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CONCEPÇÕES TEÓRICAS E ASPECTOS SÓCIO-JURÍDICOS

1.1 O comércio de gente: questões a cerca do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual.

Algumas questões, neste estudo, foram consideradas centrais para a construir o panorama do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual no Brasil. Estas são: prostituição, pobreza, violência, a defasagem da legislação vigente, a relação com o mercado e migração.

Com relação ao tráfico de pessoas para fins de exploração sexuais, uma questão central é a da prostituição. É importante ressaltar que parte das mulheres que migram como prostitutas já se encontravam nessa condição profissional em seus locais de origem e, evidentemente, a possibilidade de trabalhar com o sexo no exterior (para o caso de latino-americanas e africanas, por exemplo) se constitui em uma possibilidade real de conquistar maiores ganhos materiais. Entretanto, seria

leviandade e em parte o reforço de um antigo preconceito presumir que todas as mulheres (ou vítimas) agem por vontade própria sem levar em consideração as diferentes artimanhas existentes pela ponta do mercado demandante que visa atraí- las com falsas propostas de ganhos fáceis, sem contar outros elementos, como a coerção, intimidação e demais formas de violência, ligados a uma já consolidada rede criminosa que lucra bastante com este tipo de “comércio”.

Não podemos desconsiderar a relação da pobreza e da marginalidade das pessoas envolvidas no tráfico de pessoas. Se por um lado, a fuga da pobreza consiste em uma real motivação para que pessoas adentrem em um processo de tráfico, por outro lado as autoridades e mesmo parte da opinião pública subestima as condições de vida dessas pessoas quando chegam em seus locais de origem. A relação com a pobreza é explícita já que encontramos, nas pesquisas desenvolvidas, uma relação entre a busca por melhores condições de vida e o tráfico de pessoas. Somado ao preconceito já existente, que não raro explicita opiniões contrárias aos direitos dessas pessoas, que parecem se encontrar em um outro patamar de cidadania e de probidade, por serem “mulheres atrás de uma vida fácil”, por exemplo, as mulheres traficadas encontram ainda maiores empecilhos para uma razoável solução de seus problemas mais imediatos encontrados no exílio, que muitas vezes pode se resumir em uma simples proteção de sua integridade física, moral e psicológica.

Comumente as mulheres traficadas, enganadas por promessas pueris de trabalho no exterior, pagam altas quantias para conseguir cobrir as despesas com sua viagem, que contabiliza também, dentro dos esquemas criminosos de

contrabando de seres humanos, com a falsificação de documentação, suborno de autoridades alfandegárias, etc. Chegando aos locais de destino, e desprovidas de quaisquer recursos materiais e redes de apoio, essas pessoas se tornam alvo fácil de todo o tipo de exploração, seja econômica, física ou sexual.

Os problemas, muitas vezes, começam ainda antes, quando muitas dessas pessoas acabam sendo transportadas de um país a outro em condições deploráveis, mesmo quando para isso pagam quantias exorbitantes. Impedidas de ganhar a vida de outra maneira, e quase sempre vivendo nos países de forma ilegal, a alternativa última de sobrevivência acaba se tornando não apenas a prostituição, mas também a prática de ações criminosas, o que as enquadra, dentro do código das autoridades locais, não como vítimas de um processo de tráfico que atinge impiedosamente muito dos seus direitos mais elementares, mas como criminosas ilegais, ou seja, como culpadas, transgressoras, pessoas a quem a lei deve punir, e não proteger.

A defasagem no aparato legal também é central para a lógica do enfrentamento. Não obstante, em diversos países a legislação vigente ainda não se encontrava (ou ainda não se encontra) preparada para acompanhar as rápidas transformações do campo do tráfico de pessoas e do crime organizado, o que também dificulta o enfrentamento, o controle e a cooperação a respeito destas práticas em um âmbito internacional. Por se tratar de um crime também transnacional, a falta de conhecimento das outras legislações permite a existência de uma lacuna no enfrentamento.

Conforme dito anteriormente, o mercado internacional de pessoas é bastante lucrativo, o que implicou a constituição de sofisticadas redes criminosas espalhadas pelo mundo. Em pesquisa da UNODC se comprovou que uma vítima latino- americana ou africana pode “render” de sete a trinta mil dólares para um traficante em um bordel europeu (QUAGLIA, 2007). Ademais, uma vítima pode ganhar por mês uma quantia considerável; contudo, dentro desta organização perniciosa, seus lucros muitas vezes são repassados aos donos de um bordel quase que inteiramente, fortalecendo uma relação de dependência e de exploração5. Apesar

dos limites que inviabilizam o desenvolvimento de ações eficazes, no combate ao tráfico e de proteção e apoio às vítimas, a forma com que o crime é encarado também ampliou sua definição para uma forma moderna de escravidão, especialmente a partir do caso europeu por meio do êxodo de pessoas do leste do continente para os países que hoje integram a União Européia.

Apenas para se ter um exemplo, conforme Giovanni Quaglia (2007), representante da UNODC para o Brasil e Cone Sul, apenas no que se refere à quantidade de trabalhadoras do sexo que vive ilegalmente no velho continente, o número gira em torno de 200 a 500 mil mulheres, sendo que dois terços vêm do leste europeu e o restante de outros países, especialmente do Brasil. Além do “mercado europeu”, preferencialmente Espanha e Holanda, as vítimas brasileiras são também destinadas aos EUA, além da grande procura por países de língua latina6 se relacionando intimamente a migração.

5 Apenas para se ter um exemplo, de acordo com Quaglia: “prostitutas russas na Alemanha que

ganham US$ 7,5 mil por mês são forçadas a entregar US$ 7 mil a donos de bordel” (QUAGLIA, 2007, p. 40).

Para um melhor entendimento a respeito destas considerações iniciais sobre o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, é importante recuperar o histórico global desta discussão e as ações tomadas ao longo do tempo. Por meio deste exercício, será possível perceber o desenvolvimento do conceito de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, concomitante às próprias ações de enfrentamento.

1.2 Histórico de definições sobre tráfico de pessoas na perspectiva dos