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32.3 Compacidade, Compacidade Local e Paracompacidade

32.3.4 Os Teoremas de Ascoli e de Arzel` a

32.3.4.3 O Teorema de Peano

Como consequˆencia da parte III do Teorema 32.11, p´agina 1548, o fecho F⊂C(X, Fn) de F no espa¸co topol´ogico C(X, Fn), τd

´eτd-compacto e, portanto, pela parte I do Teorema 32.11,F´e sequencialmente compacto na m´etrica d. Logo, toda sequˆencia deFtem uma subsequˆencia convergente na m´etricad, ou seja, toda sequˆencia deFtem uma

subsequˆencia uniformemente convergente. 2

Essa vers˜ao do Teorema de Ascoli ´e talvez a mais relevante em aplica¸c˜oes `as equa¸c˜oes diferenciais e integrais.

32.3.4.3 O Teorema de Peano

Uma das consequˆencias do Teorema de Ascoli ´e um importante teorema de existˆencia (n˜ao de unicidade!) de solu¸c˜oes de problemas de valor inicial para equa¸c˜oes diferenciais ordin´arias, chamado Teorema de Peano32. Vamos primeiramente apresentar uma vers˜ao do mesmo para problemas de valor inicial de equa¸c˜oes diferenciais ordin´arias em espa¸cos de Banach e, em seguida, tratar do caso, talvez mais relevante em aplica¸c˜oes, de equa¸c˜oes diferenciais ordin´arias emRm(ouCm). A relevˆancia do Teorema de Peano foi discutida no Cap´ıtulo 12, p´agina 629. Ap´os os enunciados e demonstra¸c˜oes faremos alguns coment´arios apropriados.

Teorema 32.20 SejaB um espa¸co de Banach e sejay0∈B. Sejat0∈Re, paraa >0eb >0, considere-se R⊂R×B dada por

R := n

(t, y)∈R×B

|t−t0| ≤a, ky−y0k ≤bo .

Considere-se uma fun¸c˜ao n˜ao-nula F :R→B que seja uniformemente cont´ınua e limitada emR, ou seja, com M := sup

kF(t, y)k, (t, y)∈R < ∞. Defina-se ainda

β := min

a, b M

. (32.26)

para o Teorema de Ascoli, ou Ascoli-Arzel`a. A grande maioria dos textos assume queX´e compacto e Hausdorff, ou compacto e m´etrico. A demonstra¸c˜ao de [328] do Teorema de Ascoli, por exemplo, deixa claro que essa hip´otese ´e sup´erflua. [328], por´em, apresenta o Teorema de Ascoli apenas para fun¸c˜oes sobre os complexos e n˜ao menciona Teorema de Arzel`a.

32Giuseppe Peano (1858–1932). O Teorema de Peano data de 1886.

Ent˜ao, existe ao menos uma fun¸c˜aoy: [t0−β, t0+β]→B que satisfaz o problema de valor inicial

Prova. (De [154], com adapta¸c˜oes, esclarecimentos e corre¸c˜oes). A estrat´egia da demonstra¸c˜ao consiste em se construir uma sequˆencia de fun¸c˜oes yn, n ∈ N, que satisfa¸ca as condi¸c˜oes do Teorema de Ascoli e aproxime uma solu¸c˜ao do problema de valor inicial considerado. O Teorema de Ascoli garantir´a a existˆencia de uma subsequˆencia convergente a uma fun¸c˜aoy e, em seguida, mostra-se que essay satisfaz a equa¸c˜ao diferencial e a condi¸c˜ao inicial desejadas.

Seja β ∈(0, a], por enquanto arbitr´ario. Para cadan∈N, considere-se a fun¸c˜ao yn : [t0, t0+β]→B definida da

Antes de prosseguirmos precisamos fazer dois coment´arios importantes sobre (32.28)

1. Como o dom´ınio de F ´e R, devemos, por consistˆencia, garantir que yn(t) satisfa¸ca kyn(t)−y0k ≤ b para todo como em (32.26), o que faremos doravante, a condi¸c˜ao de consistˆenciakyn(t)−y0k ≤ b ser´a satisfeita para todo n∈Ne todot∈[t0, t0+β]⊂[t0, t0+a].

