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Como a Renovação Carismática vê a Igreja

CAPÍTULO 3 ORIGENS E EXPANSÃO DA RENOVAÇÃO CARISMÁTICA

3.2 O Pentecostalismo Católico no Brasil

3.2.2 Como a Renovação Carismática vê a Igreja

Aqui vamos apresentar a imagem que a RCC tem da Igreja e discutir, em nível de Brasil, a relação do movimento com as pastorais, Comunidades eclesiais de base (CEBs) e com a Doutrina Social da Igreja.

Também para a RCC, percebemos que a missão fundamental da Igreja é a evangelização. Porém, para que essa missão se cumpra é necessária uma convergência de elementos tais como pessoas, grupos, movimentos e hierarquia.

A Renovação Carismática Católica como movimento eclesial, como um modo de ser Igreja, pretende que todos integrantes, que todos aqueles que abraçam sua forma de testemunhar o Cristo no mundo contemporâneo tenham, não só a oportunidade, mas as ferramentas que se façam necessárias na busca cada vez maior do conhecimento sobre a Igreja a que pertencem (RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA, 2004, p. 9).

Na verdade, não é tão difícil perceber como a RCC compreende a Igreja, já que desde seus primórdios o movimento buscou legitimação dentro da própria Igreja. Para isso, teve que se identificar ao máximo com aquilo que a Igreja transmitia, especialmente pelos documentos conciliares.

Portanto, pode-se afirmar que o movimento se localiza como sendo refúgio da valorização doutrinal do catolicismo romano. Ora, é a partir desse raciocínio que podemos situar a Renovação como movimento tradicionalista e conservador, ao contrário do que pensam vários estudiosos que a colocam como movimento que rompe com a tradição dentro da Igreja Católica.

Esses autores, como Brenda Dávila, Reginaldo Prandi, Ari Pedro Oro entre outros, poderiam estar corretos em suas opiniões se formos considerar apenas o aspecto exterior da RCC, como as formas de expressões verbais, cantos, gestos corporais, recursos eletrônicos e marketing para atrair grandes massas populares. Mas estão incorretos se considerarmos a realidade teológica e os objetivos da Renovação como um todo.

Desde o seu surgimento em 1967, e de sua chegada ao Brasil pouco depois, a Renovação Carismática tem sido apresentada aos católicos e à mídia como sendo uma novidade dentro da Igreja Católica Apostólica Romana. Conforme citamos, vários autores utilizam esse pressuposto para dizerem que a RCC se mostra como uma inovação ao catolicismo tradicional.

Nós entendemos que em muitos aspectos o movimento traz uma certa novidade como Igreja, mas por ter assumido desde suas origens características conservadoras que se acentuaram na última década ele não se opõe ao chamado catolicismo tradicional.

É inegável, no entanto, que a RCC traz para a Igreja algumas novidades. Podemos perceber que ela introduz no catolicismo a emoção nas expressões rituais, sem mudar suas concepções de moralidade, recria a referência mística e miraculosa como recurso de vida espiritual, apela para a revivescência espiritual e conversão

interior, com o que podemos dizer que, embora tudo indique que a RCC aponte para uma nova subjetividade religiosa dentro da Igreja,

na prática, a RCC não veicula uma nova subjetividade, compreendida essa como alteração de comportamentos e ideologias, mas como uma forma nova de relacionamento com a tradição, no limite, uma nova forma, mas não

um novo conteúdo (DÁVILA, 2000, p. 307, grifo nosso).

Vale ressaltar uma outra característica muito peculiar do movimento que é a sua capacidade de independência frente ao clero e à hierarquia como um todo. Essa independência é relativa e sutil visto que é defendida ao mesmo tempo em que se defende total obediência e vinculação à Igreja em busca de legitimação. Porém, sobre isso discutiremos logo mais adiante no próximo capítulo.

No Brasil, sobre as relações entre RCC e CEBs é fato que ambas tinham propostas de renovação da Igreja. Apesar disso não houve consenso entre as duas expressões eclesiais. Os católicos das CEBs viam nos católicos carismáticos uma imagem de excesso de subjetividade enquanto os carismáticos viam entre os progressistas das CEBs um excesso de racionalismo. A Teologia da Libertação propunha uma renovação estrutural e os carismáticos queriam “uma Igreja renovada carismaticamente, que não tenha mais necessidade de um movimento específico” (CHAGAS, 1976, p. 42) de renovação.

