Elites Regionais e a construção do Estado Nacional. In: JANCSÓ, István

(org). Brasil: formação do Estado e da Nação. São Paulo: Hucitec; Ed. Unijuí; Fapesp, 2003, p. 432.

175 arranjo nacional. Para a autora, o projeto de autonomia provincial foi possível por meio do pacto federalista selado nas reformas liberais de 1830 e mantidas com a revisão conservadora. Nesse pacto, as várias partes do território foram articuladas, mantendo a autonomia de cada uma delas, sob a direção do governo central. Dolhnikoff defende a revisão conservadora da década de 1840 que, apesar de ter feito modificações em alguns elementos da autonomia proporcionada pelas reformas liberais de 1830, não constituiu o fim da mencionada autonomia477. Isto porque [...]

[...] tanto conservadores como liberais defendiam modelos cujas diferenças não impediam a existência de pontos comuns, entre eles a defesa de que o centro deveria estar aparelhado para promover a articulação do todo, e ao mesmo tempo, deveria conviver com a autonomia das partes, de forma que integrasse ao estado os grupos nelas dominantes478

A autonomia regional seria um antídoto para as rebeliões separatistas, pois poderiam atingir distantes localidades, comprometendo-as com a construção do Estado Nacional. Miriam Dolhnikoff admite que a manutenção da unidade territorial pós 1830 decorreu do convívio da autonomia com o centro, assumindo, dessa maneira, características federalistas479. Conforme argumenta Martins, os primeiros anos de inauguração do Estado Nacional foi marcado por uma assimetria entre as províncias, situação oriunda das “diferenças em tamanho, população, riqueza e reforçada pelos critérios que definiram o número de representantes de cada província na Câmara”480. Isso possibilitava às províncias de maior representação mais articulação na defesa de seus interesses. Para Castro, a década de 1840 foi marcada por discursos no Parlamento em que se debatia uma nova divisão territorial. Entretanto, “não se ousava propor reformas demasiadamente arrojadas, por medo de se alterar ainda mais os ânimos das elites provinciais”481. Em Minas Gerais, as discussões sobre a provincialização, ou seja,

criação de novas províncias, segundo Castro, “estavam relacionadas muito mais as conveniências administrativas e disputas parlamentares do que a interesses de ordem

477 DOLHNIKOFF, 2003, p. 433. 478 Idem, p. 433.

479 Idem, p. 33.

480 MARTINS, Herbert Toledo. Formação e fragmentação do Estado nacional brasileiro no período

imperial: a criação da província do Paraná. Acta Sci. Human Soc. Sci. Maringá, v. 30, n. 1, 2008, p. 10.

481 CASTRO, Pérola Maria Goldefer Borges de. Minas do Sul: espaço e política no século XIX. Jundiaí,

176 militar sobre a integridade territorial do Império”482. Desde a revolta liberal de 1842,

existia uma desconfiança em relação à estabilidade política de Minas Gerais, o que levou muitos deputados a proporem a revisão dos limites de Minas, seja “emancipando algumas de suas regiões ou as anexando a outras unidades administrativas”483. Essas

discussões estiveram presentes nos debates da quinta legislatura (1842-1844), pautada por discussões concernentes ao arranjo administrativo do Império. “Muito se discutiu, porém, poucos projetos foram concretizados, dada a interrupção dos trabalhos parlamentares pela ascensão de membros do partido de oposição ao poder”484, o quinquênio liberal de 1844-1848.

Na década de 50, a organização do território brasileiro sofreu alterações com a criação da Província de Amazonas (1850) e de Curitiba (1853). Os debates acerca da reconfiguração do território mineiro retornaram aos debates parlamentares. Ana Paula Ribeiro Freitas afirma que a bancada mineira que compunha a nona legislatura (1853- 1856) “precisou enfrentar as representações de diversas freguesias mineiras que “sinalizavam para um descontentamento das diversas elites locais em relação ao pertencimento a uma província tão extensa”485. A autora analisa a influência dos debates

da criação da província do Amazonas e de Curitiba sobre as câmaras municipais de Campanha, Pouso Alegre, Lavras, Baependi, Cristina, Itajubá, Três Pontas, Jacuí e Passos. Essas câmaras enviaram à assembleia provincial representações para a criação da província de Minas d’Entre Rios, dando origem ao movimento chamado de Diretório de Campanha, em 1854, em prol da criação da nova província 486.

