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3 A VILA SANTA ISABEL POR SEUS MORADORES: “DE PERTO E DE

4.2 Como os moradores do bairro vêem a Vila Santa Isabel

No trabalho de campo percebi que os moradores dos bairros não conheciam o nome oficial “Vila Santa Isabel”, mas como “aquela favelinha da Afonso Pena”.

Indagados sobre como percebem a existência da “favelinha na Avenida Afonso Pena”, parte dos moradores de seu entorno imediato demonstrou-se surpresa, até aquele momento da entrevista não haviam se lembrado dela como elemento presente no bairro.

A moradora do bairro Serra/ Mangabeiras, 28 anos, não conhece ninguém da vila e disse que a imagem da Vila é “feia, precisava de uma reestruturada, uma recauchutada” e sobre os moradores disse “são mal educados, eles mexem com a gente quando passamos na rua”. Já o entrevistado de 60 anos, morador do Edifício Veritas na Av. Afonso Pena, disse sobre a imagem da Vila, “não tem problema algum, adoro vista de favela”, mas também não conhece nenhum morador da Vila.

A maior parte dos entrevistados disse não se incomodar com a presença da vila, “não interfere, é tranquilo”. Outras já foram mais enfáticas, “são ótimas, as pessoas são ótimas, muitas pessoas com quem lido aqui [no bairro] também pensam assim” (morador, 67 anos); “é positivo ter a vila, você é arquiteta conhece a Jane Jacobs, é a diversidade da cidade, parece cidade do interior, mais misturado, aqui

93 As características ambientais que favorecem a criminalidade no beco do “lado de cima” podem ser

revertidas através de intervenções pontuais que demandariam relativamente poucos recursos públicos. Conhecendo a Vila Santa Isabel “de perto e de dentro” (MAGNANI, 2002) constata-se a ausência do Estado, ou melhor dizendo, constata-se a presença do Estado apenas quando a polícia militar procura possíveis assaltantes e drogados escondidos no beco. Os moradores dizem: “a prefeitura nunca vem aqui, esqueceu de nós”.

[bairro Cruzeiro] e no [bairro] Santa Tereza são os únicos lugares da cidade que ainda preservam todas as classes e todas as raças” (moradora, 55 anos).

A maioria dos moradores da Vila disse conhecer alguém que mora nos bairros próximos. E da mesma forma a maioria dos entrevistados moradores do entorno imediato à Vila e os moradores mais antigos do bairro Serra e do bairro Cruzeiro demonstraram conhecer de alguma forma moradores da Vila.

A entrevistada de 19 anos, moradora do Edifício Jeha na Avenida Afonso Pena desde que nasceu, tinha amigas na Vila que frequentavam a sua casa, seus pais “não se importavam” 94. Atualmente conhece algumas crianças da Vila porque dá aula de

capoeira em uma academia próxima que atende as crianças da “comunidade”. Disse que a idade das crianças varia entre 4 e 12 anos, havia um menino de 14 anos, “mas ele está indo pro lado errado [drogas]”.

A moradora que há 47 anos mora em uma casa na Rua Pirapetinga citou vários nomes de conhecidas vizinhas moradoras da Vila. Disse que muitas eram suas amigas (algumas já falecidas), outras trabalharam como domésticas em sua casa e relatou: “quando tinha uma doença, precisava de um carro pra levar ao hospital, eles vinham aqui e a gente ajudava”. E completou: “hoje em dia não tem mais empregada [doméstica] lá [na Vila] não, elas trabalharam fora”, indicando ascensão social.

O entrevistado que há 67 anos mora no bairro Cruzeiro demonstrou maior proximidade com moradores da Vila Pindura Saia do que com a Vila Santa Isabel, apesar de citar nomes de seus conhecidos na Santa Isabel95. Contou que sua relação

de amizade com moradores da Pindura Saia começou na infância quando sua mãe convidava os moradores da favela para o almoço. Posteriormente, ajudava a “olhar” as crianças da vila, é padrinho de muitas delas e um menino ele adotou, hoje um rapaz de 15 anos, cujo pai biológico mora na Pindura Saia. Este morador chegou a comprar alguns “lotes” na vila Pindura Saia e construiu, com recurso próprio, “casinhas” na vila. Estas casinhas ele doou para moradores Vila que foram se casando ou que por um motivo ou outro se encontravam na necessidade de ter uma casa.

A moradora de 58 anos lembrou que era freguesa de um casal de sapateiros que morava na Santa Isabel e trabalhavam na Rua Caraça, também se lembrou do restaurante que havia na Vila Santa Isabel onde “a comida era muito boa”.

94 Uma das amigas da moradora de 19 anos do Edifício Jeha atualmente é modelo fotográfico no Rio de

Janeiro. Quando citou seu nome lembrei que a havia conhecido quando entrevistava sua avó na Vila.

95 Gravei os nomes e as fisionomias das pessoas que entrevistei na Vila Santa Isabel com certa

facilidade. E o exercício de transcrever as respostas das entrevistas ajudou-me a associar nome e fisionomia com as falas de cada um. Desta forma, quando os moradores dos bairros citavam nomes dos moradores da Vila eu sabia de quem estavam falando.

Outra moradora do bairro Cruzeiro, 55 anos, disse, se referindo à Vila Pindura Saia, “é muito bom ter o mesmo bombeiro e o mesmo eletricista de 30 anos atrás”.

A moradora da casa do Movimento do Graal no Brasil, 38 anos, conhece algumas pessoas da Associação de Moradores da Vila Santa Isabel por causa do processo de usucapião que os moradores da vila movem contra a entidade.

