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COMENTÁRIOS SOBRE A EXPERIÊNCIA

Esta aula foi realizada também, no dia 20 de setembro de 2006, na FUNDANOR, no período da tarde. Esta novela filosófica inicia com uma distração de Ari na aula de Ciências. O professor Batista falava do sistema solar e de como os planetas giram ao redor do sol. “O que é que tem uma cauda comprida e dá volta em torno do sol a cada 77 anos?” Esta foi à pergunta do professor Batista para Ari, mas em sua cabeça somente havia “A

imagem de um grande sol ardendo em chamas com todos os pequenos planetas, sem parar, à sua volta” (LIPMAN, 2001, p. 03).

Ari tentou pensar nas frases do professor. Arriscou dizer que era um planeta, já o professor Batista havia dito que todos os planetas giram em redor do sol. Chateou-se a classe riu dele e soube que o professor referia-se ao Cometa Halley. Onde tinha errado? Tentou encontrar a resposta. Essa busca de Ari será o início de um processo reflexivo e de descobertas das regras da Lógica. Tal situação leva a um intenso conjunto de diálogos que põe em prática a dinâmica da “Comunidade de Investigação”, o que, por sua vez, conduz a uma melhor compreensão de si mesmo e do mundo. Uma dúvida sempre conduz a outra dúvida, ou seja, é demonstrada a dinâmica do pensamento como acionada por impasses que forçam reformulações de hipóteses e formulações de novas regras mais abrangentes, extensas.

Voltemos à Lógica que ensina Ari, na novela filosófica estudada. Matthew Lipman não considera interessante ensinar Lógica Simbólica, na medida em que essa não trabalha com a linguagem cotidiana das pessoas. Ele considera este tipo de Lógica, rudimentar e limitada, pouco ligada à forma com a qual de fato falam as pessoas. Assinala, como limitação da Lógica Aristotélica, o fato de que nenhum ser humano fala a sua linguagem, aquela que se baseia em proposições universais como “todos os homens são mortais” ou singulares como “Sócrates é homem”. Antes disso, as pessoas utilizam uma linguagem relacional, e para tal, a Lógica Aristotélica é pouco adequada.

Para a linguagem cotidiana, seria muito mais apropriada, na concepção de Matthew Lipman, uma Lógica de relações. Ele, porém, pensou que não era conveniente apresentar a Lógica de relações às crianças e aos adolescentes, seja porque ela não estava suficientemente desenvolvida ou porque ele mesmo não se sentia adequadamente preparado

para introduzi-la no seu Programa de Filosofia, de forma que fosse acessível às crianças e aos adolescentes. Por isso, embora a novela filosófica A descoberta de Ari dos Telles contenha alguns conteúdos da Lógica de relações e da Lógica informal, a Lógica que predomina nele é a aristotélica, silogística, mesmo com todas as reservas que o próprio Matthew Lipman tem em relação a essa Lógica, como vimos acima. Portanto, a Lógica ensinada através de Ari acaba sendo pouco satisfatória e bastante rudimentar quanto à sua aplicabilidade na educação escolar, com também, na Educação Popular, mas foi o que ele encontrou de melhor para ser oferecida às crianças e aos adolescentes, naquela época. Assim, há uma certa distância entre a forma em que é ensinada na Lógica da novela filosófica A descoberta de Ari dos Telles e a Lógica que aprendemos na Filosofia tradicional. A novela não mostra que as verdades da Lógica sejam tão contestáveis como qualquer outra verdade em Filosofia. Em outras palavras, Ari é o único dos programas que afirma conteúdos filosóficos (lógicos) que o professor deve ensinar e os alunos aprender. Tomemos, como exemplo, a regra da conversão, o primeiro dos conteúdos da novela. Em poucas palavras, a regra diz que “se todos os x são y, nem todos os y são x”, sendo que “x” e “y” são dois conjuntos e “x” está compreendido por “y”. Portanto, a grande vantagem desta novela filosófica, é que ela permite ensinar a Lógica através do diálogo, e não mecanicamente. Isto o torna mais eficaz. Porém, nesse Programa, não aparece nenhum propósito explícito ou implícito de colocar em questão a Lógica e os seus saberes.

Essa distância, na verdade, não é exclusiva desta novela filosófica, pois está também presente nos textos teóricos de Matthew Lipman. Trata-se de uma tensão entre algo que é ao mesmo tempo tema a ser problematizado e ferramenta que deve ser internalizada pelo aluno. O criador do Programa Pragmatista de Filosofia para Crianças e Adolescentes parece haver privilegiado essa segunda dimensão da Lógica. Em outras palavras, as regras da Lógica Silogística devem ser ensinadas, como tais, pelos professores e aprendidas, do mesmo modo, pelas crianças e adolescentes. Se o fazem intuitivamente, como as personagens da novela A descoberta de Ari dos Telles, muito melhor; se não, um número exagerado de exercícios “aplicados” pelo professor garantirá que essa “regra do bom pensador” seja internalizada pelos alunos.

Em suma, parece que, no ensino da Lógica, o Programa de Filosofia de Matthew Lipman se diferencia dos livros tradicionais somente na forma em que ela é ensinada – de

forma dialógica, e não apenas como transmissão de conteúdos. A relação com o ensinado, contudo, tanto do professor quanto do aluno, não parece diferir muito: não se favorece a problematização dos conteúdos verdadeiros da Lógica nem seu estatuto epistemológico. A Lógica, paradoxalmente, constitui o suporte principal da prática filosófica, mas neste primeiro capítulo da novela A descoberta de Ari dos Telles, parece fugir desta prática.