Nesse clima de discussões sobre a reorganização do território mineiro, o norte de Minas Gerais buscou no Parlamento maior controle legislativo sobre a área de colonização que se alargava, às margens dos rios Mucuri e Jequitinhonha, apresentando o projeto de criação da província de Minas Novas em 1856. Há de se considerar que essas discussões sobre a autonomia legislativa de partes da província de Minas Gerais ocorreram no período que ficou conhecido como gabinete de conciliação (1853-1857), presidido pelo marquês de Paraná, em que se debateu e aprovou a reforma eleitoral de 1855, a qual visava modificar o sistema eleitoral, estabelecendo o voto distrital, “com a

482 CASTRO, 2016, p. 83. 483 Idem, p. 84.

484 Idem, p. 81.

485 FREITAS, Ana Paula Ribeiro. Minas e a Política Imperial: reformas eleitorais e representação política

no Parlamento brasileiro (1853-1863). Tese apresentada ao programa de Pós-Graduação em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2015, p. 104.

177 divisão da província em pequenos círculos eleitorais que elegeria um deputado, cada um deles”487. O intuito era aumentar o poder local, em face dos grupos políticos provinciais.

Para isso, ficou “vedada a eleição das autoridades capazes de desviar o eleitor de sua livre escolha”488, como os presidentes de província e seus secretários, os comandantes de armas, generais, os inspetores de fazenda geral e provincial, os chefes de polícia, os delegados e subdelegados, os juízes de direito e municipais489. Portanto, entende-se, neste trabalho, que a discussão acerca dos entraves para melhor representação local e de atendimento aos interesses locais motivou também as elites locais a demandarem maior espaço no jogo político imperial, a fim de defenderem seus interesses, o que se materializou em projetos de provincialização, inclusive, o de criação da província de Minas Novas. Há de se mencionar que especialmente o termo de Minas Novas vivenciava nesse período uma expectativa de crescimento econômico para a região.

A Companhia de Comércio e Navegação do Mucuri, sob direção de Teófilo Ottoni, atuava na região leste do termo de Minas Novas, promovendo a navegação do rio Mucuri, construindo estradas carroçáveis com o intuito de ligar o litoral baiano às comarcas do norte de Minas pelo vale do Mucuri. Já na parte nordeste do termo de Minas Novas, o governo da província da Bahia apostava na exploração do rio Jequitinhonha, com obras de limpeza e de construção de canais e estradas às margens do Jequitinhonha, principiando na foz do rio, em território baiano, e adentrando o seu leito atingindo também o território mineiro banhado pelas águas do Jequitinhonha.

Na primeira metade do século XIX, O rio Jequitinhonha já era explorado por comerciantes baianos e mineiros do termo de Minas Novas que transitavam pelo seu leito, utilizando canoas. Entretanto, em várias partes do rio Jequitinhonha, havia cachoeiras que impossibilitavam a navegação, obrigando os canoeiros a retirarem as mercadorias transportadas da canoa e transportá-las por terra até alcançarem novamente o trecho navegável do rio. Eliminar esse tipo de problema e potencializar a navegabilidade do Jequitinhonha era pauta dos discursos dos presidentes de província de Minas Gerais. Em 1837, Antônio da Costa Pinto chamava atenção da Assembleia Legislativa Provincial para a necessidade de um estudo técnico do rio Jequitinhonha.

487 FREITAS, 2015, p. 25.

488 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro.5. ed. São Paulo:

Globo, 2012, p. 425.

