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Combinação versus Contextualização

2. O paradigma narrativo: uma revolução cognitiva revitalizada

2.2 Produção de Significado versus Processamento de Informação

2.2.1 Combinação versus Contextualização

Os cognitivistas encaram a linguagem como um sistema combinatório regido por regras gramaticais. Segundo Pinker (1997, p. 118)

A habilidade de uma representação ser construída através de partes, e de ter um significado que venha do significado das partes, e da maneira como elas são combinadas[...]Composição é a propriedade quintessencial de todas as linguagens humanas[...] O significado de O bebê comeu a lesma pode ser calculado do significado

de bebê, comeu, e lesma e de suas posições na frase. O todo não é a soma das partes:

quando as palavras são rearranjadas em a lesma comeu o bebê, uma idéia diferente é transmitida32.

O que subjaz esta concepção de linguagem é a idéia analítica (no sentido atomístico deste termo) de que o significado das linguagens é determinado pelo significado das sentenças e estas, por sua vez, derivam seus significados dos significados das palavras que as compõem. O significado seria alcançado tão logo se descobrisse a forma como a informação é processada. Em outras palavras: a semântica está subordinada à sintaxe.

Depois de afirmar que “nossas idéias complexas são construídas a partir de idéias simples, e o significado do todo é determinado pelos significados das partes, assim como pelas relações que os conectam”33. (PINKER, 1997, p. 564) Pinker faz uma ressalva ao escopo de sua escola:

Embora o aspecto combinatório do significado tenha sido descoberto (como idéias se combinam em significados de sentenças ou proposições), o cerne do significado – o simples ato de se referir a algo – permanece um enigma, pois ele soa estranhamente separado de qualquer conexão causal entre a coisa referida e a pessoa que se refere...

nossa consumada perplexidade acerca dos enigmas da consciência, do self, da vontade e do conhecimento podem vir de um descompasso entre a própria natureza destes problemas e o aparato computacional que nos foi concedido pela seleção natural.

(PINKER, 1997, p.564-5)34.

Após restringir a mente a um mecanismo de computação e a linguagem a um processo combinatório de elaboração de informação, Pinker se admira da limitação deste aparato que ‘nos foi concedido pela seleção natural’ em lidar com as questões

32 No original “The ability of a representation to be built out of parts and to have a meaning that comes from the meanings of the parts and from the way they are combined […] Compositionality is the quintessential property of all human languages[…]The meaning of The baby ate the slug can be calculated from the meanings of baby, ate, the, and, slug and from their positions in the sentence. The whole is not the sum of the parts: when the words are rearranged into the slug ate the baby, a different idea is conveyed”.

33

i

No original “our complicated ideas are built out of simple ones and the meaning of the whole is determined by the meanings of the parts and of the relations that connects them”.

34 No original “Although the combinatorial aspect of meaning has been worked out (how ideas combine into the meanings of sentences or propositions, the core of meaning – the simple act of referring to something – remains a puzzle, because it sounds strangely apart from any causal connection between the thing referred and the person referring…our thoroughgoing perplexity about the enigmas of consciousness, self, will, and knowledge may come from a mismatch between the very nature of these problems and the computational apparatus that natural selection has filled us with”.

cruciais do significado. Ao proceder assim parece cometer o mesmo erro da cozinheira que assa todos os bolos em fôrmas redondas e depois se admira ante a limitação da natureza dos bolos que só os possibilita saírem redondos.

Como construcionistas que são, os psicólogos narrativistas estão em guarda contra o erro de confundir aquilo que se encontra na realidade com aquilo que lá colocamos ao tentar captá-la. Com isto em mente e com o objetivo de resgatar o significado do limbo ao qual o cognitivismo o relegou, a psicologia narrativa parte de outra concepção de linguagem.

A linguagem não é mais vista de forma analítica, atomística, mas sim de forma holística. É a partir das estruturas lingüísticas mais abrangentes que as estruturas menos abrangentes extraem seu significado. As palavras não são vistas como as unidades mínimas de significação. A compreensão das palavras passa a ser vista como dependente da compreensão das sentenças. As sentenças, por sua vez, extraem seu significado do discurso ao qual pertencem. Qualquer que seja a forma que este discurso assuma, é apenas fazendo referência ao seu contexto que se chega à compreensão do significado que ele encerra. Os psicólogos narrativistas encaram a linguagem como um instrumento cultural, e como tal seu significado deve ser buscado na forma como é culturalmente usado.

O significado, de acordo com a visão cognitivista da linguagem, é um tipo de informação. O significado do dicionário, o significado atribuído a um bit de informação antes de este ser inserido no sistema de computação, o significado captado ao se decodificar a maneira como uma sentença (informação) se relaciona com outra dentro de um mesmo sistema.

Os psicólogos narrativistas compreendem o termo ‘significado’ de forma bastante diversa35. Determinado culturalmente pelo uso da linguagem em contextos sociais, esse tipo de significado é inacessível a partir de uma visão computacional da linguagem.

Impenetrável tanto à inferência como à indução eles resistem a procedimentos lógicos para estabelecer o que eles significam. Eles devem, como nós dizemos, ser interpretados. Leia três das peças de Ibsen: O Pato Selvagem, Casa de bonecas e Hedda Gabler. Não há como chegar logicamente às suas ‘condições de verdade’. Elas não podem ser decompostas em um conjunto de proposições atomísticas que permitiriam a 35 “O tipo de significado interpretativo que estamos considerando, é metafórico, alusivo, muito sensível ao contexto. Mesmo assim, eles cunham a cultura e as narrativas de sua psicologia popular. O significado, neste sentido, difere fundamentalmente do que os filósofos na tradição dominante anglo-americana quiseram dizer com meaning. (BRUNER, 1997, p.58)

aplicação de operações lógicas. Nem podem suas essências ser extraídas sem ambigüidade”. (BRUNER, 1997, p. 57)