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3.2 DO CANTO DE SEREIA AO PRESENTE DE GREGO: a prática de responsabilidade

3.2.3 COMEFC: estratégias de cooptação

Outro elemento que ratifica a presença de impactos negativos da empresa nos municípios do Maranhão se deu em 2011, quando 23 municípios diretamente afetados pela empresa cortados pela Estrada de Ferro Carajás criaram o Consórcio dos Municípios da Estrada de Ferro Carajás (COMEFC), cujo objetivo central seria fazer a Vale reparar, via indenização, danos ambientais e sociais causados pela empresa. Nesse âmbito, o dinheiro seria revestido em benfeitorias para os afetados pela Vale.

O COMEFC ganhou espaço a partir de audiências públicas realizadas nos municípios atravessados pela Estrada de Ferro Carajás. Municípios como Bom Jesus das Selvas e Açailândia fazem parte do consórcio que é presidido pela prefeita de Bom Jesus das Selvas, Cristiane Damião. Entretanto observa-se, recentemente, que de início o COMEFC contestava as ações da Vale, nos dias atuais, aparece como parceiro das atividades desenvolvidas pela empresa.

Nesse sentido abordamos iniciativas em que o COMEFC aparece apoiando a Fundação Vale, como é o caso do pacto assinado entre Vale, o Comitê Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente e o COMEFC, que pretende enfrentar a violência contra crianças e adolescentes no Maranhão.

A imagem da Presidenta do COMEFC também Prefeita de Bom Jesus das Selvas, na imagem 3 está situada à direita é recorrentemente atrelada ás ações sociais da empresa

Imagem 3 - Encontro de parceiros

Fonte: Vale, 2014b

O município de Bom Jesus das Selvas foi contemplado, em 2014, com a doação de uma ambulância realizada pela Vale. Segundo noticia vinculada no site da entidade, “A sensibilização da empresa em doar um equipamento de tanta importância nos deixa muito feliz, afirmou a prefeita” (COMEFC, 2014). Percebe-se no discurso do COMEFC a aceitação da neofilantropia da RSE da Vale.

Em entrevista realizada com o Secretário de Educação do município de Bom Jesus das Selvas, Edvam Barros revelou que qualquer projeto social que a secretaria solicitasse da Fundação Vale, deveria ser primeiro submetido ao COMEFC

Hoje há uma nova realidade, por que a nossa prefeita é a presidente do COMEFC, então toda e qualquer questão a ser pedida à Vale tem que ser pedida via COMEFC. Por exemplo, nos tínhamos um projeto aqui chamado EJA-PRO, terminou ano passado, teve duração de três anos e aí fomos pedir novamente. Aí tudo é via consórcio, pelo menos, prá esse nós pedimos à Fundação Vale, eles mandaram uma resposta que deveria ser solicitado via COMEFC, a Prefeita deveria pedir via COMEFC (Edvam Barros, entrevista em 07/10/2014).

Portanto, partimos da constatação de que a empresa se utiliza de vários expedientes que atuam no encobrimento dos efeitos de seu desenvolvimento, assim como atua na despolitização dos agentes da comunidade. Para tanto, a empresa se aproveita das ações sociais denominadas responsabilidade social investindo maciçamente em marketing empresarial.

Sobre a despolitização das comunidades verifica-se através de Santos, M. (2013, p. 67) que essa é uma ação “política da empresa que equivale à decretação da morte da política”. Para este autor, a política por definição supõe uma visão de conjunto, não da forma como as empresas dirigem suas ações sociais, selecionando o público alvo e excluindo outros.

3. 2. 4 Relatório e Balanço Social da Vale

Outra discussão que não pode ser deixada de lado refere-se ao modo de transparência dos lucros e supostos investimentos em áreas de recuperação ambiental e projetos sociais divulgados pela Vale. A empresa anuncia anualmente um Balanço Social de sua atividades, entretanto, esses relatórios divulgados não recebe fiscalização do Estado sobre os valores divulgados, nem obrigatoriedade por parte do Estado de aprovar seu Balanço Social da empresa (REIS & MEDEIROS, 2007).

A Vale divulgou que obteve, em 2013, o equivalente a US$ 4,5 bilhões distribuídos entre seus acionistas e que os recursos aplicados na área socioambiental chegaram a aproximadamente US$ 1,3 bilhão, com quase 79% destinados a iniciativas ambientais e 21%, a ações sociais (VALE, 2014a), conforme a figura 5.

Figura 5: demonstrativo de investimentos sociais.

Entretanto, a empresa não divulga que parte dos investimentos em ações sociais são obtidos por meio de parcerias, captação de recursos do Estado e trabalho voluntariado. Ademais, esses 1,3 bilhão são pulverizados a todas as partes do mundo onde a Vale atua.

Muitos dos recursos que a Vale investe em projetos sociais de responsabilidade social provêm de recursos destinados do setor público, ou na forma de captação de recurso estatal, como por exemplo, no seu projeto Estação Conhecimento, no município de Arari. A Vale se beneficia da lei do incentivo ao Esporte que garante isenção de 1% do Imposto de Renda da pessoa jurídica da empresa e 6% dos empregados. A Fundação Vale faz a captação do recurso via Ministério do Esporte e canaliza para esse projeto na forma de leis de incentivos fiscais.

O Estado é o primeiro a reconhecer essas organizações como aporte de investimentos, recursos, emprego e prosperidade, quando se sabe que predominantemente, o que elas dizem gastar com o social não equivale a milésimos do que usufruem na relação com o Estado (isenção e sonegação de impostos, água e energia barata, entrada e incentivo a exportação) se se considera o exército de reserva de mão de obra a sua disposição, especialmente no Nordeste, para onde tem deslocado, pelas benesses dos Estados e o aval da miséria em que vivem os trabalhadores (MONTAÑO, 2008, p. 222).

Mas, em sua propaganda, aparecem apenas os valores dispensados pela Vale à Fundação. Segundo o Relatório da Vale (VALE, 2014a, p. 54), “em 2013, a diferença entre o valor doado pela Vale para sua Fundação foi de US$ 35,9 milhões, e o total aplicado pela Fundação Vale, de US$ 26,9 milhões, resultou em formação de caixa pela Fundação Vale de US$ 9 milhões”.

Tais informações são divulgadas por meio de um Balanço Social que funciona como uma forma de controle social do mercado que visaria buscar expor as formas como a empresa trata seus stakeholders, mas, de fato, a divulgação desse documento serve para pintar a imagem desejada pela empresa de ética para com o meio ambiente e responsável socialmente. O Balanço Social da Vale funciona como uma estratégia de omitir informações sobre seu desenvolvimento econômico, escamoteando a realidade dos impactos gerados pela mineradora. Estrategicamente, as informações dos valores auferidos pela empresa são organizadas de modo a induzir pessoas a acreditarem que a empresa investe em ações sociais, quando, o que ocorre é que os valores auferidos “concentram-se em um setor financeiro do mercado e pelas mineradoras, enquanto que os danos são distribuídos para os trabalhadores rurais, pequenos agricultores, quilombolas e indígenas” (COELHO, 2014, p. 70).