• Nenhum resultado encontrado

4 – COMPACTAÇÃO DE MISTURAS BETUMINOSAS: MODELAÇÃO NUMÉRICA

4.1 Introdução

A aplicação da modelação numérica em engenharia cresceu exponencialmente durante as duas últimas décadas, em parte pela maior disponibilidade de computadores e por outro lado pelas enormes vantagens que apresentam. A modelação numérica permite reduzir custos e realizar maior número de análises em menor tempo comparativamente à realização de ensaios da forma tradicional, em laboratório ou à escala real em campo.

Os materiais são discretizados em malhas simples ou mais elaboradas, dependendo da complexidade do problema, podendo ser considerados diferentes arranjos, modelos de comportamento, acções, condições fronteira, tipos de análise mecânica (estática, dinâmica, etc.), de modo a simular o comportamento para uma determinada situação.

Os modelos podem ser distinguidos em 2 grupos, os de base contínua e os de base discreta. Enquanto que no primeiro grupo se pretende simular a resposta macroscópica dos materiais aplicando modelos constitutivos globais, no segundo grupo pretende-se obter a resposta macroscópica simulando a interacção dos diferentes elementos constituintes do material. Exemplificando a aplicação deste último grupo aos pavimentos rodoviários, os materiais granulares poderão ser separados de acordo com a dimensão das partículas enquanto que nas misturas betuminosas se poderá dividir entre as partículas de betume, as de agregado e mesmo permitir a existência de vazios (áreas ocas), em que cada elemento apresenta características diferentes.

No passado, para as misturas betuminosas os modelos de análise de base contínua, por aplicação do método de elementos finitos, foram úteis na determinação da distribuição tensão-extensão, considerando ou não anisotropia, no entanto não estão habilitados para o estudo dos mecanismos de deformação pois não têm em conta o deslocamento relativo das partículas de agregado (nível da resposta microestrutural), Abbas (2004).

Dentro dos modelos de base discreta ou métodos micromecânicos estão disponíveis: o Método de Elementos Finitos (MEF), o Método de Elementos de Treliça (MET) e o Método de Elementos Discretos (MED). Cada um dos métodos apresenta vantagens e limitações, dependendo a escolha do objectivo de aplicação. A complexidade da modelação, tempo de cálculo e aproximação à realidade variam grandemente nos vários métodos.

O método de elementos finitos tem tido como base de aplicação primordial as análises de base contínua. No entanto, nos últimos anos têm surgido algumas aplicações a materiais compósitos, nomeadamente misturas

betuminosas. Este método consiste em termos gerais na discretização do material num conjunto de pequenos elementos que formam uma malha e que se ligam entre si em vários pontos, denominados “nós”. Quando a discretização é muito refinada é possível distinguir num material compósito os vários elementos que o compõem, tornando o método adequado à sua utilização como método micromecânico. Quanto menor a dimensão dos elementos (malha fina) melhor será a representação das várias fases presentes no material. Como limitação principal é apontada a incapacidade de simular na sua forma original a alteração da geometria dos contactos entre as partículas durante o carregamento, sendo bastante complexas as formulações actuais que, com base em princípios de continuidade, introduzem descontinuidades.

O método de elementos de treliça deriva do método de elementos finitos, em que existe uma aproximação a um elemento contínuo com uma treliça, ligação que pode ser quebrada durante o carregamento formando uma descontinuidade. Segundo Silva (2005), este modelo apesar de desenvolvido há mais de 60 anos foi pouco utilizado até aos anos 80 devido a restrições de capacidade computacional. A modelação é menos complexa, diminuindo grandemente o tempo de cálculo para malhas muito refinadas. O mesmo autor defende que o principal campo de aplicação no caso de misturas betuminosas é o estudo da microfendilhamento.

Por último, o método de elementos discretos foi inicialmente desenvolvido por Cundall & Strack (1979), primeiro para estudar estruturas de blocos rochosos e sucessivamente adaptado para o estudo de problemas, os mais diversos possível. Com este método os materiais são discretizados num conjunto de pequenas partículas rígidas que interagem através de contactos deformáveis, permitindo que durante o carregamento se formem e rompam contactos sucessivamente. A sua utilização permite tratar problemas complexos com sucesso, daí o crescimento acentuado da sua aplicação no domínio da engenharia em todo o mundo.

O reduzido conhecimento científico do processo da compactação de misturas betuminosas, o custo e as dificuldades em o aprofundar com recurso a ensaios de campo, bem como a disponibilidade de uma ferramenta de modelação numérica justificou a sua inclusão no trabalho. A revisão apresentada das teorias explicativas do processo de compactação mostrou que existe ainda muito trabalho a desenvolver nesta área. Para todas as teorias apresentadas ainda não foi apresentada uma real comprovação científica dos pressupostos que defendem, permitindo iluminar o processo complexo que é a compactação de misturas betuminosas.

