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PRÁTICAS CULTURAIS INDÍGENAS NA AÇÃO PEDAGÓGICA DA ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA SÃO MIGUEL – IAUARETÊ

4. Práticas Culturais Indígenas

O processo das práticas culturais indígenas tem seus momentos fortes e específicos para seu uso, algumas de formas rígidas tendo suas normas e regras, outras de forma mais prática com atividades cotidianas. As práticas culturais indígenas são manifestações realizadas no meio de diversas atividades e eventos, como por exemplo: festas tradicionais (dabucuris e danças), apresentações culturais79 e nas festas comunitárias. Tradicionalmente são momentos de manifestações culturais praticadas pelos adultos e jovens e as crianças acompanham assistindo e aprendendo. Essas mesmas práticas culturais estão se expandindo dentro do ambiente educativo (escola). Os(as) alunos(as) fazem dessas práticas momentos de manifestações como forma de reprodução desse conhecimento. Utilizam diversos instrumentos musicais (cariço, mawaco, japurutú, flauta feita de osso do veado, casco do jabuti e outros). Enquanto as lendas, crenças, mitos, histórias e outros são apresentados em forma de teatro, dramatizações, poesias e outros semelhantes, caso forem elaboradas antecipadamente com textos. Na escola não utilizam as regras tradicionais, e sim como simples apresentações, mas a perspectiva é valorizar essas regras com o apoio dos mais antigos (velhos). Para isso, a escola se organiza para a efetivação dessa forma de transmissão e valorização dos sabedores indígenas (anciãos).

Para fortalecer essas práticas, a escola São Miguel tentou organizar grupos de docentes com seus alunos(as) de aterem nessas atividades – teve sucesso no início, mas fracassou diante de vários obstáculos. Agora, ficou somente a cicatriz que precisa de cobertura, para reiniciar essas atividades. O maior desafio encontrado foi: registrar esses fatos sociais para poderem publicar em formas de textos, panfletos, em CD, DVD e outras formas de documentação para escola. Além disso, utilizarem como recursos e materiais didáticos.

Algumas práticas e conhecimentos indígenas estão comumente presentes, na atualidade, na região do alto rio Negro, em Iauaretê, que são: cantigas e danças, Cariço, Mawaco, Kapi-wayá, Japurutú e flautas. A transmissão desses conhecimentos está a mercê da oralidade e na prática. Dificilmente se encontra escrita às memórias históricas dos povos indígenas, que estão sendo estudados e pesquisados como é a forma ideal de ser utilizada essa transmissão em oralidade e prática.

As cantigas e as danças são praticadas pelos homens e mulheres durante as festas indígenas, nas apresentações (hoje) e em qualquer lugar do convívio indígena. A composição é inventada na hora ou planejada na ocasião de apresentações, mas tem seus significados: geralmente cantam para conquistar mulheres ou vice versa, convidando para algo, discriminando e outros.

O cariço é um instrumento de sopro que o grupo da manifestação toca em forma de fileira ou colunas, de forma alternada, dependendo de sua criatividade, mínimo de seis pares (casal). Durante a dança as mulheres vão fazer par do homem que toca e dança. Tem vários ritmos de som conforme criam para as atividades. Essa prática cultural é manifestada nas ocasiões de festas tradicionais (no centro comunitário) e nas apresentações durante os eventos organizados pelas comunidades indígenas. Atualmente é uma das práticas culturais indígenas que é muito valorizada e muito praticada.

O mawaco é um instrumento de sopro que é utilizado nas festas de trocas de alguns produtos entre os grupos indígenas. Nessa prática, os participantes não têm limite de quantidade. É uma dança bem divertida, onde todos possam participar (adultos, jovens e crianças).

As flautas (japurutú) são instrumentos de sopro. São muito utilizadas na festa de oferta de produtos (reciprocidade). Essas festas são realizadas no espaço central dos centros sociais, onde os dançantes, em duplas (um homem e uma mulher), em consonância com os ritmos dados pelos tocadores, acompanham os passos em tempo sincronizados e as suas batidas contra o solo resultam na combinação dos sons, sensibilizando o ouvido do espectador.

Além destas danças têm-se também as de kapí-waya, que são realizadas com os tubos preparados com as embaúbas, da mesma forma como se procede com as danças de cariço, mawaco e japurutú; as mulheres acompanham os ritmos das batidas dos tubos de embaúba, com o solo, enquanto os homens cantam a canção do kapí-waya, com enfeites nas cabeças e todos pintados, inclusive as mulheres. Nos tornozelos os homens prendem os chocalhos que juntos ajudam em cada batida a produzir um ritmo que os dançantes acompanham cantando com os cantos que o mestre de dança entoa. Essa dança é geralmente realizada quando tem a festa de dabucuri, típica para a oferta de frutas, peixes, animais de caça e outros, entre os povoados, grupos de famílias e outros. Além dessas danças que são tradicionais, se mistura também o forró durantes as festas (atualmente).

Essa sabedoria é elemento constitutivo da tradição indígena e, por isso, usufruto de todos, exceto os conhecimentos específicos. A adoção dos conhecimentos produzidos pelos seus avôs são subsídios com os quais os indígenas sobrevivem e continuam dando dinâmica aos seus costumes, crenças e tradições. Os saberes tradicionais representam o maior legado de seus avôs, por isso respeitam, valorizam, transmitem às novas gerações e os têm como referências.

Cada região requer o domínio de conhecimento particular e a pessoa que nela habita é a mais qualificada e detentora de informações sobre a sua territorialidade, dos costumes do seu povo, da fauna, flora etc. É, inclusive, através das informações dessas pessoas que os antropólogos constroem o conhecimento. É o conhecimento construído a partir do conhecimento já existente. A distinção está nas análises e interpretações que fazem. O conhecimento humano é universal – não é homogêneo –, complexo e variado de um povo para o outro ou de uma sociedade para a outra.

