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3. CAXIAS DO SUL: O PATRIMÔNIO EM PROCESSO

3.4 COMPAHC e a formação do núcleo preservacionista

Diante dos aspectos abordados pela preservação durante as festividades do Centenário da Imigração, alguns fatores foram relevantes na organização oficial dos grupos ligados à preservação em Caxias do Sul. Por um lado o grupo, ligado ao Museu municipal, buscava salvaguardar os vestígios do passado frente às alterações que compunham o cenário urbano, como a verticalização e ainda, a falta de referenciais que isso causava à memória local. Um dos documentos publicados162 pelo arquivo mais tarde representa esse sentimento. Segundo o grupo:

A preservação histórica é essencial, pois permite ao homem experimentar um sentimento de segurança face às mutações britais da sociedade. O EU pertenço a algum lugar reforça os grupos que vieram antes de nós. (...) no lugar do patrimônio surgem edifícios. Esse progresso sepulta as testemunhas vivas de nossas raízes. O Patrimônio serve para humanizar as cidades e melhorar a qualidade de vida.163

Grande parte desse discurso atribuía às edificações um caráter de “salvação” de maneira que se pudesse por meio deles restaurar a identidade, a memória, o pertencimento e a humanização que ora era destruída por um suposto progresso. Estava sendo ensaiada uma nova visão de mundo, com referências românticas para dar conta da proteção das edificações de maneira que pudesse envolver a comunidade e o Sphan (IPHAN) como agentes proeminentes.

Um segundo aspecto fora o apoio do IPHAN que reiteradas vezes auxiliou financeiramente as atividades locais para a organização de palestras, encontros, publicações de materiais, que serviram durante a primeira década de 1980 para chamar atenção do público em geral, bem como na criação de uma consciência preservacionista que por meio do Conselho conseguiu imprimir um novo ritmo nos tombamentos.164

162 Ofício n° 063/88. Por meio de verba do IPHAN, todo o material dos periódicos como o Boletim Memória, Cenas Foto, Ocorrências artesanato foi reeditado e publicado novamente em 1988, junto com a produção de um Vídeo “O fio da História”. O custo foi de Cz$ 300.000,00(trezentos mil cruzados) na confecção.

163Texto produzido pelo Arquivo Histórico e publicado em 1982 no lançamento de um projeto financiado pelo IPHAN que se chamava “Patrimônio Histórico: Caso de vida ou Morte”. Parte das ideias foram compostas pela Carta de Nairóbi da UNESCO de 1976 que falava sobre a importância do Patrimônio.

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Relatório de esclarecimento Interno das ações da 10ª Secretaria Regional do Sphan/Iphan, 28/11/1986. Segundo este relatório e demais documentos foi possível confirmar os inúmeros contatos com as Secretarias de Cultura da região com fins de auxiliar na execução das novas propostas de preservação. Diversos convênios foram realizados entre a Prefeitura Municipal e o Sphan/Iphan que tinham como objetivo iniciar um processo de

Criado pela lei n° 2515 de 15 de outubro de 1979 por meio de uma lei aprovada pela câmara de vereadores de Caxias do Sul, o Conselho tinha a atribuição de assessorar a Prefeitura Municipal nos assuntos pertinentes ao Patrimônio Histórico e Cultural do Município de Caxias do Sul. O Conselho objetiva a preservação e conservação do patrimônio de forma desvinculada do poder público, uma vez que até aquele momento não havia uma política de preservação que norteasse as ações públicas.

O Conselho consistiu na institucionalização de um grupo que, desde o final da década de 70, estava envolvido no debate sobre a preservação do Patrimônio165. De certa maneira, a criação do Museu e do Arquivo, mesmo que em condições precárias, foi o laboratório para o desenvolvimento de projetos deste grupo:

não tínhamos internet, nossa comunicação era através de telefone e das revistas que nos enviavam sobre o Conselho de proteção criado em São Paulo e algumas outras coisas que chegavam para nós [...] aí pensamos que dava pra fazer isto em Caxias.166

Nesse sentido, a independência dos integrantes foi relevante para que buscassem mais referenciais para suas ações, já que estavam envolvidos com a preservação do antigo hospital Carbone e ainda não havia legislação especifica para a preservação, o que era uma lacuna a ser completada. Quanto ao dispositivo legal, havia sido observada uma lei nacional que supriria a carência.167 Não havia conhecimento sobre o critério, e como realizar uma relação de edificações para serem preservadas: o inventário.

conscientização sobre a preservação do Patrimônio Histórico. Dentre eles, pode-se destacar o apoio financeiro sobre a restauração da Cantina Antunes, conforme Ofício n° 147/84 enviado pelo Diretor do Iphan, Senhor Curtis para a Câmara de Vereadores de Caxias do Sul. Também foram relevantes os projetos Eclésia sobre o acervo religioso no valor de Cz 35.000,00 (trinta e cinco mil cruzados). Em relação à casa de Pedra na cidade de Farroupilha os serviços executados tiveram a contribuição do Sphan/Ophan de 70 % da obra que significava Cz 70.000,00 (setenta mil cruzados). Quanto ao Seminário de Antonio Prado foi aplicada a quantia de Cz de 50.000,00 (cinquenta mil cruzados novos). Na organização do projeto Elementos Culturais das Antigas Colônias Italianas do Nordeste RS foram destinados Cz 60.000,00 (sessenta mil cruzados). Em Caxias, houve a exposição “preservação Urbana da Paisagem dos núcleos de Imigração” que contou com o auxílio de Cz 30.000,00 (trinta mil cruzados). A execução de painéis, fotos, textos, transporte de material e a visita do Arquiteto Udo Baumann para a região teve a aplicação de Cz 199.000.00(cento e noventa e nove mil cruzados). Outros ofícios durante a década apresentam outros convênios com o mesmo fim.

