• Nenhum resultado encontrado

32.3 Compacidade, Compacidade Local e Paracompacidade

32.3.6 Compacidade Local

A afirma¸c˜ao do Teorema 32.23 de que toda variedade topol´ogica compacta pode ser, em um certo sentido, encarada como um conjunto compacto de algumRmcoloca a quest˜ao de por que ´e, afinal, relevante definir a no¸c˜ao de variedade topol´ogica compacta de modo intr´ınseco, como fizemos, em termos de propriedades de seus abertos, e n˜ao de modo extr´ınseco, como conjuntos homeomorfos aos familiares compactos de Rm. Pondo de lado o car´ater ontol´ogico dessa quest˜ao, a verdade ´e que a abordagem intr´ınseca apresenta vantagens diversas, enquanto que a abordagem extr´ınseca raramente ´e capaz de oferecer um “insight” mais profundo sobre a natureza das variedades e suas propriedades.

32.3.6 Compacidade Local

• Compacidade local

A compacidade de um espa¸co topol´ogico ´e importante por permitir a inferˆencia indutiva de certas propriedades

“globais” a partir de propriedades “locais”. A propriedade de compacidade, ela mesma, ´e, no entanto, uma propriedade global do espa¸co. Seria interessante permitir realizar as virtudes da compacidade em um n´ıvel local e para tal presta-se a no¸c˜ao de espa¸cos localmente compactos.

Um espa¸co topol´ogico (X, τ) ´e dito ser um espa¸co localmente compacto se todo x ∈ X possui uma vizinhan¸ca compacta, ou seja, se para cada x ∈ X existirem um conjunto τ-aberto A e um conjunto τ-compacto C tais que x∈A⊂C.

Naturalmente, todo espa¸co compacto ´e localmente compacto. Os espa¸cos Rn e Cn, n ≥ 1, com suas m´etricas usuais, n˜ao s˜ao compactos, mas s˜ao espa¸cos topol´ogicos localmente compactos (na topologia usual). De fato, cada x∈ Rn pertence a uma bola fechada de raio r > 0 centrada em x na m´etrica Euclidiana usual: x∈ B(r, x) =

y ∈ Rn| ky−xk ≤r . Pelo Teorema de Heine-Borel emRn, Teorema 32.14, p´agina 1553,B(r, x) ´e compacto por ser fechado e limitado, provando queRn, n≥1, ´e localmente compacto. EmCn o argumento ´e o mesmo.

O Exemplo 32.5, p´agina 1550, ensina-nos que no espa¸co m´etrico formado pelos racionais Q com a m´etrica usual todo compacto tem interior vazio e, portanto, nenhum compacto pode ser uma vizinhan¸ca. Trata-se, portanto, de um (importante) exemplo de um espa¸co topol´ogico que n˜ao ´e localmente compacto.

Um espa¸co localmente compacto n˜ao ´e necessariamente Hausdorff e vice-versa. Vejamos exemplos.

Exemplo 32.9 SejaX n˜ao vazio ep∈X. Sejaτpa topologia particular de{p}, na qual s˜ao declarados abertos o vazio e todo conjunto que cont´emp(vide Exerc´ıcio E. 27.3, p´agina 1360). O espa¸co topol´ogico (X, τp) n˜ao ´e Hausdorff (pois todoτp-aberto n˜ao vazio cont´emp) mas ´e localmente compacto. De fato, se x∈X, ent˜aoVx={p, x}´eτp-compacto, pois todo recobrimentoA deVx por τp-abertos cont´em pelo menos um elemento A∈A que cont´emxep, e, portanto{A} ⊂A´e um recobrimento deVx

composto por um ´unico elemento deA. Por´em,Vx´eτp-aberto e, portanto ´e uma vizinhan¸ca compacta dex. ◊

Exemplo 32.10 Um espa¸co de Hilbert H de dimens˜ao infinita ´e Hausdorff na topologia induzida pela norma (por ser uma topologia m´etrica), mas n˜ao ´e localmente compacto nessa topologia, pois sex ∈ H, qualquer vizinhan¸ca aberta que cont´em x cont´em alguma bola abertaB(r, x) centrada emxcom para algumr >0. Mas nenhum compacto pode conter essa bola, pois h´a

nelas sequˆencias que n˜ao tˆem subsequˆencias convergentes (vide Teorema 32.11, p´agina 1548). Por exemplo, seψn∈H,n∈N, ´e um conjunto de vetores ortonormais, ent˜aoxn=r2ψn,n∈N, ´e uma sequˆencia de vetores deB(r, x) para a qual valekxn−xmk=r

2

e, portanto,{xn}nNn˜ao tem uma subsequˆencia convergente em norma. ◊

Exemplo 32.11 A reta de Sorgenfrey (R, τ[S]), introduzida na Se¸c˜ao 27.2.1.1, p´agina 1364, ´e um espa¸co topol´ogico Hausdorff

que n˜ao ´e localmente compacto. Vide Proposi¸c˜ao 32.29, p´agina 1555. ◊

32.3.6.1 Espa¸ cos Localmente Compactos Hausdorff

O estudo de espa¸cos localmente compactos e que sejam Hausdorff possui um leque abrangente de aplica¸c˜oes. Apresen-taremos no que segue alguns resultados que usaremos alhures neste texto.

