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4. DISCUSSÃO

4.5. Comentários gerais

A influência do gênero na história natural das cardiopatias em humanos é matéria que recebe considerável atenção, incluindo-se na temática estudos epidemiológicos, manifestações clínicas e laboratoriais, implicações terapêuticas e de prognóstico. As análises focalizam o remodelamento miocárdico (SOLOMON et al, 2004), a Insuficiência Cardíaca (ADAMS et al, 1999; SIMON et al, 2001; TSANG et al, 2003; FRAZIER et al, 2007), a Insuficiência Coronária (WENGER, 2002; MILCENT et al, 2007), as cardiomiopatias primárias (COCCO & CHU, 2007; LEE et al, 2007; OLIVOTTO et al, 2005), as valvopatias (BURSI et al, 2005), as intervenções terapêuticas farmacológicas (GOTTLIEB et al, 2000; RATHORE et al, 2005) e intervencionistas (HIRAKAWA et al, 2007; MILCENT et al, 2007). Quando a matéria é focalizada em humanos (KARLSON et al, 1994; SIMONE et al, 1995; VACCARINO et al, 1995; ADAMS Jr et al, 1999; VACCARINO et al, 1999; BORZAK & WEAVER, 2000; GOTTLIEB et al, 2000; SIMON et al, 2001; TSANG et al, 2002; WENGER, 2002; TSANG et al, 2003; SOLOMON et al, 2004; BURSI et al, 2005; RATHORE et al, 2005; GOLD & KRUMHOLZ, 2006; REDBERG, 2006; HIRAKAWA et al, 2007; MILCENT et al, 2007; MORTENSEN et al, 2007; REGITZ-ZAGROSEK et al, 2007), os hormônios (YLIKORKALA et al, 2006; ANDERSON & PEPINE, 2007), o estilo de vida (FRAZIER et al, 2007), a faixa etária de incidência da doença (KARLSON et al, 1994; TSANG et al, 2002; TSANG et al, 2003), as particularidades psicológicas (MORTENSEN et al, 2007), as comorbidades (MEHTA & COWIE, 2006; REGITZ- ZAGROSEK et al, 2007) e aparentes diferenças na abordagem médica (VACCARINO et al, 1999; RATHORE et al, 2005; GOLD & KRUMHOLZ, 2006) são apontados como possíveis fatores capazes de conferir peculiaridades de comportamento das patologias identificadas entre gêneros.

Considerando-se o conjunto mencionado, e o fato de a maioria destes aspectos ainda não terem sido completamente esclarecidos, é compreensível a existência atual de grande complexidade na temática.

Quando a matéria é abordada experimentalmente restringe-se o horizonte que é considerado. Os roedores constituem as espécies animais mais utilizadas nas análises, particularmente o rato, as etiologias das cardiopatias são mais restritas, resumindo-se à cardiopatia hipertensiva (DOUGLAS et al, 1998; WALLEN et al, 2000; GARDNER et al, 2002; JAIN et al, 2002; SAEEDI et al, 2006), Infarto do

Miocárdio (LITWIN et al, 1999; SMITH et al, 2000;CAVASIN et al, 2003; CAVASIN et

al, 2004) e cardiomiopatias primárias (OLSSON et al, 2001). Além disto, as preocupações principais dos trabalhos focalizam apenas o remodelamento miocárdico (LITWIN et al, 1999; HÜGEL et al, 1999; SMITH et al, 2000) e a Insuficiência Cardíaca (TAMURA et al, 1999). A influência hormonal é analisada, dominantemente, como fator determinante das diferenças entre machos e fêmeas.

O modelo experimental utilizado neste trabalho reproduz o quadro de remodelamento miocárdico acompanhado de Insuficiência Cardíaca (IC) da patologia dos humanos. Embora o desencadeante da disfunção ventricular seja a oclusão coronária, o modelo não reproduz, com fidelidade, a Insuficiência Coronária de humanos. Nestes últimos, a lesão vascular nem sempre é única e é comum vir associada a outras co-morbidades que também trazem repercussões para o coração.

Quando se consideram diferenças condicionadas pelo gênero na evolução da Insuficiência Cardíaca, a opinião que prevalece – tanto nos estudos em humanos quanto em animais – é a de que o prognóstico da síndrome congestiva é melhor nas fêmeas. VACCARINO et al (1999) estudaram idosos portadores de doença coronária e focalizando a incidência de Insuficiência Cardíaca relataram que as mulheres atingem a síndrome congestiva mais velhas, tem mais frequentemente hipertensão

arterial e se apresentam com função sistólica mais preservada do que os homens. A mortalidade aos 6 meses e após 1 ano de hospitalização foi menor nas mulheres. ADAMS Jr et al (1999) analisaram dados do estudo FIRST de pacientes com disfunção ventricular e Insuficiência Cardíaca severas (60% deles em classe funcional IV da American Heart Association) e relataram que a taxa de mortalidade nos homens foi sensivelmente maior (razão de risco de 2,18) do que nas mulheres. SIMON et al (2001) analisaram os dados do estudo CIBIS II. Confirmaram que, em mulheres, a IC é atingida em idade mais avançada e as razões de risco de mortalidade tanto para todas as causas, quanto para causas cardiovasculares, são menores do que em homens (razões de risco 0,64). RATHORE et al (2005) estudaram os dados do National Heart Failure Project e relataram que, embora tenham menos atenção de tratamento, as mulheres têm menor mortalidade do que os homens aos 30 dias (9,2% vs 11,4%) e 1 ano (36,2% vs 43%) após admissão para tratamento da IC. MEHTA & COWIE (2006) revisaram os estudos europeus e americanos em que foi possível a análise da influência do gênero na evolução da Insuficiência Cardíaca. Referem que a incidência e prevalência de IC foram menores nas mulheres em todas as idades e os relatos de ensaios clínicos de tratamento sugerem que as mulheres têm melhor prognóstico do que os homens, particularmente nas IC de etiologia não isquêmica. Não afastam, contudo, a possibilidade de vieses das análises estarem distorcendo as conclusões. Em meta- análise que compilou dados de cinco grandes ensaios clínicos sobre IC (PRAISE, PRAISE-2, MERIT-HF, VEST e PROMISE) FRAZIER et al (2007) concluíram que as mulheres atingem IC mais velhas, tem mais frequentemente hipertensão arterial e diabetes, apresentam sintomas mais severos, fumam menos e tem menos Infarto do Miocárdio precedente do que homens. A fração de ejeção foi semelhante em homens e mulheres. As mulheres tiveram tempo de sobrevida mais longo do que os homens.