2. ´E muito importante comentar que apesar de a fun¸c˜ao yn comparecer em ambos os lados da express˜ao (32.28), a defini¸c˜ao contida em (32.28) n˜ao ´e tautol´ogica. Essa afirma¸c˜ao segue da seguinte discuss˜ao. O intervalo de defini¸c˜ao

t0, t0

pode ser dividido em n intervalos de defini¸c˜ao disjuntos:

t0, t0+β a integra¸c˜ao emτ do lado direito de (32.28) ´e realizada no intervalo τ ∈h

t0, t−βn fun¸c˜ao yn em (32.28) vai sendo definida recursivamente em cada intervaloTk, k≥2, em termos dos seus valores nos intervalos anteriores a Tk, partindo-se do primeiro intervaloT1, onde yn vale y0. A defini¸c˜ao (32.28) n˜ao ´e, portanto, tautol´ogica, mas sim recursiva nos intervalos de defini¸c˜aoTk.

Por exemplo, parat∈T2=

pois yn(t) ´e igual `a constantey0 no intervaloT1, dentro do qual a integra¸c˜ao acima se d´a. Parat∈T3 teremos N} satisfaz, portanto, as hip´oteses do Teorema de Ascoli, Teorema 32.18, p´agina 1558, e conclu´ımos que existe uma subsequˆencia{ynk : [t0, t0+β]→B, k∈N} que converge uniformemente a uma fun¸c˜aoy : [t0, t0+β]→B (ou seja,

e conclu´ımos que o mesmo vai a zero quandok→ ∞. Ao mesmo tempo, a continuidade uniforme deF e a finitude do intervalo [t0, t] implicam que

k→∞lim Z t

t0

F τ, ynk(τ) dτ =

Z t t0

F τ, y(τ) dτ . Portanto, segue que

y(t) = y0+ Z t

t0

F τ, y(τ)

dτ (32.30)

para t∈(t0, t0

. Decorre de (32.30) que (32.27) ´e satisfeita pory no intervalo [t0, t0+β]. Conclu´ımos que existe ao menos uma solu¸c˜ao para o problema de valor inicial (32.27) no intervalo [t0, t0+β]. Seguindo os mesmos passos, chegamos `a mesma conclus˜ao de existˆencia de solu¸c˜ao para o intervalo [t0−β, t0].

Podemos agora enunciar e provar um importante teorema sobre equa¸c˜oes diferenciais ordin´arias com valores emRm (ouCm) cuja relevˆancia fora discutida no Cap´ıtulo 12, p´agina 629.

Teorema 32.21 (Teorema de Peano) Seja m∈N e sejak · k a norma Euclidiana usual de Rm. Sejam y0 ∈Rm e t0∈R e, para a >0 eb >0, considere-se o conjunto fechado R⊂R×Rn dado por

R := n

(t, y)∈R×Rm

|t−t0| ≤a, ky−y0k ≤bo .

Considere-se uma fun¸c˜ao cont´ınua e n˜ao-nula F :R→Rm. Por ser fechado e limitado, R´e compacto (pelo Teorema de Heine-Borel, Teorema 32.14, p´agina 1553). Como F ´e cont´ınua, F ´e limitada (pelo Teorema 32.16, p´agina 1554), isto

´e,

M := sup

kF(t, y)k, (t, y)∈R < ∞. Defina-se ainda

β := min

a, b M

. (32.31)

Ent˜ao, existe ao menos uma fun¸c˜aoy: [t0−β, t0+β]→Rm que satisfaz o problema de valor inicial

˙

y(t) = F t, y(t) , y(t0) = y0,

(32.32)

no intervalo [t0−β, t0+β]. 2

Coment´ario. Deve ser claro ao leitor que o Teorema de Peano acima permanece v´alido se substituirmosRmporCm.

