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Uso combinado desses quadros metodológicos se exprime a partir do entendimento que as tecnologias de abastecimento foram concebidas com uma visão de apropriação coletiva baseada no “diálogo Freiriano”. Onde a interação social permite conhecer a realidade vivenciada pela família extrativista, para transformá-la e melhorá-la, mediante a descoberta conjunta de novos conhecimentos que levem a novas práticas (MCM, 2014).

O Plano de Trabalho do Sanear trouxe como uma das premissas metodológicas a autonomia. Segundo o documento, esse preceito leva a população extrativista à facilitação de processos coletivos, o estabelecimento de prioridades e ações, bem como a possibilidade de identificar problemas do grupo. Independentemente do tipo de sistema fornecido (coletivo ou autônomo), a viabilidade no fornecimento de água está atrelada à autonomia, na pedagogia da participação social e na interação comunitária.

O conceito de autonomia se alinhada à auto-organização, auto-regulação. Apesar de óticas diferentes (DAVIS; WACKER,1987; SUSMAN, 1987), sua definição foi utilizada para descrever auto-regulação e autocontrole (HACKMAN, 1986). Posteriormente, Cooney (2004) também incluiu sua abordagem sinonímica referente a empoderamento, utilizada para discutir como membros da uma equipe interpretam e autogereciam suas funções.

A autonomia é intrínseca a todo sistema viável. Segundo Beer, seu princípio tá no cerne dos sistemas viáveis (BEER, 1973), sendo encarada como uma condição por Schwaninger (2009) “um sistema viável é capaz de uma existência independente e que lhe garanta autonomia”.

O estimulo à participação das famílias no desenvolvimento do projeto é a vertente metodológica voltada para à governança. Sobre isso os estudos de Ostrom estão imbricados à governança local, ou seja, à capacidade de grupos comunitários se organizarem para gerir seus recursos por meio de condições institucionais que tornem esses recursos mais efetivos, eficientes e estáveis ao longo do tempo, evitando, dessa maneira, seu colapso (MCGINNIS, 2011; BEVIR, 2010).

A VSM encoraja uma determinação coletiva das identidades e objetivos e assim capacita o envolvimento de nível mais baixo de ação (LEONARD, 2006). Consequentemente, reconhece a importância do envolvimento das partes

interessadas. O rico trabalho de Walker (2017) descreveu uma série de intervenções que usaram os princípios do VSM na melhoria da governança local.

Enfatiza-se que o sucesso do abastecimento, nesse caso, não dependente apenas da responsabilidade do morador. A tomada de decisão é multifatorial, uma vez que questões sociais, culturais, econômicas, estruturais e de governança refletem diretamente na forma de apropriação dos dispositivos pelos moradores.

Para guiar o uso combinado desses referenciais metodológicos é importante descrever as sinergias entre os princípios de auto-organização na IAD e a natureza de auto-organização embebida no VSM. Ostrom fixou a necessidade de autonomia no estabelecimento de regras vinculativas no ambiente de uso coletivo. Em todos os regimes de governança de recursos auto-organizados conhecidos que sobreviveram por várias gerações, os participantes investem recursos no monitoramento e punir as ações do outro, de modo a reduzir a probabilidade de parasitismo (OSTROM, 1990). O desdobramento da complexidade em um ambiente coletivo é, de modo geral, o resultado de processos locais de auto-organização (ESPEJO, 2003).

Dessa forma, esse conjunto metodológico se complementou e aperfeiçoou a análise, pois enquanto o IAD Framework auxiliou a visualização das variáveis dependentes, por serem pressupostos implícitos sobre as regras utilizadas pelos participantes, no ordenamento das relações dentro da arena de ação, o VSM possibilitou o diagnóstico da estrutura organizacional, a partir dos princípios de auto- organização e gerenciamento de complexidade, tão presentes na análise de Ostrom.

Outro ponto de congruência entre seus princípios são os níveis de atuação. Segundo Auer (2006) o Framework está, em parte, ligado à sua aptidão para a análise de microescala e por sua clareza operacional, ou seja, permite a exame das partes para se entender o sistema como um todo de forma coerente e lógico. Essa característica se alinha ao detalhamento dos níveis recursivos expressos no VSM.

O fatiamento da estrutura de análise, com o detalhamento de multicamadas usado por Elinor muito se assemelha com os propósitos do desmembramento da complexidade do VSM. Em “Undertandind Institutional Diversity” (OSTROM, 2005), ela buscou entender a existência de “estruturascs por trás de estruturas”. Seu entendimento foi que problemas complexos exigem soluções e explicações complexas.

Na busca dessa explicações complexas recorreu a sistemas adaptativos formados por subconjuntos organizados em unidades, chamados de “Hólon”, que são

qualquer sub-todo estável em uma hierarquia orgânica ou organizacional, que exiba comportamento governado por regras. As unidades têm subunidades e são, elas próprias, partes de unidades maiores que se encaixam como um padrão (ALEXANDER, 1964 apud OSTROM, 2005).

Assim, as muitas variáveis relevantes, o imenso número de combinações dessas variáveis e sua organização em múltiplos níveis de análise tornam a compreensão da vida social organizada em um empreendimento científico analítico. Essa característica procura decompor a complexidade em seus componentes mais simples (LARA, 2015).

“Assim, as diversas variáveis relevantes, o imenso número de combinações dessas variáveis, e sua organização em múltiplos níveis de análise tornam a compreensão da vida social organizada” (OSTROM, 2005). O entendimento dos atributos das comunidades, como o modo de vida dos atores sociais, o contexto cultural e social, suas correlações e reflexos na forma de apropriação da tecnologia, foi indispensável para o reconhecimento do desenho e análise da arena de ação, bem como os desencadeamentos de como o arranjo organizacional do Sanear lida com toda a complexidade em seu ambiente.

Na perspectiva das interrelações entre essas variáveis, a compreensão dos diversos níveis de complexidade imbricados à gestão do sistema, os comportamentos humano e social, estratégia organizacional e suas interconexões com a dimensão local, apontam que essa combinação é satisfatória para a análise.

A articulação entre as linhas metodológicas se mostrou uma maneira de unir os pontos fortes, de cada ferramenta de análise, no gerenciamento das complexidades, a partir dos princípios da auto-organização em sistemas sociais. A combinação propiciou um contorno metodológico estruturado e elucidador, que auxiliou o entendimento da governança local, a identificação de patologias organizacionais e obstáculos à gestão que possam intervir na sua viabilidade do sistema.

3.5 Caracterização das áreas de estudo, procedimentos metodológicos, técnicas