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IMPLANTAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR EM IAUARETÊ

2. A Colonização no Rio Negro

A região do alto rio Negro passou por várias etapas de invasão, extermínio, escravizações, explorações de mão-de-obra, abusos dentre outras atitudes pelos “colonizadores europeus”, que desrespeitaram os agrupamentos indígenas que lá habitavam enquanto povos. Os relatos históricos apontam a crueldade como se deu esse processo de colonização dos habitantes daquela região.

Segundo Andrello (2006: 71ss.), a descoberta do rio Negro deu-se logo nas primeiras explorações do rio Amazonas pelos portugueses, durante a primeira metade do século XVII, e não tardou para que se tornasse a principal região fornecedora de escravos indígenas da colônia do Grão-Pará e Maranhão. Em 1669, os portugueses já haviam fundado o forte de São José da Barra do Rio Negro, local aonde viria a se formar a cidade de Manaus. Nas décadas seguintes, as tropas de resgate percorreriam todo o curso do rio Negro, identificando os principais afluentes e fazendo alianças com grupos indígenas que os auxiliassem na escravização de outros.

Os missionários jesuítas estiveram presentes nas fases iniciais desse período, empreendendo os primeiros esforços para a fundação de missões no baixo rio Negro, mas foi aos Carmelitas que, a partir de 1695, coube fundar os primeiros núcleos de povoamento na primeira metade do século XVIII, para onde buscavam atrair grupos indígenas. Vários fatos históricos aconteceram nesse período, inclusive a Guerra de Portugueses com os indígenas Manao, quando muitos indígenas se refugiaram nas cabeceiras do rio Negro, Uaupés e Içana. Foi somente em 1759, sob a égide do Diretório Pombalino, que oficialmente se pôs fim à escravização de indígenas e a partir daí foi instituída a figura do

diretor dos indígenas. Mesmo assim, os indígenas continuaram sob o regime dos portugueses.

Os indígenas se surpreenderam com a chegada dos “colonizadores e civilizadores”, sobretudo porque não precisavam dessa “colonização e civilização”, visto que já dispunham de sua própria forma de organização; tinham a natureza, sua cultura, seu modo de viver e seu modo de transmissão de conhecimento, muito distintos do modo daqueles que estavam chegando. Do ponto de vista dos europeus, somente eles eram civilizados.

No século XVI os colonizadores, especialmente portugueses, realizaram viagens pelo rio Orinoco desde a costa atlântica à procura do El Dourado – uma terra rica em ouro cujo centro supostamente ficaria na serra Parimá, segundo relato de Philip Von Hutten e Hernam Perez Quesada (1538-1541) (CABALZAR & ALBERTO RICARDO, 2006: 73). Naquela época, já apontavam a existência do rio Uaupés, um dos maiores afluentes do rio Negro. Também os europeus (portugueses) sempre tiveram em sua programação as viagens pela região do rio Negro, no intuito do reconhecimento das terras. Viagens que se tornaram, na verdade, em oportunidades de roubo dos minerais e dos produtos da região e, especialmente, da captura e do massacre de indígenas.

Em 1542, Francisco Orellana desceu pela primeira vez a foz do rio que viria a se chamar Amazonas. Com ele, frei Gaspar de Carvajal, escrivão da expedição, referiu-se ao rio de “água negra como tinta”, que é o Negro, que somente em 1639 foi identificado e descrito com mais cuidado. Logo em seguida, Pedro Teixeira subiu o rio Amazonas até o Quito e voltou de lá com o padre Jesuíta Cristóbal de Acuña, retornando à Belém para contar sua impressão sobre a região e os povos que nela habitavam.

Em outubro de 1639, agrupamentos portugueses pretendiam subir esse rio com o objetivo de apresar indígenas, mas os padres Cristóbal de Acuña e André de Artieda argumentaram contra tal empresa, alegando dificuldades de tempo para a viagem e de retorno ao Pará.

Em 1657 partiu de Belém uma tropa comandada por Vital Maciel Parente, acompanhada pelos missionários jesuítas Francisco Velloso e Manoel Pires, com destino aos rios Amazonas e Negro. Nessa viagem foram descidos como escravos para o Pará

seiscentas “peças”20. Nessa mesma época outra tropa voltou ao rio Negro com quarenta soldados e quatrocentos indígenas que iam “ao resgate dos escravos”. Retornaram com setecentos escravos. Como missionário, estava o jesuíta Francisco Gonçalves.

