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Comparação entre as diferentes séries de compostos

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.4 Análise Comparativa

4.4.1 Comparação entre as diferentes séries de compostos

Após a análise detalhada do equilíbrio conformacional das séries I, IIa, IIb e III, é possível fazer algumas comparações entre as diferentes séries a fim de investigar as preferências conformacionais dos grupos ─SePh e ─SOnEt (n=0,1,2) em relação à carbonila, objetivo central do projeto de pesquisa.

Primeiramente, detectou-se por infravermelho a ocorrência de equilíbrio conformacional com duas bandas parcialmente sobrepostas na região da carbonila em todas as séries de compostos. Assim, é possível analisar como o valor de νCO de cada uma dessas bandas varia entre as diferentes séries estudadas, considerando-se que o valor da frequência vibracional é uma medida experimental do conjunto de interações orbitalares e eletrostáticas que afetam a ordem de ligação da carbonila. Por meio do deslocamento de frequência (∆νCO), dado pela diferença entre o valor de νCO de uma acetofenona α,α-dissubstituída [Y-PhC(O)CH(SOnEt)(SePh)] e sua respectiva acetofenona não substituída na posição α [Y-PhC(O)CH3], é possível estimar qual o efeito combinado dos grupos ─SePh e ─SOnEt.

Na Tabela 28 são apresentados os valores de ∆νCO para os compostos das séries I, IIa, IIb e III em CCl4, CHCl3 e CH3CN.

Caso fosse considerado apenas o efeito indutivo gerado pelos grupos ─SePh (σI = 0.13), ─SEt (σI = 0.23), ─SOEt (σI = 0.52) e ─SO2Et (σI = 0.59) (valores obtidos da ref. 63), esperar-se-ia um deslocamento de frequência positivo em todas as séries de compostos, proporcionais ao efeito atraente de elétrons ocasionado pelos α- substituintes. Contudo, os dados da Tabela 28 mostram que os deslocamentos de frequência são substancialmente negativos, evidenciando a ocorrência de interações orbitalares e eletrostáticas capazes de estabilizarem significativamente a forma canônica polar do híbrido de ressonância da carbonila (C+–O- ↔ C=O).

Tabela 28 - Deslocamentos de frequência (∆νCO, cm-1) dos componentes da banda de estiramento da carbonila dos compostos das séries I, IIa, IIb e III em relação às respectivas acetofenonas de referênciaa (4’Y-PhCOCH3).

a

valores de νCO das 4’-Y-acetofenonasobtidos da referência 41 b

compostos não isolados

Série I Série IIa Série IIb Série III

Y CCl4 CHCl3 CH3CN CCl4 CHCl3 CH3CN CCl4 CHCl3 CH3CN CCl4 CHCl3 CH3CN NO2 -7 -14 - b - - -14 -10 -10 -17 -15 -18 -29 -23 -25 - - - -22 -22 Br -5 -6 -4 -13 -10 -12 -11 -10 -15 -15 -9 -9 -18 -14 -16 -29 -23 -25 -24 -17 - -22 H -6 -3 -11 - b - - -11 -5 -7 -15 -11 -14 -25 -20 -23 - - - -20 -16 -18 Me -8 -2 -4 -12 -6 -12 -9 -7 -12 -10 -5 -4 -17 -13 -14 -28 -21 -24 -23 -16 -19 -18 -13 -11 OMe -9 +1 -4 -14 -12 - b - - -12 -6 -5 -17 -11 -15 -27 -21 -24 - - - -22 -17 -16 Δ஼ை  ௔௟௧௔ -7 -2 -4 -13 -8 -12 -10 -9 -14 -12 -7 -7 Δ஼ை  ௕௔௜௫௔ -17 -13 -15 -28 -22 -24 -24 -17 -19 -21 -17 -15

Comparando-se os deslocamentos de frequência médios de cada série em solvente apolar (CCl4), tem-se que a série IIa apresenta os deslocamentos de frequência mais pronunciados (ca. -13 e -28 cm-1 para as bandas de alta e baixa frequência, respectivamente). Em seguida tem-se a série diastereoisomérica IIb com deslocamentos de frequência médio da ordem de -10 e -24 cm-1, valores similares aos encontrados para a série III, com valores de -12 e -21 cm-1. Por fim, a série I é a que apresenta os menores abaixamentos de frequência (ca. -7 e -17 cm-1 para as bandas de alta e baixa frequência, respectivamente).

