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DIMENSÃO INSTITUCIONAL

3.4.2 Como internacionalizar?

Este trecho pretende reconhecer os modelos pelos quais a internacionalização da Educação Superior. tem se assentado.

Assim sendo, sob a lente das estratégias para a implantação do processo de internacionalização da ES, é possível identificar dois grandes eixos: a internacionalização

“abroad” ou “crossborder e a internacionalização “at home” (IaH) ou “em casa”.

A internacionalização “abroad” traz implícita a ideia de experiência no exterior como característica principal. Nesse caso, a instituição busca se projetar no mundo. A mobilidade acadêmica de alunos, docentes e staff para um período de estudos no exterior é uma forma usual desse eixo e traz como benefício a possibilidade de oportunidades de interculturalidade e novas conexões para a vida profissional e acadêmica, já do ponto de vista dos riscos o brain drain é uma das possibilidades. A outra maneira de internacionalização abroad é a transnacionalização, já amplamente debatida no tópico 3.3.2, que se pauta por várias questões que alertam para os riscos de manutenção da democracia se aceito o padrão de comercialização da educação superior e a baixa qualidade da educação. (ALTBACH; REISBERG e RUMBLEY, 2009).

Segundo Nilsson (2003), o termo de internacionalização “at home” (IaH) foi popularizado a partir do desafio assumido por ele ao ingressar em uma nova universidade sueca em 1998. Situada na cidade de Malmö, na fronteira com a Dinamarca, há poucos quilômetros de Copenhague, a multiculturalidade da população da cidade foi um dos fatores que o fez repensar as maneiras de internacionalizar e introduzir os ideais de IaH. Beelen (2007) aponta que entre as missões da Malmö University destacava-se a atenção e importância dada à interculturalidade daquele espaço, de forma que deveria ser refletida no aprendizado acadêmico.

De acordo com Wachter (2000 apud BEELEN, 2007, p. 01, tradução a Autora)46, o conceito de IaH é bastante amplo e poderia ser entendido como qualquer atividade internacional, exceto mobilidade no exterior de funcionários e alunos. Por outro lado, Altbach, Reisberg e Rumbley (2009) entendem que a IaH consiste em estratégias para potencializar a dimensão internacional no campus, seja através da internacionalização do currículo ou com a recepção de professores e alunos internacionais.

Knight (2008) apresenta uma percepção mais crítica que o conceito original, proposto por Bengt Nilson. Em sua concepção, a IaH vai além do foco nos aspectos interculturais pois pretende incluir a dimensão intercultural e internacional nos processos de ensino e pesquisa, e nas atividades extracurriculares. A partir de uma análise não tão ideológica e separatista, no que tange à questão de educação transfronteiriça, apenas como negociação neoliberal, entende que os dois eixos “abroad” e “at home” necessitam ser considerados interdependentes em vez de independentes, uma vez que a internacionalização no exterior tem implicações significativas para a internacionalização “em casa” e vice-versa.

Nesse panorama, um projeto de IaH pode considerar atividades nos diferentes pilares universitários. O Quadro 9 apresenta as sugestões elencadas por Knight (2008).

Quadro 9: Ações para a IaH

continua

EIXO AÇÕES

Currículo e programas

• programas com temas internacionais;

• inserção de dimensões internacionais, culturais, globais ou comparativas em cursos existentes;

• estudo de língua estrangeira; • estudos regionais;

• duplo diploma e titulações conjuntas;

Processos de ensino / aprendizagem

• envolvimento ativo de estudantes internacionais e dos estudantes que retornam do exterior com vistas a promover a diversidade cultural na sala de aula e o reflexo no ensino/processos de aprendizagem;

• mobilidade virtual de estudantes para cursos conjuntos e projetos de pesquisa; • uso de professores internacionais;

• integração de materiais internacionais de referência e estudos de casos interculturais;

46 ‘Internationalisation at Home’: any internationally related activity with the exception of outbound student and staff mobility.

