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4.2. Análise comparativa dos conhecimentos docentes nos cadernos escolares e uma

4.2.2. Como o ensino de problemas é tratado em cada caderno?

O tópico “problemas” aparece nos três cadernos. Cabe ressaltar que todos os cadernos têm indicações que ressaltam ser importante considerar o interesse das crianças no ensino. Ou seja, em vários momentos é possível observar a relevância de os problemas terem relação com a vida prática da criança ou com seu cotidiano. Esse discurso está presente nos três cadernos, como se viu no item anterior. E não são quaisquer problemas, trata-se de problemas de cálculo. O valor da aritmética se faz presente na necessidade de aprender a calcular. Tem-se que o domínio desse conhecimento é útil para a vida futura, para as necessidades cotidianas.

O caderno de Silva (1950) aponta várias vezes para o uso de problemas em sala de aula. Quando ela propõe um plano de aula de Adição para as crianças do 1.º ano, um dos objetivos da aula seria “desenvolver o raciocínio por meio de problemas orais relativos à soma” (1950a, p. 18). A autora também sugere vários problemas para serem resolvidos a partir de ilustrações. Nesse plano de aula, ela utiliza um cartaz com desenhos80 e as operações.

79 Toma-se como exemplo a relação proposta pela Figura 20 desta tese. A normalista Silva (1950) propõe situações para a criança pensar em quantidade, ou em qual número é maior, ou em quem tem mais etc., em vez de simplesmente ensinar a subtração feita com algarismos. Silva (1950b, p. 17) chama isso de “linguagem aritmética da subtração”.

Em outro momento, parece ter uma atividade em que a normalista deveria resolver, provavelmente a pedido do professor da escola normal. Ela teria que propor: “problemas sem números, “vestir problemas”, “problemas ilustrados”. Para cumprir essa tarefa, ela dá exemplos de problemas que poderiam ser trabalhados com as crianças. Os problemas propostos por Silva (1950) são sobre brinquedos (bolinhas), comidas (ovos, frutas, frutas nas árvores), metragem da fazenda, animais (galinhas, peixes, coelhos, pássaros etc.), preço de tecido.

Inclusive, um dos problemas propostos é bem parecido com aquele que Rocha (1958) indicou a partir do livro didático de Claedmar French: “Os 2

8 de Cr$298,50, é o preço de um

metro de seda. Quanto pagarei por 3,40m?” (1958a, p. 22)”. E o problema de Silva é: “7

12 de

uma peça de fita custa Cr$56,00. Calcular o preço da peça inteira.” (1950a, p. 33)”.

É importante ressaltar que Silva (1950) se baseia no livro de Miguel Aguayo, e Rocha (1958) não o cita em seu caderno. Porém, parece que esses problemas possuem a mesma natureza, e que ambos os autores propõem o mesmo método de ensino para os problemas. Silva (1950) critica exercícios que não tenham relação com a vida real da criança, mas alguns dos que ela propõe não parecem ser simples para uma criança fazer relação com seu cotidiano. Como, por exemplo, o problema extraído do livro de Aguayo: “Quanto vale 18 3

4 de libra de

café torrado, se uma libra custa $0,44.” (SILVA, 1950b, p. 22). Não parece ser do cotidiano da criança, ou do seu interesse, saber calcular o valor de uma fração mista do café torrado. Ao que tudo indica, a vida prática e o interesse da criança que os professores tanto pregavam seria o fato de prepará-lo para a vida adulta.

Para o 1.º ano, Silva (1950) afirma que teria os seguintes tipos de problemas: práticos (de vida real), sem número, para vestir, em série (um depende da resposta do outro), incompletos, simples, compostos. Como já observado, esses tipos de problemas também estão presentes no manual pedagógico de D’Ávila (1951).

Como se disse, a normalista utiliza exemplos de problemas que aparecem no manual pedagógico Didática da Escola Nova, de Aguayo81.

Na escola nova faz-se muito uso dos problemas que interessam as crianças, estimulam-nas a pensar e provocam sua iniciativa e atividades criadoras. Tais são o conto aritmético, os problemas propostos pelas crianças, os problemas sem número, os incompletos e os de situação real. Quanto aos problemas

81 Em vários momentos, a autora se apoia em algum livro didático, pois há indicações das páginas. No decorrer da leitura percebe que alguns trechos foram copiados/extraídos exatamente igual do manual de Aguayo, Didática da

Escola Nova. Como esse manual possui edições desde 1935, e a versão usada nesta tese foi a 8.ª edição, publicada

em 1951, percebe-se que, como as páginas não são as mesmas, mas os escritos sim, a normalista teve acesso a uma versão anterior desse manual em sua formação.