A proposi¸c˜ao que segue apresenta uma caracteriza¸c˜ao alternativa do que s˜ao espa¸cos localmente compactos dentre os espa¸cos de Hausdorff.

Proposi¸c˜ao 32.31 Um espa¸co topol´ogico Hausdorff (X, τ)´e localmente compacto se e somente se todo x∈X possui uma vizinhan¸ca aberta relativamente compacta, ou seja, se e somente se para cada x∈X existir um τ-abertoA comA

τ-compacto tal que x∈A. 2

Prova. Se para cadax∈X existir umτ-abertoAcomA τ-compacto, ent˜ao (X, τ) ´e localmente compacto, pela defini¸c˜ao geral de compacidade local.

Pela defini¸c˜ao geral de compacidade local, se (X, τ) ´e localmente compacto ent˜ao para todox∈Xexiste umτ-aberto A e um τ-compacto C tais que x∈ A ⊂ C. Agora, pelo Teorema 32.9, p´agina 1544, C ´e um τ-fechado e, portanto, A⊂C. Mas comoA´e um subconjunto τ-fechado de umτ-compacto, segue da Proposi¸c˜ao 32.18, p´agina 1541, queA´e τ-compacto.

• Propriedades de separa¸c˜ao em espa¸cos localmente compactos Hausdorff Proposi¸c˜ao 32.32 Todo espa¸co topol´ogico Hausdorff localmente compacto ´e regular.

Prova. Seja (X, τ) um espa¸co topol´ogico localmente compacto Hausdorff. Sejam F ⊂ X e x ∈ X, com F sendo um conjunto τ-fechado e x6∈F. Como (X, τ) ´e localmente compacto, x possui uma vizinhan¸ca aberta relativamente compactaA (Proposi¸c˜ao 32.31, p´agina 1569). Como (X, τ) ´e Hausdorff,A´eτ-fechado (Teorema 32.9, p´agina 1544).

Pela propriedade de Hausdorff e pela Proposi¸c˜ao 32.10, p´agina 1525, podemos paraf ∈F encontrar umτ-abertoAf

tal quex∈Af ⊂Af ef 6∈Af. Seja a cole¸c˜aoF:=

F∩A∩Af, f ∈F . Pela Proposi¸c˜ao 32.18, p´agina 1541, cada F∩A∩Af ´eτ-compacto, por ser um subconjuntoτ-fechado doτ-compactoA. Afirmamos queT

f∈F

F∩A∩Af

=∅. De fato, n˜ao ´e poss´ıvel ter-se simultaneamentef0∈F ef0∈Af para todof ∈F, poisf06∈Af0. Pelo Lema 32.7, p´agina 1545, existe assim uma cole¸c˜ao n˜ao vazia finita n

F∩A∩Af1, . . . , F∩A∩Afn

osatisfazendo

\n

k=1

F∩A∩Afk

=∅, ou seja, satisfazendoF∩A∩

Af1∩ · · · ∩Afn

=∅. DefinindoB :=A∩Af1∩ · · · ∩Afn, teremosB⊂A∩

Afn∩ · · · ∩Afn

(vide Proposi¸c˜ao 27.4, p´agina 1372) e disso segue que F∩B ⊂F ∩A∩

Af1∩ · · · ∩Afn

=∅, o que significa queB ⊂Fc. Agora,B ´e um τ-aberto (pois A e os Afk’s o s˜ao) e cont´emx(poisAe osAfk’s o fazem).

Assim, provamos que para todo x∈X e todo τ-fechadoF comx6∈F ´e poss´ıvel encontrar umτ-aberto B tal que x∈B⊂B⊂Fc. Pela Proposi¸c˜ao 32.10, p´agina 1525, isso significa que (X, τ) ´e regular.

Corol´ario 32.9 Seja(X, τ)um espa¸co topol´ogico localmente compacto Hausdorff. SejamC, F ⊂X comC τ-compacto, F τ-fechado eC∩F =∅. Ent˜ao, existemτ-abertos AC eAF comC⊂AC,F ⊂AF eAC∩AF =∅. 2

Prova. Seja c ∈ C. Pela Proposi¸c˜ao 32.32, p´agina 1569, existe um abertoAc tal que c ∈ Ac ⊂ Ac ⊂ Fc. Portanto, a cole¸c˜ao A = {Ac, c ∈ C} recobre C. Como C ´e compacto, existe uma subcole¸c˜ao finita {Ac1, . . . , Acn} ⊂ A que tamb´em recobre C, ou seja, C ⊂ Ac1 ∪ · · · ∪Acn. Claro est´a que AC := Ac1 ∪ · · · ∪Acn ´e um τ-aberto e que AC =Ac1∪ · · · ∪Acn⊂Fc. TomandoAF = AC

c

a demonstra¸c˜ao est´a completa.