Prova do Teorema 32.21. Como R´e compacto e F ´e cont´ınua,F ´e tamb´em uniformemente cont´ınua (pelo Teorema de Heine-Cantor, Teorema 32.12, p´agina 1551). Estamos, portanto, sob as hip´oteses do Teorema 32.20, p´agina 1560, o que completa a demonstra¸c˜ao.

• Coment´arios

Existem diversas demonstra¸c˜oes do Teorema de Peano, com grau maior ou menor de generalidade. Nossa demons-tra¸c˜ao acima segue a de [154], a qual ´e suficientemente geral para adaptar-se a EDOs em espa¸cos de Banach (sob as hip´oteses assumidas no Teorema 32.20! Vide coment´arios abaixo.). O leitor encontrar´a em [227] uma demonstra¸c˜ao do Teorema de Peano para o caso de EDOs emRusando as chamadaslinhas de Euler. Uma outra estrat´egia poss´ıvel para EDOs emRn ouCn consiste no seguinte. Primeiramente, aproxima-se uniformemente a fun¸c˜aoF no retˆangulo compacto Rpor polinˆomiosPn,n∈N, (evocando-se para tal o Teorema de Weierstrass em v´arias vari´aveis, Teorema 36.5, p´agina 1811), em seguida, evoca-se o Teorema de Picard-Lindel¨of, Teorema 25.4, p´agina 1325, para garantir-se a existˆencia de solu¸c˜oesyn das equa¸c˜oes ˙y =Pn t, y(t)

, obtidas com F substitu´ıda por Pn (polinˆomios s˜ao, evidentemente, fun¸c˜oes cont´ınuas e diferenci´aveis, da´ı podermos evocar o Teorema de Picard-Lindel¨of). Em seguida, mostra-se que a fam´ılia de solu¸c˜oes yn, n ∈ N, ´e equilimitada e equicont´ınua, possuindo, portanto, uma subsequˆencia uniformemente conver-gente a uma fun¸c˜ao y, a qual ´e tamb´em solu¸c˜ao da equa¸c˜ao original (o que se demonstra usando-se a uniformidade da aproxima¸c˜ao polinomial).

E. 32.16 Exerc´ıcio. Obtenha uma demonstra¸c˜ao do Teorema de Peano para EDOs emRnou emCnseguindo os passos delineados

acima. 6

Um outro coment´ario importante diz respeito `a quest˜ao de ser ou n˜ao poss´ıvel enfraquecer as condi¸c˜oes do Teorema 32.20, p´agina 1560, de modo a exigir-se deF apenas que a mesma seja cont´ınua no dom´ınio fechado e limitadoR. Foi o que fizemos no Teorema de Peano, Teorema 32.21, p´agina 1563, pois l´a pudemos usar o fato deRser agora compacto (o que n˜ao seria verdadeiro se o espa¸co de BanachB fosse de dimens˜ao infinita). Dieudonn´e33, em 195034, encontrou um exemplo de um espa¸co de Banach de dimens˜ao infinita (o das sequˆencias que convergem a zero) no qual o do problema de valor inicial (32.27) n˜ao exibe solu¸c˜oes para uma certaF que satisfaz apenas a hip´otese de continuidade. Em uma s´erie de trabalhos, A. N. Godunov generalizou esse resultado e provou, em 197535, que o Teorema de Peano, Teorema 32.21,

´e falso em espa¸cos de Banach de dimens˜ao infinita, ou seja, em tais espa¸cos ´e sempre poss´ıvel encontrar uma fun¸c˜ao cont´ınua emRpara a qual o problema de valor inicial (32.27) n˜ao exibe solu¸c˜oes. O Teorema de Peano ´e tamb´em falso para espa¸cos de Fr´echet de dimens˜ao infinita36.