178 Em 1843, Francisco José de Souza d’Andréa, então presidente da província de Minas Gerais, classificou o Jequitinhonha como detentor de “um manancial de imensas riquezas”, merecedor de investimentos governamentais490. Ele propunha uma

cooperação entre as províncias de Minas Gerais e da Bahia e do Governo Geral para a organização de uma Companhia de Navegação do rio Jequitinhonha. A proposta de D’Andrea era que, inicialmente, a Companhia deveria ser financiada com recursos públicos e no decorrer do tempo suas ações seriam vendidas e particulares assumiriam a direção dos trabalhos da empresa491. D’Andrea sugeria ainda que a sede da Companhia de Navegação do Jequitinhonha fosse situada nos limites das províncias de Minas Gerais e Bahia492, simbolizando a parceria de ambos os governos na exploração do Jequitinhonha.

D’Andrea tentava convencer os deputados mineiros de que os benefícios econômicos de tornar o Jequitinhonha navegável seriam maiores que aqueles propiciados com a navegação do rio Doce, pois o Jequitinhonha teria a vantagem de “entrar no mar por um porto muito frequentado, tornando marítimos muitos lugares do interior desta Província [Minas Gerais]”493. Para fundamentar sua argumentação, D’Andrea defendia que o Jequitinhonha já apresentava um incipiente transporte fluvial, sendo [...]

[...] navegado desde S. Miguel até Belmonte por mais de 60 canoas de 130 arrobas, tendo por único obstáculo de S. Miguel para baixo a cachoeira do Salto Grande, que se evita com um varadouro de quarto de légua, e recebendo-se anualmente em S. Miguel, e daí para cima até o porto do Calhau, uns doze mil alqueires de sal e outros gêneros; [no rio Jequitinhonha] desce algodão, couro, gado, toucinho e mais gêneros em troca dos importados; o que tudo quer dizer mui claramente que a sua navegação é muito interessante, e não é impossível. 494

Apesar de haver a defesa de D’Andrea, não houve nenhuma intervenção governamental no sentido de materializar a Companhia de Navegação do Jequitinhonha por parte da província de Minas Gerais. A partir de 1847, a discussão do governo

490 D’ANDREA, Francisco José de Souza Soares. Fala dirigida à Assembleia Legislativa Provincial de

Minas Gerais na abertura da sessão ordinária do ano de 1843. Ouro Preto: Typ. Do Correio de Minas,

1843, p. 37.

491 D’ANDREA, 1843, p. 37. 492 Idem, p. 38.

493 Idem, p. 38. 494 Idem, p. 45-46.

179 provincial sobre a navegação fluvial no nordeste da província passou a ter como tema central a navegação do rio Mucuri.

O projeto de navegação do Jequitinhonha ficou abandonado por cerca de três anos, quando voltou a ser objeto de debate governamental, por ocasião dos laudos técnicos do engenheiro João José da Silva Teodoro, designado pelo governo mineiro para fazer uma análise dos trabalhos realizados pela Companhia de Comércio e Navegação do Mucuri. Teodoro percorreu o interior do termo de Minas Novas, visitou as estradas em construção que ligavam Minas Novas ao porto de Santa Clara, sob responsabilidade da Companhia do Mucuri, bem como examinou as dificuldades e vantagens da navegação do Mucuri. O parecer emitido por Teodoro foi negativo em relação aos benefícios e lucros que o governo mineiro esperava angariar com a navegação e comércio do Mucuri, pois, segundo o engenheiro, o rio Mucuri possuía muitos rochedos, cachoeiras e um volume de água muito baixo, que poderia “ser comparado quando muito com a metade das [águas] do rio Jequitinhonha”. Além disso, Teodoro apontava que o Mucuri continha muitas cachoeiras e correntezas rápidas, obrigando constante descarga das canoas e transporte de mercadorias por terra495. O enaltecimento das águas do Jequitinhonha em relação às águas do Mucuri surtiu efeito no governo da província da Bahia que resgatou o antigo projeto do governo mineiro de melhorar e potencializar a navegação do Jequitinhonha.