Os relatos históricos referentes à escravização da “indiada”, na expressão comumente utilizada, continuou ao longo do processo da entrada e saída dos portugueses no rio Negro. Em cada viagem que faziam, desciam uma quantidade considerável de indígenas escravos, ainda nos meados do século XVII. Ao final desse século os missionários jesuítas estabeleceram algumas missões no rio Negro (1690 até 1692). Na verdade era resultado de viagens de tropas de resgate, como a de 1689, feita por André Pinheiro, acompanhado pelo jesuíta João Maria Garzoni.

No século XVII os indígenas do rio Negro mantiveram contatos diretos com os não- indígenas, principalmente com os portugueses que penetravam no rio negro à caça de escravos. Os missionários faziam parte dessas expedições, que excursionavam pelo sertão do rio Negro e Amazonas capturando escravos indígenas e massacrando os que resistiam. Eram consideradas “tropas de resgate e das guerras Justas”. Uma forma de justificar que essas viagens eram de colonização e a conversão dos indígenas segundo a pregação dos missionários era um bem à humanidade e a Deus.

O que essas expedições representaram, no entanto, diante dos indígenas do rio Negro, era o terror da escravidão, da fome e da guerra. Os civilizadores não os viram como humanos, não souberam reconhecer e respeitar sua alteridade. Essa percepção não difere na história do rio Negro e seu afluente, o rio Uaupés. Além da escravização, acompanhava os missionários e toda essa gente o extermínio indígena por meio das guerras, da fome ou das epidemias de varíola, sarampo e outras doenças que os pajés indígenas não sabiam curar por não serem doenças comuns em seu povo, mas “doença-de-branco”21. Isso provocou o

20 “Peça” era a palavra usada naquela época para se referir aos indígenas e negros comercializados como escravos.

21 Essas epidemias sempre foram fatores que dizimavam a população indígena. Até nas últimas décadas do século passado eram doenças que causavam medo e angústia no meio dos indígenas do alto rio Negro porque eram doenças que matavam em grande quantidade de pessoas. Tenho visto em São Gabriel (anos 1980), quando teve a epidemia de sarampo, quase todo dia morria uma pessoa. Graças à melhora de medicina (vacinações) não houve mais dessas epidemias no final do século XX.

decréscimo da população indígena na região como também a carência de braços para o trabalho nas fazendas e na coleta das “drogas do sertão”22.

Esses fatos históricos mostram como, por meio de massacres e violências, os colonizadores foram abrindo passagem pelo rio Negro, finalmente conseguindo alcançar a região do alto rio Negro e de seus principais afluentes, como o Uaupés, o Içana e o Xié, ainda muito povoados e praticamente não atingidos pelos não-indígenas de forma integral23. Na segunda metade do século XVII foi marcada a chegada mais intensiva de missionários jesuítas e expedições de apresamento. Existem relatos que informam como foi a chegada dos missionários jesuítas que estabeleceram em algumas missões no rio Negro. Primeiramente, os missionários se estabeleciam temporariamente; depois, criavam moradias e missões e se estabeleciam de forma permanente, a partir de 1690 até 1692. Tais missões eram resultados de viagem de tropas de resgate.

A partir de 1695, com a “repartição das aldeias”, o rio Negro ficou sob o domínio da ordem Carmelita, que aproveitou os aldeamentos jesuítas e os expandiu ao longo dos primeiros anos no rio Negro (CABALZAR & ALBERTO RICARDO, 2006: 74). Assim foram chegando os primeiros missionários na região do alto rio Negro, inclusive em Iauaretê.

Como missionários religiosos, chegaram com o uma estratégia de influência de maneira meiga e afetuosa, mas tiveram uma intervenção muito negativa com a população indígena ali existente, inclusive criando rótulos que fazem com que indígenas e descendentes ainda hoje passem por discriminações.

Os missionários evitaram, em muitos casos, atos de massacres ainda maiores que os praticados pelos outros europeus, mesmo fazendo parte dessas expedições, por um lado; por outro, consta que muitos missionários eram até malvados e se comportavam de uma forma brusca e maldosa com os indígenas, desconsiderando a sua realidade de pessoa. Por isso alguns foram expulsos pelos próprios indígenas.

22 Drogas do sertão eram especiarias, como: cacau, baunilha, cravo, salparrilha, piaçava, castanha, cipó, sorvas e produtos animais.