A Proposi¸c˜ao 32.32 tem tamb´em o seguinte corol´ario.

Corol´ario 32.10 Todo espa¸co topol´ogico Hausdorff, segundo-cont´avel e localmente compacto ´e normal. 2

Prova. Evidente pela Proposi¸c˜ao 32.32, p´agina 1569, e pelo Teorema 32.2, p´agina 1527.

No Teorema 32.26, p´agina 1574, ser´a apresentado um refinamento do Corol´ario 32.10.

• Recobrimentos por abertos em espa¸cos localmente compactos Hausdorff

A proposi¸c˜ao que segue ´e usada em diversas demonstra¸c˜oes, como teremos oportunidade de observar em nossa discuss˜ao sobre a rela¸c˜ao entre compacidade local e paracompacidade.

Proposi¸c˜ao 32.33 Seja (X, τ) um espa¸co topol´ogico Hausdorff e localmente compacto. Ent˜ao, valem as seguintes afirma¸c˜oes:

I. X possui um recobrimento porτ-abertos relativamente compactos.

II. Se adicionalmente (X, τ)for segundo-cont´avel, ent˜aoX possui:

1. Um recobrimento cont´avel porτ-abertos relativamente compactosA=

Am∈τ, m∈N . 2. Um recobrimento cont´avel porτ-abertos relativamente compactosB=

Bm∈τ, m∈N satisfazendo Am ⊂ Am ⊂ Bm ⊂ Bm ⊂ Bm+1

para todo m∈N. (Os conjuntosAms˜ao aqueles do item 1).

O primeiro item da parte II, acima, garante queAc=

Am, m∈N ´e um recobrimento cont´avel deX porτ-compactos, estabelecendo que todo espa¸co topol´ogico Hausdorff localmente compacto e segundo-cont´avel ´eσ-compacto. 2

Prova (De [76], com diversas modifica¸c˜oes). Parte I.A prova da parte I ´e evidente pela defini¸c˜ao, pois sex∈X ent˜ao existem Ax ∈ τ e Cx τ-compacto tais que x ∈ Ax ⊂ Cx. Obviamente {Ax, x ∈ X} ´e um recobrimento de X por τ-abertos. ComoCx´e fechado (Proposi¸c˜ao 32.9, p´agina 1544), ent˜aoAx⊂Cx. Pela Proposi¸c˜ao 32.18, p´agina 1541, isso implica queAx´e compacto, estabelecendo que cadaAx,x∈X, ´e relativamente compacto.

Parte II. Pela Parte I, (X, τ) possui, por ser Hausdorff e localmente compacto, um recobrimento por τ-abertos rela-tivamente compactos. Como (X, τ) ´e segundo-cont´avel, o Lema 32.5, p´agina 1538 garante-nos que podemos considerar esse recobrimento como sendo cont´avel. Vamos denot´a-lo porA=

Am∈τ, m∈N . ComoArecobreX, a cole¸c˜ao de τ-compactosAc=

Am, m∈N tamb´em recobreX. Isso demonstrou o item 1.

Como ArecobreX, todo Am, m∈N, ´e recoberto por elementos de A. ComoA1 ´eτ-compacto, esse recobrimento por elementos deApossui um sub-recobrimento finito, que denotaremos por

A1,1, . . . , An1,1 ⊂A, comn1∈N. Seja B1:=

n1

[

k=1

Ak,1 Por constru¸c˜aoA1⊂B1 para cadam∈N. ´E claro tamb´em queB1=

n1

[

k=1

Ak,1´e τ-compacto (por ser uma uni˜ao finita deτ-compactos, vide Proposi¸c˜ao 32.17, p´agina 1540).

Para o item 2 procederemos agora por indu¸c˜ao. O conjuntoB1∪A2´e tamb´emτ-compacto (novamente por ser uni˜ao de doisτ-compactos) e igualmente possui um recobrimento finito por elementos deA:

A1,2, . . . , An2,2 ⊂A. Novamente, definimosB2 :=

n2

[

k=1

Ak,2 e novamente teremos queA2⊂B2 e que B2 =

n2

[

k=1

Ak,2 ´e τ-compacto. Observe-se que, pela defini¸c˜ao, valer´a tamb´emB1⊂B2. Procedendo indutivamente, obtemos para cadam∈Nconjuntos Bm∪Am+1 tendo

um recobrimento finito

A1, m, . . . , Anm, m ⊂Acom o qual definimosBm+1:=

nm+1

[

k=1

Ak, m+1e novamente teremos que Am+1⊂Bm+1e queBm+1=

nm+1

[

k=1

Ak, m+1´eτ-compacto. Observe-se que, pela defini¸c˜ao, valer´a tamb´emBm⊂Bm+1. A cole¸c˜aoB=

Bm, m∈N assim obtida recobreX (poisAm⊂Bmpara todomeAcrecobreX), ´e composta por conjuntos pr´e-compactos (pois cadaBm´e τ-compacto) e satisfazemBm⊂Bm+1 para todom∈N.