• Nenhum resultado encontrado

Como os consumidores percebem as ações de retaliação

4.1 SERENDIPITIES DO CAMPO

4.1.1 Como os consumidores percebem as ações de retaliação

A partir das narrativas dos informantes, foi identificada atitude positiva frente ao comportamento de reclamação. A atitude, entendida segundo a concepção de guia comportamental (RICHINS, 1983) que permite perceber e avaliar situações com base em experiências anteriores, influenciou a postura dos entrevistados na medida em que entenderam que é justo e necessário reclamar por um serviço ou produto que não está adequado às suas expectativas. Portanto, ainda que a influência dos modelos culturais tenha se manifestado na opção por determinadas ações mais ou menos incisivas e mais ou menos emocionais, a atitude positiva frente à reclamação predispôs os consumidores a se comportarem de forma a buscar alternativas para resolver o problema que lhes causou insatisfação.

Por outro lado, foi observada atitude negativa frente ao comportamento de retaliação. Verificar como os consumidores percebiam atos de retaliação contra o provedor, inicialmente, não era um objetivo da pesquisa, entretanto, considerando as histórias apresentadas, observou- se que existem restrições quanto ao comportamento vingativo: os informantes relutam em assumir que suas ações tiveram por objetivo se vingar da empresa que provocou a insatisfação. Diante disso, optou-se por abrir uma seção que contemple a percepção dos entrevistados em relação ao comportamento de retaliação. Conforme será apresentado, os discursos tendem a enfatizar um componente que ressalta a negação da retaliação, indicando atitude negativa frente a esse comportamento.

A questão da aceitação e valorização social mereceu destaque, pois os informantes enfatizaram que seus atos não representam vingança. De acordo com Giglio e Chauvel (2002), a disputa entre consumidor e fornecedor deve ser vista a partir de uma perspectiva sócio- cultural, aspecto que pode explicar a leitura que se faz do conflito no contexto em que a pesquisa foi realizada. De acordo com DaMatta (1986), é comum que conflitos entre fornecedor e clientes brasileiros sejam vistos com desconfiança, uma vez que são indícios de abalo na estrutura social, dividida entre hierarquia e igualdade.

Eu não faço nada com o propósito de me vingar, sabe? Eu acho que isso seria uma coisa pejorativa, uma coisa negativa, de prejudicar o outro. E não é esse o meu objetivo (Informante 7 – modelo relacional19).

A palavra vingança apareceu com uma conotação negativa entre os entrevistados. Conforme Informante 8 (modelo relacional), vingança é uma palavra bem forte, por isso não deveria nem existir nas relações de consumo ou em qualquer outro tipo de relação. Alguns entrevistados apresentaram dificuldade até mesmo em pensar na possibilidade de vingança contra o fornecedor, apesar de se engajarem em comportamentos retaliatórios.

Eu acho que vingança, isso não faz parte. Ah, eu não sei me vingar das pessoas, nem das empresas. Não, não, não. Eu nunca imaginei fazer uma vingança (Informante 9 – modelo relacional).

A dificuldade dos entrevistados em aceitar que os comportamentos adotados estejam baseados no interesse de provocar algum tipo de retaliação pareceu estar ligada especialmente ao modelo cultural relacional. Considerando que consumidores com esse modelo cultural tendem a lutar para manter um relacionamento com o provedor e a buscar a solução para problemas enfrentados em conjunto com a empresa (RINGBERG et al., 2007), a vingança seria um obstáculo para esses objetivos.

Outros entrevistados relataram que suas ações não representaram, sob nenhuma hipótese, uma vingança porque retaliar o fornecedor é, necessariamente, apresentar algum comportamento agressivo.

Eu não sei se é bem uma vingança a forma que eu me comportei, né? Eu fiz um barraco na loja. Foi um barraco mesmo, com todo mundo olhando. A loja inteira parou. Todo mundo ficou em silêncio pra escutar a gritaria. (...) Mas eu não vejo como uma vingança, eu vejo como um direito meu, de consumidor, de me manifestar. Seria uma vingança se eu fosse lá e jogasse uma pedra no vidro deles. (...) Porque eu acho que essa questão de se vingar, aí extrapola os direitos. Porque aí você está ferindo alguém, ou o estabelecimento. (Informante 10 – modelo relacional).

A retaliação apareceu, também, com um viés de ação coletiva. De acordo com os entrevistados, atos individuais de retaliação não podem ser caracterizados como tal.

19

As ações nas quais o Informante se engajou para retaliar o fornecedor e o objetivo desses atos serão tratados em seções específicas, 4.2 e 4.3 respectivamente.

Para ser retaliação teria que juntar um monte de gente. Daria para falir uma empresa se todos os consumidores fossem unidos. Por exemplo: se tu conseguisses um número expressivo de consumidores, muita gente que não comprasse mais daquela empresa por um determinado tempo, e um grande tempo, (...) acho que tu conseguirias falir aquela empresa. Porque tu para de comprar dela. Para mim, isso seria retaliação (Informante 4 – modelo oposicionista).

Nesse caso, ações agressivas e/ou realizadas por um grupo maior de pessoas foram mencionadas por consumidores com o modelo cultural oposicionista. Provavelmente essa percepção seja uma forma de desviar o foco das próprias ações ou uma alternativa que possibilite excluir o comportamento adotado da categoria de atos de vingança.

Uma última forma de caracterizar o comportamento de retaliação diz respeito a penas financeiras sofridas pela empresa, especialmente quando se tratam de penas estipuladas a partir de ações através de terceiros. Para os entrevistados que veem a retaliação dessa forma, a empresa somente pode ser alvo de ações retaliatórias quando precisar desembolsar alguma quantia significativa para cobrir os danos morais e materiais causados ao consumidor.

A empresa sofre retaliação quando perde dinheiro, quando me dá dinheiro. Por exemplo, um cliente veio comprar uma geladeira, um fogão, ou qualquer outra coisa que custe R$ 1.000. E aí, a empresa teve que dar R$ 50.000 pra ele, para reparar danos morais e materiais. Acho que só assim a empresa sofre retaliação (Informante 2 – modelo utilitário).

Pelo fato de consumidores utilitários estarem mais atentos ao custo x benefício das transações que realizam com as empresas, é provável que façam uma ligação entre ações de retaliação e perdas financeiras por parte do fornecedor. Essa relação ocorre pelo fato de identificarem perdas semelhantes para si na transação. Como consumidores com modelo cultural utilitário percebem a falha a partir de uma perspectiva que contempla tempo, esforço e custo (RINGBERG et al., 2007), uma possibilidade para igualar suas perdas seria provocando perdas da mesma ordem ao fornecedor.