Nota-se também que em todas as séries ocorre uma redução do deslocamento de frequência com o aumento da constante dielétrica do solvente. Isso se deve ao fato do valor de

νCO nas 4’Y-acetofenonas de referência sofrer um abaixamento de frequência mais pronunciado com o aumento da constante dielétrica do solvente que nos compostos estudados.

Considerando-se a intensidade relativa das bandas de infravermelho, há mudanças significativas de acordo com a série: no caso da série I, o componente de baixa frequência é mais intenso e o efeito do solvente é pouco pronunciado. Nas séries IIa e IIb, a banda de baixa frequência é mais intensa em solvente apolar, enquanto o aumento da polaridade do solvente aumenta de modo significativo a intensidade relativa da banda de alta frequência (sendo o efeito mais pronunciado na série IIa em relação à série IIb). Por fim, na série IIIb, o comportamento é diferente, com a banda de alta frequência mais intensa em todos os solventes.

É possível racionalizar a relação entre estabilidade relativa dos confôrmeros em cada série e os valores das intensidades relativas e frequências dos componentes da bandas da carbonila, no infravermelho, em função dos ângulos torsionais α (O-C-C-S) e α’ (O-C-C-Se). Como as interações aqui discutidas ocorrem entre a ligação π da carbonila (que é perpendicular ao plano da ligação carbono-oxigênio) e a ligação carbono α – heteroátomo tem-se que a melhor sobreposição dos orbitais (e consequente máxima energia de estabilização) ocorre quando os ângulos torsionais α e α’ se aproximam de 90º, conforme é ilustrado na Figura 37.

A B C

Figura 37 - Projeção de Newman de três confôrmeros característicos das séries estudadas em

função dos ângulos torsionais O-C-C-S e O-C-C-Se.

Assim, nos confôrmeros similares à estrutura A da figura acima, as interações entre carbonila e enxofre são favorecidas, enquanto na estrutura B são favorecidas as interações entre carbonila e selênio. Quando o átomo de hidrogênio é eclipsado pelo oxigênio carbonílico (estrutura C), nenhum dos heteroátomos fica num ângulo ideal, de modo que as energias de interação orbitalar atingem valores intermediários.

Além das interações entre carbonila e heteroátomos, foram detectadas diversas ligações de hidrogênio entre O(CO) e O(SOn) e os hidrogênios dos grupos –SOnEt e –SePh que contribuem para a estabilização de uma determinada conformação em detrimento das demais, sendo que tais interações dependem dos ângulos de torção dos grupos etila e fenilselenila Assim, dado o grande número de variáveis não foi possível apontar uma única interação orbitalar como determinante para a estabilização de cada conformação nas séries estudadas.

Por outro lado, a racionalização feita com base nos contatos interatômicos é bem mais elucidativa. Na Figura 38 são apresentadas as projeções de Newman das conformações obtidas para cada série de compostos evidenciando a disposição e o sinal da carga parcial dos átomos mais relevantes.

Figura 38 - Projeções de Newman ao longo do eixo da ligação C(CO)–Cα evidenciando a posição relativa dos grupos SePh e SOnEt nos diferentes confôrmeros de cada série.

Na série I, tem-se que no confôrmero mais estável (c2) as interações orbitalares entre

carbonila e enxofre são favorecidas pelo fato do grupo etiltio adotar uma geometria gauche em relação à carbonila, enquanto o átomo de selênio se aproxima da carbonila pelo fato da repulsão eletrostática ser pequena (já que a carga parcial negativa do átomo de selênio é menor que no átomo de enxofre). O efeito do solvente nessa série de compostos é pequeno

pelo fato dos momentos de dipolo das conformações serem similares. A presença de grupo doador de elétrons aumenta a densidade de carga negativa no oxigênio carbonílico, ocasionando uma ligeira modificação na geometria do confôrmero de alta frequência (c1) que

resulta numa maior distância Oδ-(CO)...Sδ-(SEt) e consequente menor repulsão, desestabilizando menos essa conformação.

