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A COMBINAÇÃO ENTRE OS DOIS LIMITADORES

Conforme vimos até aqui o capitalismo, para prevenir uma redução de sua rentabilidade, deve acumular capital de forma ininterrupta, aumentando sempre a produtividade do trabalho. Isso quer dizer obter mais-valia crescente, o que pressupõe aumentar e revolucionar a produção, conquistando também novos mercados. E neste processo, à medida que o capital se acumula, o desenvolvimento e o funcionamento do sistema vão ficando mais difíceis.

Em outras palavras, à medida que aumenta a capacidade de produção aumenta na produção total a quantidade de capital constante, isto é, que não varia, que não agrega valor. Aumenta o trabalho morto em relação ao trabalho vivo. Esta mudança na composição técnica se reflete na composição de valor. A lei mais famosa explicada em O capital vem à tona: à medida que se acumula e que aumenta a proporção do trabalho morto sobre vivo o capital tende à redução das taxas de lucro – vão matando a galinha dos ovos de ouro.

Trocando em miúdos, o capitalismo desenvolve uma contradição que tem dois aspectos: por um lado a tendência à redução da taxa de lucro; por outro lado sua impossibilidade de aumentar de modo consistente a demanda efetiva.

Para superar esta tendência de redução da taxa de lucro, e pela pressão da concorrência, os capitalistas precisam apostar em mais do mesmo, quer dizer, aumentar a

produtividade, isto é, reduzir o tempo de trabalho necessário. Ocorre que no seu desenvolvimento o capital aumenta sua capacidade de produção – aumenta a composição orgânica do capital – pressionando a taxa de lucro para baixo, ao mesmo tempo em que esbarra na limitada capacidade de demanda efetiva, conduzindo à superprodução de mercadorias. Nesse sentido vale lembrar o que afirmava Marx:

Outra contradição: as épocas em que a produção capitalista emprega todas as suas forças revelam-se, em regra épocas de superprodução, pois as forças de produção nunca podem ser empregadas além do ponto em que, além de se produzir mais valor, é possível realizá-lo; a venda das mercadorias, a realização do capital mercadoria e, portanto, da mais-valia, está, porém, limitada, não pelas próprias necessidades de consumo da sociedade, mas pelas necessidades de consumo de uma sociedade em que a maioria é pobre e está sempre condenada à pobreza (MARX, 1985, p. 359, nota 32).

Se quando se instalasse a crise o capital pudesse aumentar os salários de modo generalizado não teríamos a superprodução. Na mesma nota 32, Marx referia:

Contradição do modo de produção capitalista: os trabalhadores são importantes para o mercado, enquanto compradores de mercadorias. Mas, como vendedores de sua mercadoria, a força de trabalho tem a sociedade capitalista a tendência para rebaixá- los ao menor preço possível (MARX, 1985, p. 359 ).

Sobretudo no momento de crise, o capital não pode, por óbvio, aumentar a demanda com o aumento do valor da força de trabalho, porque no aumento da exploração da força de trabalho está a lucratividade. Sem poder aumentar a demanda, para não comprimir os lucros, seu movimento é como uma fuga para frente realizada com a própria crise, quando capitais são queimados, capitalistas maiores absorvem os menores e o capital se concentra e se centraliza para recomeçar a acumulação num novo patamar. Ou seja, a violenta aniquilação do capital nas crises é a condição para sua autoconservação. Trata-se de um movimento cíclico.

A dívida pública e todos os mecanismos de crédito são fatores fundamentais para manter uma demanda efetiva capaz de garantir a acumulação do capital e adiar a eclosão das crises. Mas quanto mais as crises demoram a aparecer, adiadas por mecanismos de crédito, por exemplo, mais graves elas estouram.

