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Embora tenha escrito, sobretudo em sua juventude, obras cujo centro foi a filosofia, entre as quais sua tese de doutorado sobre as diferenças entre as filosofias de Demócrito e Epicuro, os estudos que tomaram mais tempo de Marx foram os estudos históricos e econômicos. Ele mesmo explicou a evolução de seu pensamento. Relatou como chegou à conclusão acerca da necessidade de estudar a economia política, esforço a partir do qual atingiu a elaboração de sua principal obra, a qual dedicou 30 anos de trabalho, O capital.

Seus estudos de economia política iniciaram poucos anos antes de escrever o Manifesto Comunista – uma das sínteses mais poderosas de seu pensamento – justamente quando vivenciou seu primeiro conflito de classes. A primeira vez que se encontrou na obrigação de dar uma opinião sobre os chamados interesses materiais foi durante os anos de 1842-43, quando era redator-chefe de um jornal chamado Rheinische Zeitung (Gazeta Renana). Nascido em 1818, não havia completado ainda 25 anos.

O assunto em questão dizia respeito às deliberações do parlamento renano sobre a divisão da propriedade imobiliária. Até então os camponeses gozavam do direito consuetudinário da exploração da madeira como bem público. A nova legislação proibia o aproveitamento comum das madeiras, estabelecendo o direito de propriedade. Vale dizer que madeira significava, nesta época, garantia de aquecimento e de alimentação. O presidente do Estado renano saiu em defesa da nova legislação e da perseguição aos camponeses que insistissem em desrespeitar a propriedade; desde então estariam praticando roubos de lenha. Marx saiu em defesa dos camponeses e comprou a briga. Vendo de frente pela primeira vez o confronto de classes, percebeu, na legislação, dispositivos favoráveis aos proprietários, vendo ruir, na medida em que o Estado estava defendendo o monopólio privado sobre um bem comum, sua própria concepção de Estado deste momento, segundo o qual, seguindo os passos de Hegel, o Estado seria a encarnação do interesse geral.

Quando Marx começou a ter como eixo de sua concepção da história a luta entre as classes, seu passo seguinte, dedicado a esclarecer seus próprios pensamentos, foi debruçar-se sobre a Filosofia do Direito de Hegel. Chegou à conclusão de que as formas do Estado não podem ser entendidas por si mesmas, tampouco pelo que Marx (2003)chamou de dita evolução geral do espírito humano. Teriam que ser entendidas pelas condições materiais de existência de que Hegel, à semelhança dos ingleses e franceses do século XVIII, compreendia o conjunto pela designação de sociedade civil. Definiu assim que a anatomia da sociedade civil deve ser encontrada na economia política e redirecionou neste sentido os seus estudos.

A conclusão fundamental veio em seguida: conceituou que o Estado não era a realização da razão, como pensava Hegel, mas o instrumento de dominação de classes, sendo a existência de uma classe oprimida a condição vital de toda sociedade fundada no antagonismo entre classes. Em seu estudo acerca do capitalismo, concluiu com a definição de que a classe dos capitalistas produzia seus próprios coveiros, a classe operária, filha da grande indústria. Esta posição é um dos pilares básicos do marxismo. A partir deste fato social, concluiu que a classe laboriosa substituiria, no curso do seu desenvolvimento, a antiga sociedade civil por uma associação que excluiria as classes e seu antagonismo, e não haveria mais poder político propriamente dito, já que o poder político é o resumo oficial do antagonismo na sociedade civil.

Abrindo um parêntese, é curioso observar a inspiração do romantismo e do idealismo alemão, mesmo que de modo indireto. O chamado “Programa Sistemático”, um manuscrito curto que ficou conhecido como o mais antigo programa sistemático do idealismo alemão (escrito em 1796 não se sabe se por Hegel, Schelling, ou Hordelin) trazia claramente:

Com a Ideia de humanidade à frente, quero mostrar que não há nenhuma Ideia do Estado, porque o Estado é algo mecânico, assim como não há Ideia de uma máquina. Somente o que é objeto da liberdade se chama Ideia. Temos, pois, de ultrapassar o Estado! – Pois todo Estado tem de tratar homens livres como engrenagens mecânicas; e isso ele não deve fazer: portanto, deve cessar. (SCHELLING, 1980, p.42)

É claro que a concepção de Estado em Marx foi uma superação de todos os pensadores do idealismo. Nenhum deles adotou uma concepção de Estado como defensor dos interesses de classe. Nem tampouco refletiam os desdobramentos provocados no Estado pelos processos econômicos de produção. Para Marx, a substituição do poder do Estado pela associação de homens livres, para viabilizar-se, teria que vir precedida não apenas de uma poderosa luta de classes, onde os trabalhadores ganhariam consciência de seus interesses históricos, mas também de um desenvolvimento da capacidade produtiva humana, que permitisse a superação da escassez, com a inauguração de uma produção abundante que permitisse a cada um contribuir com a sociedade de acordo com sua capacidade e recebesse da sociedade de acordo com suas necessidades. Este foi o ponto em que Marx definiu o caráter progressista do capitalismo, à medida que o capitalismo revoluciona constantemente as forças produtivas e aumenta a produtividade do trabalho, garantindo, assim, as condições materiais para a socialização da produção e o fim da exploração de classe.

Marx (Engels chegou a mesma conclusão por outras vias, pela experiência concreta no movimento operário inglês e na administração da fábrica de seu pai) se convenceu então de que para compreender as bases da evolução histórica devia estudar antes de tudo a existência material da humanidade, a economia política. Daí em diante, até o final da vida, este foi o centro das suas elaborações científicas.