165 Além do envolvimento da Câmara de Vereadores estavam envolvidos na oficialização de um órgão preservacionista: a Universidade de Caxias do Sul, a Sociedade de Arquitetura, Agronomia e Química; o Instituto dos Arquitetos do Brasil, os profissionais do Museu Municipal.

166 HENRICHS, Liliana. Entrevista. op. cit. Fazia parte da administração do museu e foi diversas vezes presidente do COMPAHC. Destacou-se como uma das personalidades relevantes na preservação do patrimônio local.

167 CONVENÇÃO SOBRE A SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO MUNDIAL, CULTURAL E NATURAL. Conferencia Geral das Nações Unidas para a Educação, à Ciência e a Cultura. 17ª sessão – 16 de novembro de 1972. UNESCO, Paris. In: Coletânea de Leis sobre Preservação do Patrimônio. Rio de Janeiro: IPHAN, 2006, p.

Não houve, a princípio, nesta pesquisa qualquer documento que abordasse o início de uma campanha de preservação local, o que de certa maneira indicava que apenas o antigo prédio Carbone era objeto de ações do tipo. Entretanto, no IPHAN foi encontrado um primeiro inventário de edificações que data de 1982, realizado pelo COMPAHC e que fora enviado ao executivo Municipal para apreciação e tomadas de medidas.168

Eram 46 edificações que, de alguma forma, buscavam incorporar edificações de períodos diferentes da história da cidade em que constavam capelas; casas de vilas operárias; monumentos; edificações de bairros afastados; praças e parques, chamando atenção para os estilos arquitetônicos, a história da edificação e a relação com a comunidade ao seu entorno. Fazia parte do levantamento fichas de pesquisas que revelam certa atenção profissional, mesmo diante do quadro ainda em aberto por parte da formação dos agentes do COMPAHC. Seguindo a introdução do inventário, pretendia:

[...] servir de apoio ao propósito maior de preservação de nosso patrimônio histórico ambiental, dentro de critérios que somente um real planejamento urbano pode estabelecer caso forem levadas em conta as necessidade da população como um todo. Entende-se a conservação de prédios e áreas naturais como forma de contribuir à melhoria da qualidade de vida.169

Posteriormente em um vídeo produzido pelo Museu Municipal, chamado de “Fio da História”, o professor Juvenino dal Bó recupera parte do processo de formação do grupo destacando a necessidade de sua criação frente ao que ele chama de “o violento processo de destruição da memória”. Ao narrar aborda os diferentes modelo de patrimônio que a cidade apresenta e que estaria sendo destruído pelo “progresso’, pelo “moderno” e pelo “prático”. Na conclusão da primeira parte do documentário acena

267. Esta convenção, aprovada na respectiva data foi apreciada e aprovada pelo Congresso Nacional em junho de 1977 pelo Decreto legislativo n° 74 e, promulgado pelo Presidente da República Ernesto Geisel em 12 de dezembro de 1977 pelo Decreto n° 80.978.

168 Não foi encontrada referência sobre este inventário no Arquivo Municipal de Caxias do Sul ou na Prefeitura Municipal. Foi referida pela Profa. Maria Beatriz Pinheiro Machado, professora da Universidade de Caxias do Sul em uma entrevista realizada em maio de 2008, sobre o movimento preservacionista de Caxias do Sul. A confirmação da existência desse material foi efetivada mais tarde nos Arquivos do IPHAN. É importante destacar que grande parte da documentação referente ao Cine-Teatro Ópera também não foi encontrada no Arquivo Municipal e que, dependeu para a lisura da dissertação, além das entrevistas e recortes de jornal, da descoberta da documentação no arquivo 12ª Superintendência Regional do IPHAN/Porto Alegre RS. Por fim, a documentação da pesquisa realizada pelo IPHAN (SPHAN na época) em 1983 sobre preservação e valorização da paisagem urbana nas áreas de imigração alemã e italiana no Rio grande do Sul encontra-se ainda nos arquivos desse Instituto. Segundo a própria Coordenadora da Subsecretaria do Instituo no Rio Grande Do Sul, esse material, enviado para algumas Prefeituras da região foi “extraviado” dificultando possíveis pesquisas futuras. 169

Patrimônio Histórico de Caxias do Sul. Levantamento Inicial, propostas e sugestões. Juventino Dal Bó, Liliana Alberti Henrichs e Anelise Cavagnoli. Originais Acervos: Maria Beatriz Pinheiro Machado e Arquivo da 12° Superintendência Regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN/Porto Alegre/RS.

É preciso uma ação mais forte para puxar os fios desta história, desta grande corda chamada memória, que flutua nas águas agitadas do imediatismo que nossa sociedade atravessa.170 (grifo nosso)

Junto a esse material, observa-se que o grupo detém referências quanto aos modelos de proteção ao patrimônio, incluindo o natural. Evidentemente que o processo paralelo que acontecia referente à proteção do antigo Hospital Carbone já oferecia teor para as práticas subsequentes dos pesquisadores.