práticos e narrativos, de que tanto abusa a escola atual, não são senão exercícios com números concretos. (AGUAYO, 1952, p. 289)

Assim, para Aguayo, os problemas consistem em: propostos pelas crianças, sem números, incompletos e os de situação real. Percebe-se nos registros do caderno que a normalista adota os tipos de problemas denominados por D’Ávila. Para a resolução de problemas, têm-se os seguintes passos:

Figura 44 – Passos para a resolução de problemas, segundo Aguayo (1952)

Fonte: Aguayo (1952, p. 289)

Cabe relembrar que Silva (1950a) cita exatamente esses passos82 em seu caderno, indicando o número da página de algum manual pedagógico, provavelmente, seria o livro de Aguayo. Por isso, pode-se afirmar que esse manual estava inserido na formação do professor da década de 1950.

No caderno de Bertoni (1956), um dos objetivos da aritmética seria “resolver problemas” (1956, p. 16). E para um bom ensino dessa matéria seriam necessários quatro passos: representar as imagens de um problema (ser intuitivo); apresentar problemas que tivessem aplicação na vida prática (ser prático); orientar a criança para pensar como resolver cada problema (ser raciocinado); e partir de questões mais simples e, aos poucos, ir inserindo questões mais complexas (ser gradual e progressivo). Ou seja, resolver problemas parece ser imprescindível para um bom ensino de aritmética.

Bertoni (1956) utiliza uma parte desse caderno como diário de classe para uma turma do 1.º ano. Entende-se que ela iria praticar todos os conhecimentos adquiridos na escola normal realizada em São Paulo nessa sua primeira turma em Palotina, Paraná. No caderno, ela sugere que os problemas tenham relação com a vida da criança. Nos problemas propostos às crianças, é possível ver que eles são sobre algo da vivência da criança, como estes: “Ganhei 15 rosas, 10 cravos e 3 lírios, quantas flores ganhei?”, “Cinco meninos, quantas pernas têm?”, “25 lápis + 3 lápis, quantos lápis são?”, “4 bonecas + 14 bonecas. Quantas bonecas são?”, “Achei 10 bolinhas e perdi 10. Com quantas fiquei?”, “Um trevo tem 3 folhas, 3 trevos, quantas folhas tem?” (1956, p. 26).

Esses problemas seriam falados pela professora, e as crianças fariam os cálculos em seus respectivos cadernos. Nota-se também, que esses problemas sugeridos por ela poderiam ser feitos apenas aplicando a operação de adição, subtração, multiplicação ou até mesmo a divisão. O ideal em um problema, para essa normalista, seria que as crianças reconhecessem neles algo próximo às suas vidas. Um pouco diferente do que é proposto por Silva (1950), os problemas em Bertoni (1956) têm uma característica mais próxima das ações das crianças. Bertoni (1956) não procura explorar problemas que envolvam situações de quando as crianças forem adultas. Porém, isso pode ser explicado por ser uma aula destinada para o 1.º ano do curso primário. Não é possível discutir se isso aconteceria nos próximos anos do ensino primário.

No caderno de Rocha (1958), a normalista aponta que um dos conteúdos do ensino primário seriam os problemas. Para a resolução ou exemplificação de alguns desses, ela utiliza objetos ou ilustrações. Para introduzir os problemas às crianças, precisaria primeiro passar a fase da iniciação aritmética, que consistia em mostrar o objeto, depois o desenho desse objeto e só então relacionar a quantidade com os números.

Rocha também critica os métodos anteriores, que utilizavam problemas desconexos com a realidade ou que propunham contas quilométricas. A normalista adverte que não devem ser dados “problemas prolixos” (1958a, p. 6) para as crianças copiarem, pois, só na cópia, elas já perderiam o interesse. Rocha afirma que, baseada em Thorndike, os problemas devem estar em harmonia com “a situação real da vida” (1958a, p. 6).

Para essa normalista, o ensino deve partir do concreto para o abstrato. Um exemplo de partir do concreto seria mostrar ilustrações de laranjas e somá-las. A criança consegue visualizar a quantidade e somar até chegar ao resultado de laranjas no final. Um problema mais abstrato seria perguntar a criança quantos irmãos ela tem, pois assim ela teria que imaginar a quantidade e falar o número.