23 Hoje, são comunidades que não mais se organizam socialmente segundo a sua forma tradicional, mantendo apenas alguns traços que os identificam como descendentes de indígenas e, portanto, indígenas, mas muitas vezes tendo a dificuldade de serem reconhecidas como comunidades tradicionalmente indígenas. Isso prejudica na conquista da terra e na conquista de auxílios governamentais.

Todos os missionários (Mercedários, Jesuítas, Carmelitas e Franciscanos) que precederam aos salesianos nessa região foram deixando suas marcas de civilização cristã. Alguns, por reviravoltas políticas ou por graves dificuldades nas missões, foram se retirando da região. Esse processo de civilização religiosa acompanhou igualmente a colonização do Brasil. Sempre vinculados à dupla tarefa de catequizar e civilizar os indígenas, conseguiram concretizar seus objetivos, ou seja, conseguiram realizar seus desejos, e o fato é que isso se deu de forma violenta e por meio da negação dos povos nativos.24

Após várias etapas de invasão dos europeus, especialmente portugueses (civis, militares e religiosos), na região do alto rio Negro foi a vez dos missionários salesianos (as), que chegaram ao mesmo rio, nos mesmos lugares, em contato com os mesmos povos que sofreram várias formas de extermínio: maus-tratos, abusos, escravidão, doenças, discriminação e outros semelhantes. Os indígenas viviam dentro de sua terra, de sua casa, de seu território, como seres em sua cultura tranqüilamente, quando foram surpreendidos pelas pessoas que não os reconheceram como pessoas.

Segundo relatos constantes do Boletim Salesiano (1924-1936: 82), a Prefeitura do Rio Negro, criada em 1910, foi entregue aos salesianos em 1915, da qual tomaram posse definitiva em 1916. Essa se tornou a primeira Prefeitura Apostólica do Rio Negro, mas já tinha, como prefeitura, três séculos de existência, quando da chegada dos primeiros missionários salesianos. Três ordens religiosas já haviam passado por essa prefeitura: os mercedários, os carmelitas e os capuchinhos. Por três vezes foi abandonada. Finalmente, em 1896, fora unida à diocese de Manaus.

O bispo de Manaus vinha suplicando à Santa Sé que “ressuscitasse” a Prelazia e a entregasse aos outros religiosos. A Santa Sé aceitou a súplica do bispo e convidou os salesianos. No convite do Pio X, disse ao salesiano Dom Albera que era preciso aceitar a missão do Rio Negro para “atrair as bênçãos de Deus sobre a congregação”.

A percepção dos próprios salesianos acerca de sua missão é a de que havia chegado ao rio Negro uma “outra etapa da história para os indígenas” e de que o trabalho

24 “A missão é o centro por excelência de destribalização e de homogeneização deculturativa daqueles 'restos de nações menos bravias', concentrados nos aldeamentos catequéticos. O produto final é o índio privado de

missionário salesiano com os indígenas tinha sido, desde o princípio, “muito bom”, pois que os salesianos, ainda a partir do ponto de vista deles próprios, eram

organizados, com objetivos e estratégias claros, pessoal bem disposto, bem preparado para as dificuldades desta missão apostólica. Não mediram sacrifício, começaram seus trabalhos a partir de 1914, após a viagem de reconhecimento feita pelo Padre Giovanni Balzola. Começaram com a reação de abusos dos comerciantes, construírem suas missões e interferir na vida dos índios [sic]. Assim conseguiram frear as atividades dos comerciantes, liberando os índios pouco a pouco do trabalho forçado e outros abusos. (CABALZAR & ALBERTO RICARDO, 2006: 92)

A prática dos missionários dependeu os indígenas que estavam à mercê da dominação dos comerciantes e de outras formas de exploração. Instalaram-se em São Gabriel da Cachoeira em 1914, daí partindo para fundações de outras casas missionárias. A escolha teve por base ser a região um ponto de referências para o controle do território, daí partindo pontos missionários para: Taracuá (1923), no rio Uaupés, junto à foz do rio Tiquié; Iauaretê (1929), no rio Uaupés, junto à foz do rio Papuri; Pari-cachoeira (1940), no rio Tiquié; Tapurucuara, atual Santa Isabel do rio Negro (1942), no rio Negro; e Assunção do Içana (1952), no rio Içana, afluente do rio Negro. (ISA apud ANDRELLO, 2006: 105)