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como banais, não poéticas)

Com essa doença de grandezas:

Hei de monumentar insetos!

(Cristo monumentou a Humildade quando beijou os pés dos seus discípulos.

Charles Chaplin monumentou os vagabundos.) Com esta mania de grandeza:

Hei de monumentar as pobres coisas do chão mijadas

de orvalho. (2004, 61)

Em Elegia de Seo Antônio Ninguém, Manoel de Barros abre o poema com os versos: Sou um sujeito desacontecido / Rolando borra abaixo como bosta de cobra. (2004, 79)

Com um título bastante lírico, Objeto de amor, Adélia Prado parece conduzir o leitor ao mundo dos sentimentos, mas termina a primeira estrofe com um verso desconcertante:

cu é lindo! – em meio a um estilo “mais elevado” em que emprega a majestática segunda pessoa do plural: Fazei o que puderdes com esta dádiva:

De tal ordem é e tão precioso o que devo dizer-lhes

que não posso guardá-lo

sem que me oprima a sensação de um roubo:

cu é lindo!

Fazei o que puderdes com esta dádiva. Quanto a mim dou graças

pelo que agora sei

e, mais que perdôo, eu amo. (1991,319)

No Poema Sujo, de Ferreira Gullar, considerado pelos críticos um dos melhores poemas longos da segunda metade do século XX, o uso de termos calão, mescla-se ao afetivo,

diminutivo em tua bocetinha ou nos Cheiros de flor que se juntam à bosta de porco e o segmento se conclui em um montão de estrelas e oceano.

tua gengiva igual a tua bocetinha que parecia sorrir entre as

folhas de banana entre os cheiros de flor e bosta de porco aberta

como uma boca do corpo (não como a tua boca de palavras)

como uma entrada para eu não sabia tu

não sabias fazer girar a vida

com seu montão de estrelas e oceano entrando-nos em ti (1980, 298)

Assim, como afirmou Gullar em outro poema (1980, 287) a poesia está por toda parte, é mesmo aquela que vai à esquina comprar jornal.

3. Os Neologismos

Sempre buscando novas formas de dizer, poetas desconstroem formas e significados, criando por meio dessa desconstrução/reconstrução novas palavras que melhor expressem o seu dizer. Nas palavras poéticas de Manoel de Barros, nesse processo, o olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê (2004, 75).

sistema linguístico. Dentre as quais se destacam os processos de composição por justaposição, amálgamas, derivação por afixos, derivação imprópria.

São relevantes os efeitos expressivos do termo desacontecido, para transmitir a desesperança do eu lírico / enunciador e o seu sentimento de insignificância:

Sou um sujeito desacontecido

Rolando borra abaixo como bosta de cobra. ... Meu desnome é Antônio Ninguém.

Eu pareço com nada parecido.

O poema é concluído com dois versos que reiteram a angústia expressa pelo sujeito desacontecido e finalizado por um estranho desnome, manifestando uma paradoxal negativa do existir.

Ainda que sem uma análise mais detalhada dos efeitos de sentido obtidos com esse uso, cabe registrar que despertam a atenção do leitor os versos marcados pela construção insólita de um prefixo des - que significa “ação contrária ou de um estado primitivo ou a cessação de algum estado primitivo” (CUNHA,1997, 249) Paradoxalmente, a existência de um poema e de um nome, além, é claro, do sujeito da enunciação marcados nos pronomes meu, eu e na pessoa do verbo, sou, apontam para um sujeito acontecido. Num dos poemas de Manoel de Barros, já citado, destaca-se a criação do verbo monumentar no qual o enunciador explora o sema de grandiosidade presente no termo para juntá-lo, paradoxalmente, a coisas menores,

miúdas ou de grandezas tidas como opostas (empobreceram / Cristo monumentou a Humildade).

Venho de nobres que empobreceram. Restou-me por fortuna a soberbia. Com essa doença de grandezas: Hei de monumentar insetos!

(Cristo monumentou a Humildade quando beijou os pés dos seus discípulos. (2004, 61)

Em versos moldados por apenas um termo, José Paulo Paes tece uma crítica à sociedade, em seus diversos aspectos, de modo irônico e lúdico (afinal, para ele poesia é brincar com as palavras) apenas justapondo versos de palavras únicas criadas pelo processo de amálgama, fundindo palavras próprias do mundo ideológico e do econômico com outras cujos traços semânticos apontam para juízos de valor.

Seu Metaléxico economiopia desenvolvimentir utopiada consumidoidos patriotários suicidadãos. (1986, 68)

Fusão que, como se observa, reforça ainda que de uma forma lúdica a crítica à sociedade contemporânea. Aqui,

direcionamento do processo enunciativo não se explicita, pois o pronome contido no título mais indica um terceiro que o interlocutor.

Gilberto Mendonça Teles usa de amálgama no poema Falavra para traduzir o processo da criação poética. Assim, o poema é produto de um fazer que nasce do imbricamento da fala, da palavra e da lavra, numa reflexão assumida pelo enunciador pelo uso da primeira pessoa:

Ainda sei da fala e sei da lavra

e sei das pedras nas palavras áspedras. E sei que o leito da linguagem leixa pedregulhos na letra.

É como o logro

da poeira na louça ou como o lixo nos baldios do livro.

Ainda sei da língua e sei da linha do luxo e suas luvas, amaciando os calos e os dedais.

E sei da fala

e do ato de lavrá-la na falavra. (2002, 504)

Em Leminski (1995), no poema O mínimo do máximo, termos formados por justaposição, como em: espaçotempo ávido/ lento espaçadentro, ou por derivação com acréscimo de afixos, como em destempestades, ou por mudança de classe gramatical, como em: vai e vem como coisa/ de ou, de nem, ou de quase, têm uma importância fundamental na constituição do sentido.

O mesmo ocorre em Carlos Drummond de Andrade, no poema Eterno: que discute a modernidade e o desejo de permanência:

Eternalidade eternite eternaltivamente eternuávamos

eternissíssimo

A cada instante se criam novas categorias do eterno. (1988, 257)

explorando todas as possibilidades do termo eterno, desdobrando o adjetivo em outro adjetivo — eternal, cujo sufixo remete à grandiosidade, — e criando o substantivo eternalidade, que adensa o sentido do termo, fazendo com que se estenda e permaneça no substantivo eternite, na circunstância, eternaltivamente, no processo, eternuávamos, acentuado pela supressão do jogo de desdobramento na superlativização, com o auxílio do redobro, do sentido do termo — eternissíssimo.

4. O Processo de Desconstrução

O processo de desconstrução de palavras para delas extrair outras tem-se mostrado muito expressivo. Como no poema de José Paulo Paes, Epitáfio para um banqueiro,

negócio ego ócio cio

em que ao decompor uma palavra encontra outras que, associadas, lhe permitem desenvolver uma crítica irônica e bem-humorada ao individualismo e à sociedade, pois como em ‘seu metaléxico”, o enunciador deixa palavras soltas para que um outro as apanhe e o acompanhe no seu percurso reflexivo.

Também, em Gênero, de Adélia Prado, o enunciador, um eu lírico feminino, utiliza o recurso criando um jogo de grande expressividade por meio do qual transmite uma visão de mundo e de um eu que se coloca diante de um dilema, expresso nos termos barro e oca e também artisticamente pelo barroca: Eu sou de barro e oca. / Eu sou barroca. (1991, 180)

Mesmo sem desconstruir, é frequente o aproveitamento de palavras cujos significantes são partes de outras, como nos versos de Mar, de Vinicius de Moraes:

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