Quadro 9: Ações para a IaH

conclusão

EIXO AÇÕES

Atividades extracurriculares

• clubes e associações estudantis;

• eventos universitários internacionais e interculturais; • ligação com grupos culturais e étnicos de base comunitária; • grupos e programas de apoio dos pares;

Ligação com grupos culturais /

étnicos locais

• envolvimento de estudantes em organizações culturais e étnicas locais por meio de estágios e pesquisa aplicada;

• envolvimento de representantes de grupos culturais e étnicos locais em atividades de ensino / aprendizagem, iniciativas de pesquisa, eventos extracurriculares e projetos;

Pesquisa e atividade acadêmica

• centros temáticos;

• projetos conjuntos de pesquisa;

• conferências e seminários internacionais; • artigos publicados;

• acordos internacionais para pesquisa;

• integração de pesquisadores visitantes e acadêmicos em atividades acadêmicas no

Campus;

Mobilidade dos provedores

• IES internacional tem responsabilidade acadêmica pelo programa e outorga uma título; Movimento de

pessoas

• intercâmbio de estudantes ao longo do semestre/ano no exterior para estágio ou programas de pesquisa ou programa completo no exterior;

• movimento de professores / acadêmicos e especialistas para fins de ensino e pesquisa, assistência técnica e consultoria, licenças sabáticas e desenvolvimento profissional;

Oferta de programas.

• programa/curso se move para o aluno (não vice-versa); • modelos de oferta incluem franchising, e dupla titulação;

• oferta de serviço inclui programas educacionais ou de treinamento oferecidos por meio de ou arranjo de parceria entre instituições internacionais / nacionais e estrangeiras / fornecedores em uma base de troca (sem fins lucrativos) ou comercial (com fins lucrativos);

Projetos internacionais

• atividades como desenvolvimento de currículo conjunto; • pesquisa;

• benchmarking; • assistência;

• plataformas de e-learning;

• desenvolvimento profissional e outras iniciativas de capacitação;

• projetos e serviços poderiam ser realizados como parte do desenvolvimento de projetos de ajuda;

• vínculos acadêmicos; • contratos comerciais;

Fonte: A partir de Knight (2008, p. 23-24, tradução da Autora).

Observa-se que cada departamento ou curso deve encontrar as formas adequadas e possíveis de implementar a sua IaH, tendo como propósito atender às necessidades da população acadêmica e do contexto em que estão inseridos.

Nessa direção, novamente, os organismos internacionais causam impacto ao promoverem o movimento em prol da “internacionalização do currículo”, tambpem referenciada como “Internationalization of curriculum (IoC)”. O debate em torno do tema se apresenta significativo nos fóruns de ES da atualidade. Trata-se de uma questão complexa, tanto do ponto de vista da difícil implementação quanto pela necessidade de definir-se se essa internacionalização do currículo será promovida sobre uma base humanista ou mercantil, bem assim encontrar os caminhos para articular o local e o global de forma a resultarem positivamente na construção de um cidadão global.

Para Beelen (2007), o currículo internacionalizado oferece conhecimentos e habilidades internacionais e interculturais visando preparar os alunos para desempenho (profissional, social e emocional) em um ambiente internacional e contexto multicultural. Já a competência internacional é o conhecimento e a capacidade para se relacionar internacionalmente (por exemplo, competências em línguas estrangeiras e conhecimentos sobre desenvolvimento social e econômico dos países / regiões). E a competência intercultural contempla o desenvolvimento da compreensão, respeito e empatia por pessoas com diferentes interesses nacionais, culturais, sociais, religiosos e origens étnicas.47

Sob essa perspectiva, o cidadão passa a considerar a dimensão internacional, global e comparativa em suas tarefas acadêmicas e cotidianas. Assim, o ensino superior pode contribuir para a formação de cidadãos globais que colaborem com o desenvolvimento social e econômico para todos, a partir de uma visão de princípios humanistas e de tolerância e não apenas para a empregabilidade.

Apesar de diferenças de interpretação, existe um entendimento comum de que cidadania global não implica uma situação legal. Refere-se mais a um sentimento de pertencer a uma comunidade mais ampla e à humanidade comum, bem como de promover um “olhar global”, que vincula o local ao global e o nacional ao internacional.Também é um modo de entender, agir e se relacionar com os outros e com o meio ambiente no espaço e no tempo, com base em valores universais, por meio do respeito à diversidade e ao pluralismo. Nesse contexto, a vida de cada indivíduo tem implicações em decisões cotidianas que conectam o global com o local, e vice- versa. (UNESCO, 2015)

47 De acordo com Beelen, J. (2007 p. 2): Internationalised curriculum: a curriculum which gives international

and intercultural knowledge and abilities, aimed at preparing students forperforming (professionally, socially, emotionally) in an international and multicultural context. *International competence: knowledge about and ability in international relations (eg foreign language skills and knowledge about the political, social and economic development of countries/regions). Intercultural competence: the development of understanding, respect and empathy for people with different national, cultural social, religious and ethnic origins.