É interessante observar que, principalmente nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, houve, a partir da década de 1990, uma retração da CEBs e uma desestabilização da Teologia da Libertação.

A maioria dos estudiosos tem tendência a ver no avanço da RCC um motivo para a decadência das CEBs. São poucos os que não vêem relação direta entre uma coisa e outra. O fato é que não encontramos nenhuma pesquisa quantitativa

que possa demonstrar tal relação. O que podemos arriscar afirmar é que baseando- nos na história de ambas expressões, CEBs e RCC, nos últimos anos, percebemos que a proposta das CEBs desencantou muitos católicos que passaram a vê-la como utópica devido à desproporção entre os resultados práticos e a pretensão do grupo, enquanto que a proposta de vivência espiritual da RCC teve a capacidade de atrair as massas face ao desencantamento do mundo moderno em especial nas grandes cidades. A RCC pode, então, ter crescido no vácuo deixado pela derrocada das CEBs.

Parece que essa queda das CEBs talvez esteja muito mais relacionada com a dificuldade de traduzir na prática, os elementos teológicos fundamentais para a construção e manutenção dessas comunidades. Explicando melhor, política e sociologicamente falando, as CEBs estiveram sempre bem organizadas e foram instrumentos privilegiados de luta social antes e depois da ditadura militar.

[As CEBs] funcionaram como espaços de discussão e aprofundamento de temas relacionados às questões da desigualdade e dos mecanismos de contestação social. [...] Mas as CEBs deixaram a desejar em sua caracterização propriamente cristã [...] Suas lideranças apresentavam-se burocráticas e racionais, com pouca mobilização [no campo espiritual] (SOUSA, 2003, p. 78) [acréscimos nossos].

Voltando à questão que diz respeito às relações entre Renovação Carismática e Comunidades Eclesiais de Base e Teologia da Libertação, vemos que o próprio contexto do surgimento de um e de outro são realmente distintos.

A Teologia da Libertação nasceu da construção intelectual de vários teólogos a partir da realidade social da América Latina e influenciada pelo marxismo. A Renovação, como vimos, nasce a partir de professores e estudantes universitários

norte-americanos preocupados com a realidade interna da Igreja e de si mesmos sem construção teórica precedente, mas vinculados a uma experiência prática.

Apesar dessa distinção inicial, entendemos que ambas não nasceram em oposição, ao contrário do que parece. Na verdade, havia até uma certa tendência a aproximação. Vê-se, por exemplo, que tanto RCC quanto CEBs se dizem herdeiras do Concílio Vaticano II. A Teologia da Libertação incentiva a formação de comunidades que teriam, em sua base social, uma vivência fundamentada no livro bíblico dos Atos dos Apóstolos. Já a RCC não tem uma proposta muito diferente senão a formação, a partir dos grupos de oração, de comunidades eclesiais renovadas ou comunidades de renovação, semelhantes às comunidades cristãs primitivas (RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA, 1998, p. 58).

Os embates entre as CEBs e a RCC se deram, em boa parte, por culpa da própria hierarquia católica brasileira que assumiu o modo de ser Igreja das CEBs, principalmente em relação a sua militância política, em detrimento da proposta da Renovação Carismática que foi marginalizada e excluída na maioria das dioceses.

Evidentemente, isso contribuiu para que membros e simpatizantes de ambas expressões eclesiais passassem a se enxergar como inimigos naturais trocando acusações ao longo de quase duas décadas, até que o apoio e a simpatia de Roma e o inegável crescimento carismático foram dois dos motivos pelos quais o quadro começou a mudar.

Porém, ainda hoje há o famoso clichê atribuído ao relacionamento RCC e CEBS que divide, de um lado os que cuidam do social (CEBs) e, de outro lado os que cuidam do espiritual (RCC).

3.3 A INSERÇÃO DA RENOVAÇÃO CARISMÁTICA NOS MEIOS DE