Francisco Gonçalves Martins, então presidente da província da Bahia, em fala na Assembleia Provincial da Bahia, em 1852, apontou para a necessidade de se promover a navegação a vapor do Jequitinhonha e do rio Pardo e através desses rios integrar o comércio dos sertão e litoral baianos com o nordeste da província de Minas Gerais. Para cuidar de tal projeto, Martins designou o engenheiro Inocêncio Vellozo Pederneiras como responsável pela execução das obras de melhoria da navegação do Jequitinhonha. O projeto de navegabilidade do Jequitinhonha contemplava também a realização de aldeamentos dos indígenas habitantes nas margens do rio e a instalação de destacamentos policiais em áreas de carga e descarga de mercadorias, além da construção de centros de povoamento agrícola no curso do rio. Martins argumentava que, com essa iniciativa, a vila de Canavieiras e os sertões da comarca baiana de

495 Informações do relatório do engenheiro João José da Silva Teodoro. In: SEQUEIRA, Alexandre

Joaquim. Abertura da Sessão Ordinária da Assembleia Legislativa Provincial. Ouro Preto: Tipografia Social, 1950, p. 10-11, 14.

180 Conquista seriam beneficiados pela potencialização do comércio com o nordeste mineiro através dos Rios Pardos e Jequitinhonha496.

Em 1852, em discurso na abertura da Assembleia Provincial da Bahia, Martins explanou sobre as primeiras providências a serem adotadas na navegação do Jequitinhonha. A primeira medida a ser implementada para incentivar a navegação do Jequitinhonha consistiria em policiar as margens do Jequitinhonha, impedindo a ação dos indígenas, criminosos fugitivos do litoral e dos centros mais povoados da província de Minas Gerais que buscavam refúgio nas matas do Jequitinhonha, região caracterizada por Martins de “neutra” por não contar com a ação das autoridades mineiras ou baianas497. A segunda medida a ser implementada seria a navegação a vapor no Jequitinhonha. De acordo com Martins, enquanto o transporte por terra, de Minas Novas ao centro comercial do Rio de Janeiro, gastava em média dois meses, o uso da navegação a vapor em substituição às canoas promoveria um rápido e seguro transporte, colocando os agricultores do norte mineiro em contato com o centro comercial baiano em um intervalo de 15 dias, consolidando a preferência dos mineiros do norte da província pelo centro comercial da Bahia.

O projeto de navegação do Jequitinhonha defendido por Martins abarcava todo o rio principiando na parte baiana e adentrando o território mineiro até as proximidades de Minas Novas. O lado mineiro, de acordo com Martins, “abandonado pelas autoridades mineiras que empregam naturalmente esforços para outros lados” necessitava de destacamentos policiais que deveriam ser financiados pelo governo mineiro. Para isso, Martins sugeria à Assembleia Provincial busca de apoio financeiro do governo mineiro por intermédio do governo imperial para instalação de um destacamento militar nos povoados de São Miguel do Jequitinhonha e Salto, além da ampliação da estrada que contornava a cachoeira do Salto – região em que a navegação era interrompida pela presença de elevada cachoeira – tornando-a carroçável, possibilitando o transporte de maiores porções de gêneros do Porto do Salto até o “Porto de Baixo” – parte navegável do Jequitinhonha, situada no território baiano498.

496 MARTINS, Francisco Gonçalves. Abertura da Assembleia Legislativa da Província da Bahia. Bahia:

Tipografia Const. De Vicente Ribeiro Moreira, 1852, p. 46-47.

497 MARTINS, 1852, p. 47. 498 Idem, p. 48.

181 A manifestação do governo baiano teve aparente receptividade na província de Minas Gerais. Em fala dirigida à Assembleia Provincial de Minas Gerais o presidente de província Luiz Antônio Barboza fez a seguinte declaração:

[...] inteirado da utilidade da comissão que foi encarregado o capitão de engenheiros Inocêncio Vellozo Pederneiras nomeado pelo Ex. presidente da Bahia, expedi as convenientes ordens às Câmaras municipais e autoridades policiais da Comarca do Jequitinhonha, a fim de o auxiliarem com todos os meios à sua disposição na direção e execução de todas as obras à bem da navegação dos rios Pardos e Jequitinhonha. A empresa de que foi incumbido este oficial se for coroada de feliz sucesso, como é de esperar-se, atenta à natureza dos recursos, que foram postos à sua disposição, por ambos os governos trará milhares de benefícios, como melhoramento da navegação, e polícia dos sobreditos rios e seus tributários, aldeamento de índios, abertura de estradas, em ordem à favorecerem o estabelecimento de povoações agrícola e desenfestar a navegação dos riscos das incursões dos selvagens, dos facinorosos, que pelos rios sobem e descem, e se acoitam em suas margens499.

