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PARTE II Ŕ O CASO DOS RELATOS DE TAINE SOBRE A GRÃ-BRETANHA

2. Hippolyte Taine

2.3. A Metodologia

2.3.1. Comentário de Rae à Metodologia de Taine

No segundo capítulo da introdução a Notes on England, ŖAn Outline of his Method of Criticismŗ (pp. xxx-liii), W. F. Rae tece algumas considerações relativamente à metodologia de Taine que importa analisar.

Da perspectiva de Rae, um crítico é alguém que, depois de ter estudado uma determinada matéria, passa a estar qualificado para dar uma opinião relativamente à forma como essa matéria foi abordada por um dado autor, pintor, arquitecto, orador, etc.. O crítico pode fundamentar a sua opinião num modelo prévio ou nas suas próprias

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67 regras para fazer um juízo independente. Em qualquer dos casos, a crítica resulta de uma reflexão, de uma opinião arbitrária e de nada mais (xxx). Esperar que esse resultado seja universal e implicitamente aceite como uma demonstração de autoridade, como acontece com as ciências exactas, é algo que nenhum outro crítico, além de Taine, ousou fazer (xxx).

De facto, Taine acredita na possibilidade de se retirar toda a ambiguidade de todos os juízos críticos, seguindo um método preciso. Sendo o Homem um agente inconsciente da manifestação de forças invisíveis, torna-se possível, da perspectiva taineana, que tais forças, embora não possam ser contidas, sejam mensuráveis, e embora não possam ser controladas directamente, sejam classificadas. Através de uma avaliação e determinação da sua natureza e do efeito que produzem, Taine considera possível explicar por que razão um autor, um artista ou um arquitecto produz um determinado livro, pintura ou edifício. A resposta encontra-se no facto de aqueles se inserirem numa determinada época, caracterizada por um certo modelo literário, artístico ou arquitectónico, na história mental das gerações passadas e no modo como estas se apresentaram, através da escrita ou dos feitos dos indivíduos (xxxi). O próprio Taine admite a dissimilitude entre os factos que permitem reunir os elementos em agrupamentos próprios:

The facts are so dissimilar that at first sight they are pronounced to be what they appear, that is to say, isolated and separated. But the facts communicate between themselves by the definitions of the groups in which they are comprised. (Notes on England xxxvii)

Segundo Rae, este método pode ser comparado à relação de diferença existente entre, por um lado, um botânico e um zoólogo e, por outro, um crítico e um historiador. O botânico não tem preconceitos de natureza pessoal ou cultural que funcionem a favor das suas observações; e o zoólogo pode preferir um animal em detrimento de outro, mas isso não interfere na forma como os descreve e classifica. Quando um francês examina uma flor ou disseca um morcego, pouco lhe importam as origens da flor ou do morcego, mas, quando tem de lidar com um escritor ou um artista de uma nação estrangeira, não esquecerá, em qualquer circunstância, que é francês, nem que o artista ou o autor são estrangeiros. De forma intencional ou inconsciente, o francês avalia a eloquência, o estilo, a dicção, o talento e as obras de um estrangeiro, consoante o modelo francês e a partir do ponto de vista francês (xlviii).

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68 Rae continua, afirmando que nenhum estrangeiro descreveu tão bem a Inglaterra e os ingleses como Taine. Embora o resultado do seu trabalho seja admirado, ainda assim é alvo de uma crítica recorrente: a de que se trata da visão de um francês. A língua constitui a expressão viva da interioridade de uma nação e, ao mesmo tempo, um livro fechado para um estrangeiro, pois as palavras são temperadas de forma que só um nativo é capaz de lhes detectar o sentido e as apreciar. Não obstante o domínio de Taine da língua inglesa, a sua capacidade de apreciar plenamente Thackeray ou Hawthorne afigura-se duvidosa (xlix).

Na verdade, Taine percepciona a arte de uma perspectiva puramente francesa, analisando-a de acordo com os cânones franceses, o que, aliás, é compreensível. Todavia, custa a entender que ele queira dar conta dos Ŗpsychological statesŗ, das Ŗdependenciesŗ e das Ŗconditionsŗ que afectam as produções literárias, artísticas e históricas, sobretudo se começa com um conjunto de conclusões de carácter pessoal e cultural que não constituem juízos universais (li). Rae sumariza, assim, a sua frustração ao concluir que o método taineano fica aquém das expectativas: ŖAfter examining the results of M. Taine's method, as applied by him to men of note in the world of art and letters, I do not find that these are so conclusive as to reflect glory upon the method itselfŗ (li).

De acordo com Rae, Taine acredita que uma causa é um facto, quando, na verdade, se trata apenas de uma figura de estilo. Taine defende que se pode encontrar um facto de tal ordem que, a partir dele, se pode deduzir a natureza, as relações e as alterações de outros factos, sendo o facto dominante e generativo a causa desses outros factos. As relações de causa e efeito não são mais do que sequências, pois tudo o que se sabe é que um consiste na continuação do outro, pelo que afirmar que um é a causa do outro constitui apenas outra forma de expressar esta continuidade. Taine reconhece Ŗdependenciesŗ e Ŗconditionsŗ onde existem apenas sequências e manifestações, descortinando leis onde há apenas explicações (liii).

Apesar de tudo, Rae reconhece partilhar de um ponto em comum com Taine: ŖWith him I agree in thinking that the result of a closer observation and more careful estimate of facts will be to render both criticism and history more exact and trustworthyŗ (liii).

Terminado o esclarecimento das teorias que se encontram na base de Notes sur l’Angleterre, passar-se-á, em seguida, à análise do relato de viagens e da respectiva

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69 tradução, que, em virtude dos constrangimentos sistémicos, se afigurará da maior relevância para a compreensão dos contornos relativos à sua produção, bem como das relações que os textos estabelecem entre si.