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A entrevistada se posiciona claramente quanto à sua opinião no que se refere às correntes feministas americanas e francesas. Por atuar na França e trabalhar com a corrente feminista francesa, ela não demonstra grande satisfação com o fato de o feminismo no Irã ser muito mais guiado pela corrente americana do que pela francesa. Esses comentários estão inseridos durante o seu relato no texto-fonte sobre a luta feminista no Irã.

Em alguns momentos, tais comentários podem se sobressair na contextualização históricae social do feminismo no Irã; talvez não para os leitores do texto-fonte, escrito para brasileiros, mas certamente para leitores do texto-alvo, escrito para intelectuais das mais diversas culturas proficientes na língua inglesa e, principalmente, para os norte-americanos. A proposta, como já mencionada, não é de apagar a opinião de Azadeh, mas de suavizá-la procurando a diplomacia, com o fim de que tais comentários não desviem a atenção dos leitores em relação à proposta principal do projeto, podendo assim, demonstrar interação acadêmica do feminismo brasileiro com outros contextos, nesse caso, o contexto feminista do Irã.

O primeiro exemplo que segue, e provavelmente o mais perceptível nesse sentido, traz à tona o desagrado da entrevistada quanto a uma questão particular da conduta das feministas americanas ao conceituarem o feminismo da França.

Texto-fonte: Texto-alvo: O que é publicado no Irã como

literatura feminista é o que vem dos Estados Unidos. Um pouco também da Inglaterra, mas, sobretudo dos Estados Unidos. E assim elas reproduzem os erros das americanas, por exemplo, retomando o que estas chamam de "french feminism” e que, como você sabe, na França não é absolutamente considerado como feminismo.

Everything published as feminist literature in Iran comes from the USA. There is also a little bit from England, but mainly from the USA. They, like the Americans, reproduce the use of the term ‘French Feminism’, a term which is not taken as feminism in France at all.

Tabela 7 Os comentários de Azadeh – 1

Como se pode perceber, a crítica de Azadeh é um tanto intensa no original. A proposta de amenizar muito a crítica também pode ser perigosa, pois, mais do que as palavras, lida-se com o discurso de Azadeh, que é um dos fatores que mais devem ser levados em consideração nessa tradução.

Existem dois momentos em que a entrevistada critica o uso do “french feminism”: um é quando ela menciona que as iranianas “reproduzem os erros das americanas” e outro é quando ela diz que “na França não é absolutamente considerado como feminismo”. Para manter o senso crítico, porém mais suavizado, optei apenas por omitir “os erros das americanas”, o que seria provavelmente o mais forte dos comentários, mas mantive o uso do verbo “reproduzir” e também a frase final onde ela enfatiza que isso não é mesmo considerado feminismo na França para que ficasse registrada a opinião de Azadeh.

O segundo problema desse fragmento está relacionado ao momento em que Azadeh diz à entrevistadora “como você sabe”, ainda se referindo ao uso do termo “french feminism” pelas americanas. Nesse caso, a opção foi também de omitir esse momento para que não houvesse uma cumplicidade entre elas contra as americanas, ao menos no texto traduzido. Essa decisão foi tomada para que não parecesse, em momento algum, que o feminismo brasileiro é um discípulo exclusivo do feminismo francês, e realmente não é, pois essa tradução tem como intenção a propagação de produções brasileiras nos Estados Unidos.

Existem alguns outros momentos em que Azadeh demonstra esse descontentamento com o fato de o feminismo no Irã ser fortemente influenciado pela corrente americana. Para a maioria das feministas

americanas, ao contrário do que Azadeh pensa, isso não é uma desvantagem; as autoras norte-americanas devem se sentir orgulhosas por terem diversas de suas obras utilizadas por um país de terceiro mundo com um contexto cultural um tanto diferenciado do americano. Por isso, é importante que elas percebam que há críticas negativas quanto ao seu trabalho, mas, seguindo essa proposta de tradução, que as percebam, mas que essas não cheguem a um ponto ofensivo nem predominante para os leitores do texto-alvo.

Texto-fonte: Texto-alvo: Porque no Irã se tem realmente

uma importação do feminismo norte-americano. Elas procuram compreender a teoria americana, traduzem artigos de feministas americanas e publicam iranianas que estão nos Estados Unidos, que dialogam com essa literatura e que reproduzem o mesmo caminho.

In fact, feminism is imported from North America; they study American theory, they translate articles from American feminists and publish articles from Iranians feminists who are in the USA. They interact with this literature and they produce their work along the same path.

Tabela 8 O s comentários de Azadeh – 2

Nesse recorte existem duas críticas negativas trazidas pela entrevistada. Primeiramente, o uso do termo “reproduzem o mesmo caminho” no que se refere ao trabalho das feministas iranianas. Azadeh, numa mesma frase, usa duas vezes a ideia que as iranianas estão copiando das americanas. Novamente, o conceito de Azadeh não foi apagado quando a tradução utiliza-se de “along the same path”, mas suaviza-se a crítica de forma a substituir o termo “reproduzem” para “produce”. A segunda crítica é quando ela faz a afirmação sobre as iranianas, no sentido de que elas “procuram compreender a teoria americana” e assim dialogar com ela. A decisão, nesse caso, foi a de trazer um pouco mais de seriedade para essa atividade, tentando desmerecer menos (ou nada, talvez) essa prática das feministas iranianas e da teoria americana, utilizando “they study American

theory”.

No recorte a seguir, Azadeh lastima a falta de diálogo que existe entre as feministas iranianas e as ocidentais, devido à dificuldade das primeiras em se deslocarem para países estrangeiros, bem como a recusa das segundas em irem ao Irã devido, principalmente, à obrigatoriedade em portar o véu enquanto mulheres:

Texto-fonte: Texto-alvo: Eu, por exemplo, recebi o pedido

de feministas iranianas que queriam convidar intelectuais francesas, feministas francesas e americanas. E eu respondi que sentia muito, mas que elas não iriam, elas não aceitariam colocar o véu.

I have received, for instance, a request from Iranian feminists who wanted to invite French intellectuals and American and French feminists. I said that I was very sorry but they probably would not go, they would not accept such demand as wearing a veil.

Tabela 9 Os comentários de Azadeh - 3

Nesse caso, a suavização foi no sentido de que, no texto-fonte, Azadeh afirma com uma certeza maior que as ocidentais dos países em questão não iriam ao Irã dialogar. Durante o ato tradutório, a preocupação apareceu no momento em que esse texto pode ser lido por alguma ocidental que não pensa exatamente assim, afinal, o comentário em português está generalizado para todas como um grupo único. Ao fazer parte de uma língua de ampla circulação como o inglês e passar por mãos ocidentais, esse grande grupo ocidental é constituído por indivíduos que podem ou não pensar e agir da maneira como afirmada por Azadeh no texto-fonte. Na busca por umtexto o mais diplomático possível, a solução foi apenas o acréscimo do termo “probably”, afirmando que elas provavelmente não iriam, procurando uma generalização menor.