Quatro trabalhos focalizaram a influência do gênero na evolução da Insuficiência Cardíaca em animais, utilizando diferentes modelos experimentais e todos concluíram pela melhor evolução em fêmeas. DOUGLAS et al (1998) promoveram constrição da aorta ascendente em ratos e verificaram que 6 semanas após cirurgia a repercussão da hipertrofia e da função ventricular foi semelhante entre machos e fêmeas. Contudo, a análise conduzida 20 semanas após a bandagem da aorta indicou que, para um mesmo grau de hipertrofia, ocorreu IC nos machos, com dilatação da cavidade ventricular esquerda, aumento da tensão parietal e disfunção diastólica, ausentes nas fêmeas. TAMURA et al (1999) estudaram a evolução do remodelamento miocárdico em ratos espontaneamente hipertensos em períodos livres de IC e após descompensação. Relataram que os machos desenvolveram IC mais precocemente do que as fêmeas. Os diâmetros diastólicos aumentaram igualmente em ambos os gêneros, entretanto, o diâmetro sistólico aumentou mais nos machos, decorrendo que a fração de encurtamento deteriorou mais nos machos. Durante o período sem IC, os cardiomiócitos dos machos foram sempre maiores do que o das fêmeas. Quando o estudo ocorreu na fase descompensada, as diferenças de tamanho dos cardiomiócitos desapareceram. JASON et al (2002) e BROWER et al (2003) avaliaram as repercussões cardíacas de fístulas aorta-cava inferior em ratos machos e fêmeas. Os primeiros relataram que 8 semanas após início da sobrecarga de volume, a mortalidade foi menor nas fêmeas, o aumento do peso do VE nos machos foi maior do que os das fêmeas e ocorreu aumento do peso dos pulmões só nos machos. O estudo de BROWER et al (2003) confirmou os resultados de JASON et al (2002) e indicou que a castração de fêmeas aboliu o efeito protetor possibilitado pelo gênero.

Em nosso levantamento bibliográfico, o único trabalho experimental encontrado que focalizou a influência do gênero na evolução da cardiopatia decorrente de Infarto do Miocárdio foi o de LITWIN et al (1999). Estes autores

induziram oclusão coronária em ratos machos e fêmeas e analisaram dados de Doppler ecocardiograma e diâmetro transverso dos cardiomiócitos uma e seis semanas após. Verificaram considerável igualdade de evolução no que diz respeito às alterações do tamanho das cavidades e dados de função sistólica. Contudo, identificaram diferenças no padrão de enchimento diastólico dos ventrículos e no diâmetro transverso dos cardiomiócitos. Nos ratos machos o padrão restritivo de enchimento ventricular e o aumento do diâmetro transverso dos cardiomiócitos foram mais acentuados do que nas fêmeas.

Em nossos dados, foram flagrantes que as dimensões cardíacas sofreram alterações em ambos os gêneros durante o período que seguiu a oclusão coronária. Como eram previsíveis, considerando as dimensões corpóreas maiores nos machos, os diâmetros das cavidades cardíacas neste gênero foram maiores do que o das fêmeas em algumas comparações, tanto na situação controle quanto após IM. Contudo, apenas no que diz respeito aos diâmetros diastólicos do VE foi identificada diferença significante entre machos e fêmeas. É difícil opinar se esta disparidade reflete discrepância de evolução fisiopatológica ou espelha a diferença existente entre os gêneros já a partir das condições basais. Foi chamativo que as diferenças de comportamento relatadas por LITWIN et al (1999) dos dados indicativos do enchimento ventricular não se reproduziram nos nossos animais. Curiosamente, verificamos resultados opostos aos descritos por LITWIN et al (1999) para a onda A. Realmente, nos nossos animais machos a redução da onda A foi menos acentuada do que nas fêmeas, sugerindo padrão restritivo menos acentuado.

Considerados sob um enfoque abrangente, que considere as alterações Doppler ecocardiográficas integradas, parece procedente considerar que não foram identificadas diferenças apreciáveis que possam ser imputadas aos gêneros em nossos animais.

Nossos resultados de 44% e 7% para machos e fêmeas, respectivamente, de mortes nas primeiras 24 horas, reproduzem os relatos históricos do laboratório (TUCCI, 2005) e se assemelham aos relatos habituais da literatura. As razões que condicionam esta diferença tão flagrante ainda não foram analisadas. A mortalidade durante o período de observação estudado foi reduzida em ambos os gêneros: dois animais de cada gênero, indicando que a morte espontânea durante as seis semanas de acompanhamento foi bastante reduzida em ambos os gêneros.

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