Essa autora defende o uso de jogos nas aulas e afirma que a criança aprende brincando. Assim como Bertoni (1956), Rocha (1958) também fala sobre problemas para o 1.º ano. Ela propõe problemas do tipo em que a quantidade é um desenho83, por exemplo três laranjas em

vez de escrever o número 3. E assim, o próprio aluno escreverá no lugar deste desenho o algarismo correspondente. Como ela afirma que esses tipos de problemas poderão ser feitos oralmente, imagina-se que ela irá utilizar desenhos feitos na lousa ou os cartazes, tidos por ela como um recurso didático. Então, inicialmente os alunos verão a imagem e aí dizer a palavra

“três”, por exemplo. Mas com o passar do tempo, eles aprenderão a escrever e relacionar essa palavra com a forma gráfica “3”.

Assim como as outras duas normalistas, Rocha (1958) indica que os problemas devem ser reais que se relacionem com a vida cotidiana. A normalista enfatiza que a criança precisa compreender o que o problema está pedindo e não simplesmente resolvê-lo por mera repetição. Em seu caderno, essa autora escreve o primeiro e o último problema encontrados em um livro didático, o Raciocine com a criança, de Claedmar French, desde o 1.º até o 4.º ano. Provavelmente ela fez isso para compreender o problema mais simples e o mais avançado em cada série.

Também nesses cadernos alguns autores de manuais pedagógicos foram aparecendo na análise (item 4.1). Muitos deles eram indicados para serem usados como possíveis consultas pelos futuros professores. A articulação com os manuais pedagógicos se faz necessária, pois foi possível perceber que algumas passagens dos cadernos são muito parecidas, ou até mesmo, idênticas aos registros feitos pelos autores exibidos no Quadro 9. Ou seja, cabe afirmar que os manuais estiveram presentes na formação das normalistas na década de 1950.

Como pode se ver, o autor D’ Ávila foi mencionado nos cadernos de Silva (1950) e de Bertoni (1956). Já o autor Thorndike orientou os cadernos de Silva (1950) e de Rocha (1958). Rocha (1958) ainda se baseia em ideias propostas por Pestalozzi e por Miguel Milano. Bertoni (1956) apresenta ideias do autor Theobaldo Miranda Santos, com trechos muitos semelhantes desse livro didático, copiados em seu caderno.

Miguel Aguayo é um autor que parece basear o caderno de Silva (1950), já que há trechos idênticos ao deste manual no caderno desta normalista. Bertoni (1956) também o cita como bibliografia, e Rocha (1958), apesar de não o mencionar como referência, elabora problemas muito similares aos que Silva (1950) afirmou terem sido retirados do manual desse autor.

Acredita-se, a partir das apropriações feitas pelos registros dos cadernos, que a resolução de problemas foi uma ferramenta de ensino utilizada pelas normalistas dessa época, uma vez que podem abordar diversos conteúdos matemáticos e apresentar diversas formas de resolvê- los.

Cada um dos processos que se empregam na resolução dos problemas de cálculo tem aplicações especiais. Todos devem ser conhecidos pelos alunos, que os utilizarão com liberdade e independência. Não obstante, é muito recomendável que o professor encareça a economia resultante da aplicação de determinado método a tal ou qual tipo de problemas. Para alguns problemas é mais fácil e simples o método de redução à unidade; outros ganham com a

aplicação da regra de três; outros, com o processo das partes alíquotas, etc. (AGUAYO, 1952, p. 291)

Essa fala de Aguayo reitera a ideia de os problemas serem grandes auxiliares de ensino dos professores, pois, por meio deles, o professor do curso primário poderá manusear vários conteúdos aritméticos. Portanto, isso leva a entender a resolução de problemas como uma

aritmética para ensinar (HOFSTETTER; SCHNEUWLY, 2017). Neste momento, ela ainda

não é tratada como uma metodologia, como será durante o Movimento da Matemática Moderna, mas sim, como uma ferramenta para ensinar aritmética. Segundo Valente (2016b, 2016c) a

matemática para ensinar foi constituída “ao longo do tempo em sua articulação com o campo

disciplinar matemático” e é “considerada uma ferramenta para o ensino”. Logo, a resolução de problemas, neste caso, se constitui como uma aritmética para ensinar.

Assim, o uso de problemas é um aspecto importante no ofício do professor que irá ensinar aritmética. Para além do expediente de levar os alunos a resolverem problemas que poderão ser úteis na vida fora da escola, os problemas podem ajudar o professor na sua tarefa de ensinar aritmética. Trata-se de um saber sobre o saber, isto é, uma aritmética para ensinar aritmética. Refere-se, desse modo, a uma aritmética para ensinar. Contudo, não caberá explicitar aos alunos os tipos de problemas, sua finalidade etc., tal conhecimento deverá ser restrito do professor.