7 A CONTRADIÇÃO ENTRE FORÇAS PRODUTIVAS E RELAÇÕES DE PRODUÇÃO

Em Hegel, os indivíduos devem ser vistos enquanto inseridos em relações. Para Weber, na obra de Hegel “está claro que o indivíduo não pode realizar-se isoladamente. As instâncias mediadoras do universal, que aparecem como “meios para os indivíduos”, são as classes sociais e as corporações” (WEBER, 2009, p.147). E foi de Hegel também o conceito fundamental de sociedade civil, relações sociais onde o social e o econômico estão ligados. Marx partiu destas bases; a partir daí sustentou que para compreender a evolução histórica deveria se estudar, antes de tudo, a existência material da humanidade, a luta que os homens travam com a natureza, para a garantia desta existência: os instrumentos e as técnicas utilizadas na produção, o modo em que produziam e as relações estabelecidas entre eles para produzir. Como veremos, este ponto foi uma de suas diferenças com Hegel, cujo pensamento sustentava que na sociedade burguesa o critério de participação nas classes sociais era político, não econômico, e que os indivíduos tinham liberdade de escolha. (WEBER, 2009). Nas palavras do próprio Hegel (2010, p.201) “a que estamento particular o indivíduo pertence, nisso têm sua influência o natural, o nascimento e as circunstâncias, mas a determinação última e essencial reside na opinião subjetiva e no arbítrio particular...”.

Com Marx, a revolução no pensamento social e na concepção da história foi total. Estava se inaugurando um novo continente do saber: a ciência da História. A teoria de Marx parte da explicação de que os homens atuam em condições determinadas, não escolhidas por eles mesmos, herdadas pelo passado. Foi num longo processo da produção material e do avanço da divisão do trabalho que se configurou a diferenciação da humanidade em grupos sociais em disputa, lutando por seus interesses próprios. Em outras palavras, à medida que progredia a capacidade produtiva material surgiu o excedente econômico, criando assim as bases para que alguns pudessem ser proprietários deste trabalho acumulado e outros não, já que sem excedente todos eram obrigados a trabalhar.

Tal excedente, esta produção extra, numa formação social marcada pela escassez, surge em primeiro lugar do aproveitamento das sementes e da criação da agricultura. A partir da existência do excedente e da escassez ao mesmo tempo estabelece-se a luta pela distribuição deste excedente. Os meios determinantes na satisfação das necessidades já podiam ser convertidos em finalidade não apenas do desejo como da posse. Logo, do avanço da capacidade de trabalho humano se desdobra a divisão do trabalho, a separação do trabalho manual e intelectual, a separação das cidades e do campo e a estratificação social entre os

homens. Das comunidades primitivas, das tribos de caçadores e coletores se passava a sociedade dividida em opressores e oprimidos, explorados e exploradores, castas, estamentos e classes sociais.

A imagem força de abertura do Manifesto comunista, uma das obras mais influentes da literatura universal, forneceu numa poderosa síntese a chave da madura concepção da história de Marx (embora o autor apenas tivesse 29 anos), marcada pelo conflito de interesses de classes antagônicas, pelas contradições de classe.

A história de toda a sociedade até agora tem sido a história da luta de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, membro das corporações e aprendiz, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em contraposição um aos outros e envolvidos em uma luta ininterrupta, ora disfarçada, ora aberta, que terminou sempre com a transformação revolucionária da sociedade ou com o declínio comum das classes em conflito. (MARX, 1997, p.8)

Compreender em sua concepção da história a luta entre as classes foi um dos elementos distintivos fundamentais na sua obra. Ou seja, estabeleceu a existência da contradição, neste caso a contradição entre as classes sociais, como o motor do movimento histórico. Embora outros autores, como os historiadores da Restauração Thierry, Mignet, Guizot, tenham reconhecido a luta entre as classes, enquanto ordenadora do desenvolvimento histórico, não extraíram daí todas as consequências, nem tiveram a profundidade para a apreciação do conjunto das relações sociais derivadas desta conclusão.

Ao mesmo tempo, a obra de Marx apontou como fundamental a existência da contradição entre as forças produtivas e as relações de produção. Estamos, portanto, diante de duas contradições fundamentais e relacionadas. Como se estabelece esta relação? Qual a importância de cada uma delas? O que é mais importante na determinação do desenvolvimento histórico? As forças produtivas ou a luta de classes? Os homens fazem a história? Estas são questões fundamentais. Afinal, estamos trabalhando sobre a obra de um autor que via a possibilidade de superação de um modo de produção determinado a partir do desenvolvimento de suas contradições. Em suas próprias palavras, “o desenvolvimento das contradições de uma forma histórica de produção é o único caminho de sua dissolução e do estabelecimento de uma forma nova” (MARX, 1987, p.553); contradições cujas maiores expressões – que formam o núcleo da obra de Marx – é a existente entre forças produtivas e as relações de produção e entre exploradores e explorados de modo geral e da burguesia com o proletariado em particular. Neste caso, a burguesia e a propriedade privada dos meios de

produção são o positivo, o proletariado e a oposição à propriedade burguesa são os pólos negativos de uma totalidade comum.