Com a oxidação do grupo etiltio para etilsulfinila, as interações são significativamente modificadas: o átomo de enxofre passa a ser positivo, enquanto o efeito indutivo gerado pela ligação S=O aumenta a afinidade eletrônica do orbital σ*CS, de modo que as interações

πCO→σ*CS e π*CO→σ*CS são mais intensas nos compostos das séries IIa e IIb do que na série I. Assim, o grupo etilsulfinila mantém a preferência conformacional gauche em relação à carbonila, fazendo do confôrmero c1 o mais estável da série IIa. O aumento na polaridade do solvente favorece a conformação c3, na qual o grupo etilsulfinila tende a geometria sinperiplanar em relação à carbonila, com os dipolos S=O e C=O apontando na mesma direção, resultando num maior momento de dipolo. Na conformação c3 o fator eletrostático

predomina, com o balanço entre a interação repulsiva Oδ-(CO)...Oδ-(SO) e a interação atrativa Oδ- (CO)...Sδ+(SO), afetado diretamente pela constante dielétrica do solvente, implicando num efeito do solvente muito mais pronunciado.

Verificou-se também uma notória diferença na preferência conformacional entre as duas séries diastereoisoméricas: no caso dos compostos da série IIb em ambos os confôrmeros detectados em solução ocorre a preferência do grupo fenilselenila pela geometria gauche com o grupo etilsulfinila tendendo a geometria sinperiplanar em relação à carbonila. Isso decorre do fato das interações σCSe→π*CO, LPSe→π*CO e π*CO→σ*CSe serem mais intensas nos confôrmeros da série IIb do que nos confôrmeros da série IIa. A principal diferença entre as conformações da série IIb é na orientação do oxigênio sulfinílico em relação ao oxigênio carbonílico: enquanto solvente apolar e grupos doadores de elétrons estabilizam a conformação c1, na qual os dipolos S=O e C=O apontam em direções opostas, solventes mais

polares e grupos atraentes de elétrons estabilizam a conformação c2, na qual os dipolos S=O e

C=O apontam na mesma direção.

Em ambas as séries há um confôrmero de alta energia, que devido a sua instabilidade não é detectado em solução: o confôrmero c4 da série IIa e o confôrmero c1 da série IIb, conforme é facilmente constatado pelas projeções de Newman correspondentes. Nesses confôrmeros, os grupos etilsulfinila e fenilselenila são clinais em relação à carbonila, tornando tanto as interações eletrônicas quanto orbitalares mais fracas.

É bastante interessante o fato de o confôrmero mais estável da série IIa (c1) sequer ter

sido detectado dentre os confôrmeros da série IIb. Isso significa que a mudança na posição dos grupos ligados ao átomo de enxofre provoca uma grande desestabilização da conformação quando o grupo etilsulfinila é sinperiplanar em relação à carbonila. Na Figura 39, é feita a comparação da projeção de Newman do confôrmero c1 de alta estabilidade da série IIa e seu hipotético correspondente (c1’) da série IIb.

Figura 39 - Comparação entre os confôrmero c1 da série IIa e seu hipotético correspondente

c1’ da série IIb.

Nota-se que a permutação do grupo etila com o oxigênio sulfinílico ocasiona a forte repulsão eletrostática entre os átomos de oxigênio negativamente carregados [Oδ-

(CO) ...

Oδ-(SO)], desestabilizando o confôrmero c1’. De fato, considerando-se que a distância interatômica

O(CO)...C(CH2-Et) é de 3,17 Å na conformação c1, a troca do átomo de carbono por um átomo de

oxigênio levaria a uma diferença de apenas 0,13 Å maior que a soma dos raios de van der Waals. Por essa razão, a conformação c1’ sequer convergiu nos cálculos teóricos realizados.

Por fim, a oxidação do enxofre à sulfona altera o equilíbrio conformacional dos compostos da série III: a conformação c3 é estabilizada essencialmente pelas já citadas

interações orbitalares (LPSe→π*CO, σCY→π*CO, πCO→σ*CY, π*CO→σ*CY Y = S, Se) sem interações eletrostáticas significativas. No entanto, a conformação mais estável da série (c2) é

caracterizada pela interação eletrostática cruzada entre carbonila e sulfonila (Sδ+...Oδ-(CO) e Cδ+(CO)...Oδ-(SO2))suficientemente forte para tornar o confôrmero c2 o mais estável em todos os

solventes utilizados. Nessa conformação, o arranjo geométrico para a ocorrência dos contatos desfavorece as interações orbitalares entre heteroátomos e carbonila (ângulos torsionais α e α’ desviando-se do valor ideal de 90º), reforçando a importância do fator eletrostático para o equilíbrio conformacional nos compostos estudados.