Anteriormente na secção 2.2, sobre as teorias da compactação, foram referidas algumas conclusões do trabalho de Huerne (2004), o qual estudou no âmbito do seu doutoramento a simulação da compactação de misturas betuminosas utilizando o método de elementos finitos como modelo de base contínua. Recorrendo à teoria dos estados críticos, teoria desenvolvida para materiais granulares que explica as deformação plásticas pela reorientação das partículas. Tanto na Teoria dos Estados Críticos (TEC) como na Teoria de Mohr-Coulomb (TMC) este pressuposto é válido. No entanto, as teorias têm posições contrárias

CAPÍTULO 4 – COMPACTAÇÃO DE MISTURAS BETUMINOSAS: MODELAÇÃO NUMÉRICA

relativamente aos estados de tensão que originam compactação. Com os fundamentos da TEC adaptou o Estabilómetro Hveem, utilizado no método Hveem de formulação de misturas betuminosas, para determinar as características mecânicas de uma mistura betuminosa de acordo com a TEC para vários graus de compactação. Como o equipamento não permitia testar amostras a temperaturas elevadas, recorreu a um betume especialmente concebido, com viscosidade muito baixa a temperaturas apenas um pouco mais elevadas que a temperatura ambiente. Através da aplicação da teoria num software de método de elementos finitos que permite detectar e quebrar contactos entre a malha de elementos e as paredes (rolo compactador), simulou as tensões, extensões e padrões de deformação originados durante as várias passagens do compactador (Figura 4.1). Foi realizado um trecho de ensaio para determinar a variação de espessura da camada de misturas betuminosas em cada passagem do cilindro de rasto liso estático. Apesar dos resultados serem promissores e razoáveis, o autor não conseguiu a correspondência entre as deformações prescritas e as forças resultantes, podendo os resultados apenas servir para uma avaliação qualitativa.

Figura 4.1 – Tensões normais isotrópicas na mistura betuminosa durante uma passagem do rolo de rasto liso estático – Huerne (2004)

Os factores a seguir apresentados conduziram a que o trabalho de modelação da compactação de misturas betuminosas fosse realizado com um modelo micromecânico.

• Grandes dificuldades e exequibilidade em obter as características dos materiais para a utilização num modelo de base contínua, Huerne (2004);

• A TEC e a TMC estão de acordo sobre o processo físico que origina compactação, a reorientação dos agregados;

• Os métodos de base discreta permitem estudar a interacção dos diferentes elementos que compõem um material compósito, incluindo a quebra e formação de novos contactos.

Como ponto de partida para a abordagem da compactação de misturas betuminosas por métodos micromecânicos, em 4.1.1 e 4.1.2 são detalhadas as aplicações de modelos micromecânicos em misturas betuminosas e em problemas de compactação independentemente dos materiais em estudo.

De seguida, na secção 4.2 descreve-se o método micromecânico seleccionado, MED, e na secção 4.3 as etapas necessárias ao processo de simulação. Na secção 4.4 são analisados os processos de geração da

assembleia, tendo-se criado um processo novo, a partir dos existentes, mais apropriado à modelação da compactação de misturas betuminosas. Para a análise seleccionou-se a mistura betão betuminoso 0/16 mm.

Na secção 4.5 são apresentados os resultados do método de compactação laboratorial seleccionado para a validação da modelação da compactação de misturas betuminosas com métodos micromecânicos. Na secção 4.6 são revistos alguns parâmetros intervenientes no modelo numérico, com especial atenção para os modelos de contacto entre as partículas, os quais são avaliados com base em simulações (secção 4.7). São também apresentadas metodologias de optimização dos resultados.

Finalmente, na secção 4.8, após os resultados conseguidos com a mistura betuminosa padrão, o processo é repetido com duas novas misturas com compactabilidades diferentes, a argamassa betuminosa 0/5 mm e o betão betuminoso drenante 0/8 mm.

4.1.1 Experiência de modelos numéricos micromecânicos em misturas betuminosas

De seguida vão ser apresentadas as aplicações mais relevantes de modelos numéricos micromecânicos em misturas betuminosas, numa sequência histórica, resumindo o objectivo de estudo, tipo de modelo numérico, bem como algumas conclusões.

Rothenburg et al. (1992), foram os primeiros investigadores a aplicar o MED a misturas betuminosas. Nestes modelos simularam a estrutura interna composta por agregados, partículas elásticas, envoltas numa matriz de mastique de propriedades viscoelásticas. Os autores tentaram relacionar as propriedades da estrutura interna das misturas betuminosas com as características de deformação e concluíram que a razão para a não linearidade do comportamento das misturas betuminosas se deve ao comportamento complexo da estrutura de agregados. As simulações indicaram que o atrito dos contactos têm uma elevada importância no comportamento da mistura quer à compressão estática quer ao corte. A Figura 4.2 representa a interacção entre os elementos (agregado e mastique) integrados no modelo.

Figura 4.2 – Forças de contacto no agregado e betume. a) forças a actuar nas partículas b) modelos das forças na interacção agregado-agregado c) interacção agregado-betume – Rothenburg et al. (1992)