A internacionalização do currículo é uma questão mais complexa do que parece ser, se analisada do ponto de vista das intencionalidades. Originalmente, a IoC está voltada para a função universitária “ensino” e sofre a influência dos organismos internacionais. No que tange às nuances e fundamentos para o currículo internacionalizado, Morosini (2018) destaca as tensões entre a proposta da OCDE, que entende que o currículo com orientação internacional deve visar à formação profissional e social na perspectiva mercado globalizado, e a proposta da Unesco que prega uma formação para a cidadania global, conceito este que vem imbricado em diferentes questões.

Nesse sentido, Shultz (2007, p. 255, apud CLIFFORD; MONTGOMERY, 2015, p. 47) menciona três abordagens para a educação global:

[...]a abordagem neoliberal que produz indivíduos em posições privilegiadas para viajar e trabalhar além das fronteiras nacionais; a abordagem radical, que luta para resistir à globalização e fortalecer as instituições locais e nacionais; e a abordagem transformadora, em que os cidadãos têm uma compreensão de uma humanidade comum, um planeta compartilhado e um futuro compartilhado. (Tradução da Autora)

O emaranhado que envolve o mundo globalizado, e seu impacto nas exigências da formação universitária, são reflexões propostas por Clifford e Montgomery (2015) ao analisarem as questões que permeiam a discussão do currículo internacionalizado e a educação para a cidadania global. Sob a lente dessas estudiosas a discussão perpassa a reconceituação de epistemologias e pedagogias e a internacionalização da educação superior pode contribuir nessa empreitada, à medida que a aprendizagem transformadora estiver baseada nos ideais de democracia, justiça e igualdade.

Saliente-se que a internacionalização formal do currículo pode ocorrer por meio de uma experiência no exterior, onde o acadêmico obtém conhecimentos adicionais os quais passam a compor sua formação, mas pode ocorrer, também, através de ações de IaH. Tais atividades de internacionalização em casa podem viabilizar uma formação acadêmica diversificada e conectada com questões que despertem o olhar para o global, nessa modalidade estudantes que não experimentam a mobilidade no exterior podem adquirir competências internacionais e interculturais tornando-se, assim, capazes de serem atuantes na sociedade globalizada. Para além disso, podem estimular na comunidade acadêmica o interesse em participar de uma modalidade Outgoing. Ou seja, embora IaH não contemple essa modalidade, ao final, era poderá contribuir para alavancar as estatísticas. (KNIGHT, 2008)

Leask (2013) desenvolveu um projeto, composto pela aplicação de pesquisas em universidades no ano de 2010, que objetivava explorar o significado da internacionalização do

currículo. Um dos resultados da investigação foi um modelo de cinco etapas do processo de internacionalização do currículo. Na primeira etapa “Review and Reflect” foi estimulada a reflexão sobre a internacionalização do currículo no programa. A segunda etapa “Imagine” levou as equipes a repensarem como fazem as coisas e que novas formas seriam possíveis. Na terceira etapa “Revise and Plan” a pergunta era direcionada para entender como se poderia fazer diferente do que estava sendo feito no programa, ademais era feito um levantamento sobre os fatores internos que bloqueavam e facilitavam as ações. Na quarta etapa “Evaluate” os atores avaliam se as mudanças alcançaram os objetivos. Esse processo é cíclico e sempre se retoma a reflexão. O projeto confirmou a complexidade do processo de IoC e constatou que o estágio mais desafiador e recompensador para a equipe acadêmica foi quando eles foram levados a imaginar novas formas de pensar a sua disciplina. Verificou-se a valorização das interrogações sobre seus fundamentos culturais e possíveis novas maneiras de fazer as coisas que atualmente são feitas de formas tradicionais.

Para encerrar as ponderações destaca-se o posicionamento de Morosini e Dalla Corte (2018) que, após analisar as teses produzidas no Brasil que tratam da temática proposta nesta pesquisa concluem que, de fato, a internacionalização do currículo, a “at home” e a integral não tem sido prioridade em nossas universidades.

Considerando toda a literatura pesquisada, e objetivando complementar a construção do conhecimento sobre a temática, se entende indispensável uma incursão sobre as principais políticas públicas brasileiras implementadas com foco na internacionalização da ES, o que será apresentado a seguir.

3.5 POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS PARA A INTERNACIONALIZAÇÃO DA