4.2 Processo de práticas pedagógicas

Práticas pedagógicas a partir de conteúdos da prática cultural indígena é uma questão que requer reflexão na ação. Reflete sobre o modo de aprender e de ensinar tanto como aprender a aprender e do aprender a ensinar. É uma questão difícil, mas não é impossível. A prática educativa precisa propor meios para tornar possíveis, efetivos e

eficientes esse ensino e essa aprendizagem, ou seja, apresentar os melhores meios de ensinar os conteúdos aos alunos, chamados “métodos de ensino” (CORDEIRO, 2007: 33).

Os conteúdos a ensinar estão se estruturando e é possível propor alternativas e incluir visões que foram quase sempre excluídas da escola. Para essa prática pedagógica, o professor é o agente cheio de tendências de adotar determinados padrões didáticos, que derivam das mais variadas fontes: das experiências pessoais, das leituras e reflexões, da observação e do diálogo com os colegas ou mesmo de uma espécie de “senso comum pedagógico”, que acaba sendo produzido em cada ambiente escolar. (Ibid,: 32)

4.3 Perfil do professor indígena

Para as práticas pedagógicas indígenas, por ser uma educação diferenciada, requer do professor uma pessoa “polivalente” para o enfrentamento do seu cotidiano, por isso o professor indígena80, no mínimo, tem que acompanhar os seguintes itens (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO, 2006: 8)

- Ser educador, significa sua presença em todas as circunstâncias; - Ser professor – pesquisador: sempre procurando descobrir e construir novos conhecimentos.

- Ser bilíngüe falante da língua materna/português ou paterna/português; ou conhecedor da língua aonde trabalha.

- Coerente em suas atitudes; na técnica, ética, moral e estética. - Responsável em seus atos; cumprir com seu dever de educador. - Ter paciência; pois se dará com diferença étnico-cultural.

- Ser participativo na comunidade; porque todas as decisões são deliberadas pela comunidade.

- Objetivo em suas opiniões e idéias para fortalecer a perspectiva da escola.

- Sensível e compreensível para enfrentar as diversidades do conteúdo do trabalho.

- Respeitar horários e calendário escolar, pois os mesmos serão muito dinâmicos.

- Criativo nas soluções de problemas para reconstruir ou superar essa questão.

- Ser corajoso no momento da dificuldade.

- Conhecer os direitos coletivos e a Legislação Educacional. - Sabedor da Filosofia da Escola Indígena.

80 Segundo a percepção da Secretaria de Educação do Município de São Gabriel da Cachoeira, no ano de 2006, que publicou essas informações em um informativo local.

- Exercer as funções: social, político, econômica, cultural e étnica. - Não se ausentar da escola sem o conhecimento da comunidade e da coordenação escolar.

- Ser exemplo na escola.

Para tanto, o “docente desejado” ou “docente eficaz” é caracterizado como um sujeito: profissional, competente, agente de mudança, prático-reflexivo, professor- investigador, intelectual crítico ou intelectual transformador”. Essas características querem do professor indígena que seja pessoa que:

- domina os saberes, os conteúdos e as pedagogias próprios de seu âmbito de ensino;

- que provoca e facilita aprendizagens, assumindo sua missão não em termos de ensinar, mas de fazer com que os alunos aprendam;

- interpreta e aplica um currículo e tem capacidade para recriá-lo e para reconstruí-lo a fim de responder às especificidades locais;

- compreende a cultura e a realidade locais e desenvolve educação bilíngüe e intercultural em contextos bi e plurilinguais;

- participa, juntamente com seus colegas, da elaboração de um projeto educativo para seu estabelecimento escolar, contribuindo para configurar uma visão e uma missão institucional e para criar um clima de cooperação e uma cultura democrática no interior da escola;

- desenvolve e ajuda seus alunos a desenvolverem conhecimentos, valores e habilidades necessários para aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viverem juntos e aprender a ser;

- impulsiona atividades educativas que vão além da instituição escolar, incorporando os que não estão, recuperando os que já saíram e atendendo às necessidades dos pais de famílias e à comunidade com um todo;

- se aceita como “aprendiz permanente” e se transforma no líder da aprendizagem”, mantendo-se sempre atualizado em suas disciplinas e atento as novas disciplinas;

- se abre à incorporação e a utilização de novas tecnologias tanto para fins de ensino em aula ou fora dela como para sua própria aprendizagem permanente;

- prepara seus alunos para selecionar e utilizar criticamente a informação proporcionar pelos meios de comunicação em massa; - é percebido pelos alunos ao mesmo tempo como amigo e como modelo, alguém que os escuta e os ajuda a se desenvolverem. (MIZUKAMI et al., 2002: 40-41)

O professor indígena precisa de uma boa formação e preparação para conduzir uma educação diferenciada de qualidade dentro de uma escola indígena. Para isso não tem outra forma a não ser ter em mãos um currículo indígena adequado e específico que atenda à demanda daquela instituição de ensino. Um currículo bem organizado e planejado é o coração de uma instituição de ensino. Essa necessidade que a escola estadual indígena São Miguel precisa para sua direção política.

Dialogando com colegas de trabalhos, com alguns pais e com alguns alunos durante a pesquisa de campo tento propor diretrizes, caminhos, estratégias de um currículo para uma escola indígena. A reflexão nessa ação vem de um questionamento: O que é importante ensinar na escola indígena? Como, com quais meios didáticos e com qual prática educativa?