Em setembro de 1852, a província de Minas Gerais recebeu um ofício do governo geral solicitando o envio de 8:000$000 (oito contos de réis) para a província da Bahia com a finalidade de cobrir gastos com a navegação e policiamento do Alto Jequitinhonha, parte mineira do rio Jequitinhonha500. Tais recursos, segundo Luiz Antônio Barbosa, foram disponibilizados pelo governo mineiro ao engenheiro Vellozo, encarregado de tais trabalhos.

Entretanto, o governo baiano parecia mais interessado no Jequitinhonha que a província de Minas Gerais. A defesa de investimento na navegação do Jequitinhonha foi amplamente defendida pelos presidentes que passaram pela província da Bahia entre os anos de 1852 e 1855. João Maurício Wanderley, em fala na abertura da Assembleia Provincial ocorrida em março de 1853, fez a seguinte avaliação do comércio entre a Bahia e o nordeste de Minas Gerais:

[...] considerando-se as vantagens que pode tirar a população do território da Província de Minas, banhado pelo Jequitinhonha e seus afluentes, de suas relações comerciais com a praça da Bahia por meio d’aquela grande via natural de comunicação, não se concebe como é que ainda hoje a maior parte dos gêneros de importação que se ali consomem, é transportada do Rio de Janeiro à costas de animais. Quatro vezes menor é a despesa de transporte pelo Jequitinhonha do que pela estrada geral da capital do Império para o norte daquela

499 BARBOZA, 1852, p. 8. 500 Idem, p.29.

182 província, entretanto, o comércio das comarcas do Jequitinhonha, Serro e São Francisco faz-se quase todo com o Rio de Janeiro501. Segundo Wanderley, a falta de policiamento e investimentos no Jequitinhonha impediu que a Bahia se beneficiasse do comércio de ouro e diamante produzido no nordeste da província mineira. O mesmo havia se repetido com o comércio do algodão produzido em Minas Novas. Entretanto, com o aumento da população mineira e a expansão da atividade agrícola, faltava-lhes apenas um mercado consumidor para a produção ali gerada. Diante de tal cenário, o governo baiano entendia que era o momento ideal para oferecer aos mineiros das comarcas do Norte o mercado consumidor. Para isso, o governo baiano entendeu que o melhor seria iniciar com a remoção dos obstáculos à navegação e ao comércio no Jequitinhonha.

Para este fim obteve do Governo Geral o necessário crédito, e mandou para ali o major do corpo de engenheiros Inocêncio Vellozo Pederneiras, munido dos convenientes recursos para executar os trabalhos de maior urgência, tendentes à minoração dos obstáculos materiais da navegação, regularizar e policiar esta navegação de modo a facilitar o comércio, abrir picadas laterais e melhorar as que já existem, estendendo este mesmo trabalho ao Rio Pardo, no intuito de comunicar nosso centro com a costa, e também a porção da Província de Minas banhada pelos ditos rios502.

O primeiro ano de trabalho do governo baiano no Jequitinhonha promoveu maior intercâmbio comercial entre Minas Gerais e Bahia. No ano de 1853, foi registrado o transporte de duzentas cargas de algodão oriundas do município de Minas Novas via Jequitinhonha até o Belmonte e, posteriormente, conduzidas para Salvador. Em contrapartida, as canoas retornaram carregadas de sal e de outros gêneros, compradas da praça comercial de Salvador. Apesar de a Província da Bahia se beneficiar com a ação da Companhia do Mucuri, que ligava as comarcas do norte de Minas ao porto de Porto