Outras situações observadas demonstram a interdependência entre “vila e bairro” e a segurança e confiança mútua entre moradores e demais usuários do espaço, dentre eles, proprietários de estabelecimentos comerciais. Moradora da Vila Santa Isabel, 50 anos, trabalha em uma padaria no bairro Cruzeiro como salgadeira. Disse que nas entrevistas para obter emprego, seu local de moradia lhe garante a vaga, porque para o empregador não há gastos com transporte. A situação parece óbvia do ponto de vista econômico, mas convém destacar que o inverso também pode acontecer, ou seja, mesmo sendo próximos os locais de moradia e trabalho, o empregador pode não se sentir seguro para contratar alguém daquela favela específica sobre a qual recai forte estigma de violência, por exemplo. Mas esse estigma não é verificado na Vila Santa Isabel, nem nas outras duas, Vila Fumec e Vila Pindura Saia. Outro exemplo: Na parede da loteria na Vila Pindura Saia havia um anúncio para o cargo de auxiliar de serviços gerais em uma conservadora de limpeza que atua nos condomínios da região onde se oferecia um salário mínimo sem vale transporte. O interessado deveria morar nas imediações do Mercado do Cruzeiro, ou seja, provavelmente em uma das três vilas.

O corretor entrevistado que trabalha em uma imobiliária próxima à Vila afirmou que a presença dela não interfere no valor dos imóveis do entorno. Disse que a Vila Santa Isabel “não é favela, é uma favelinha, um cortiço”, retirando dela a conotação negativa atribuída ao termo favela. Para este corretor, a desvalorização imobiliária na região não está associada à Vila Santa Isabel e sim à universidade FUMEC, devido à intensidade do trânsito de veículos que atrai e ao barulho proveniente das festas dos estudantes nos bares próximos.

Quando perguntados sobre o que deveria ser do futuro da Vila Santa Isabel, boa parte dos entrevistados posicionou-se dizendo: “Deveria acontecer à Vila o que fosse melhor para seus moradores, se eles ficarem contentes, fico também”; “Não vejo que eles têm que sair, está tudo muito urbanizado, muito bem definido”; “Deveria prevalecer a vontade dos moradores, a prefeitura deveria tratar a questão de forma humanitária e não apenas pela perspectiva da especulação imobiliária”. Apreende-se que para maior parte dos moradores entrevistados do bairro, o destino da vila e de

seus moradores resume-se nesta afirmativa: “Deveria prevalecer a vontade deles”. Para este grupo social, morador da “cidade formal”, a liberdade para exercer a vontade é cogitada naturalmente. Para o grupo social morador da “cidade informal” esta liberdade não é vislumbrada, pois a imagem da remoção futura contraria a vontade de permanecer na Vila.

O funcionário do Hotel Quality entrevistado posicionou-se de maneira ambígua, colocando-se no lugar do morador da Vila e no lugar do dono do Hotel: “Dizer que eles têm que sair é complicado, já passei por isso lá no São Benedito [bairro da cidade de Santa Luzia, integrante do “eixo norte” da RMBH] quando precisaram alargar a avenida, mas soube conversar e minha casa até que valorizou, mas teve gente que tomou prejuízo [...]. Mas para o Hotel seria bom comprar a área, fazer uma garagem de ônibus, ou um Pátio Savassi da vida [shopping voltado para um público de maior poder aquisitivo]”.

Na opinião da entrevistada de 65 anos, moradora há 47: “Um ponto nobre desse né... Podia construir uma coisa que vale a pena na Afonso Pena... Aquela maravilha do hotel podia estender até a [praça] Milton Campos, ou melhor, antes, porque prá lá já tem coisa boa. Mas acho que até lá, não vou ver essa Vila saindo daí. Acho que tirá-los não prejudica tanto porque a maioria é gente antiga, já está indo pro cemitério. Tem gente aí que tem até carro. Tem que ver os descendentes, o que vão arrumar, né?” A opinião desta senhora não representa a opinião da maioria dos entrevistados, mas é um ponto de vista que ganha adeptos, principalmente dos representantes do setor imobiliário.

Na opinião da maioria dos entrevistados moradores do entorno imediato da Vila Santa Isabel o futuro da Vila deve ser compatível com a vontade de seus moradores. Percebe-se, a partir das entrevistas realizadas, que os moradores dos bairros estão de “fora” da Vila Santa Isabel, mas não estão de “longe” como anuncia o título do capítulo 3. Há proximidade física e em alguma medida social também.

É importante para os moradores da Vila permanecerem, por todas as relações positivas que possuem com o lugar e porque assim desejam. Para a vizinhança do entorno imediato, moradores entrevistados dos bairros da cidade formal, é importante que a Vila permaneça e que seja respeitada a vontade dos seus moradores, em outras palavras, não concordam com uma expulsão compulsória. Para a cidade como um todo é importante que a Vila Santa Isabel permaneça como Zona Especial de Interesse Social – ZEIS - para que futuras gerações das classes populares tenham o

acesso à moradia em área central e, assim como moradores atuais da Vila, desfrutem da “estrutura de oportunidades” (KATZMAN, FILGUEIRA, 1999) ali existente.

A regularização fundiária na Vila Santa Isabel é possível e relativamente simples: o espaço demanda intervenções pontuais para melhoria da infra-estrutura e a legalização dos lotes é facilitada pelo fato de serem de propriedade pública municipal. No entanto, a regularização fundiária da Vila Santa Isabel não está na pauta de prioridades da URBEL96.

Para entender os condicionantes que envolvem o futuro da Vila Santa Isabel em área extremamente valorizada da cidade é preciso retomar o histórico tratamento dado às favelas em Belo Horizonte e analisar a política atual de intervenção em favelas.