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A seguir são pontuados os principais resultados publicados pelo grupo de pesquisa liderado pelo Prof. Paulo Roberto Olivato, sobre a preferência conformacional de acetofenonas α-monossubstituídas e α,α-dissubstituídas, com o objetivo de comparar tais resultados com as conclusões da presente tese.

A produção bibliográfica, em ordem cronológica, envolvendo compostos análogos às acetofenonas deste projeto é resumida na Tabela 1.

Tabela 1 - Principais trabalhos sobre o estudo conformacional de acetofenonas α-monossubstituídas e α,α-dissubstituídas.

A B Ano de Publicação [referência]

H SEt 1987 [37], 1989 [38], 1990 [39] H SOEt 2002 [40] H SO2Et 2004 [41] Me SePh 1994 [42] SMe, SOMe 1996 [43] SOMe SO2Me 1996 [43] SMe SO2Me 1996 [43] Br SO2Et 2004 [44] PO(OEt)2 SePh 2006 [45]

SEt SePh Projeto atual – série I

SOEt SePh Projeto atual – séries IIa/IIb SO2Et SePh Projeto atual – série III

O estudo pioneiro de 1987, por espectroscopia de infravermelho, conjuntamente ao trabalho de 1989, por espectroscopia fotoeletrônica, constataram a existência do isomerismo cis/gauche nas α-(etiltio)-acetofenonas, sendo o confôrmero gauche (no qual o grupo etiltio fica numa geometria sin- ou anti-clinal em relação à carbonila) menos polar e mais estável em solução do que o confôrmero cis (substituinte sinperiplanar em relação a carbonila)a. A maior estabilidade do confôrmero gauche é justificada pela ocorrência das interações orbitalares

σCS→π*CO e πCO→σ*CS.

No caso das α-(etilsulfinil)-acetofenonas40 o confôrmero cis é mais estável em solventes de baixa constante dielétrica enquanto o confôrmero gauche torna-se mais estável em solvente de alta constante dielétrica. A estabilidade do confôrmero cis é justificada pela atração

a A denominação

cis/gauche é aqui empregada para nomear as conformações dos compostos monossubstituídos.

Nos derivados dissubstituídos preferiu-se utilizar as denominações sinperiplanar, sinclinal e anticlinal para

eletrostática entre o átomo de oxigênio carbonílico e o átomo de enxofre sulfinílico (Oδ- (CO)...Sδ+), que se intensifica conforme a carga parcial no oxigênio carbonílico aumenta, levando a maior estabilidade do confôrmero cis em derivados contendo grupos doadores de elétrons. Por sua vez, o confôrmero gauche é estabilizado pela interação eletrostática e de transferência de carga entre o oxigênio sulfinílico e carbono carbonílico (Oδ-(SO)...Cδ+(CO)).

Nas α-(etilsulfonil)-acetofenonas41 também é verificado o isomerismo cis/gauche em solução, com o confôrmero gauche sendo destacadamente mais estável, principalmente nos derivados contendo substituintes atraentes de elétrons. O aumento da polaridade do solvente aumenta ligeiramente a estabilidade do confôrmero cis. A maior estabilidade do confôrmero gauche é atribuída à ocorrência das interações orbitalares πCO→σ*CS(SO2) e

σCS(SO2)→π*CO além do contato Oδ-(SO2)...Cδ+(CO). No confôrmero cis, embora haja interações eletrostáticas atrativas entre Oδ-(CO)...Sδ+ e em menor extensão Oδ-(SO2)...Cδ+(CO), ocorre a forte repulsão eletrostática entre os átomos de oxigênio carbonílico e e sulfonílico desestabilizando essa conformação.

As α-(fenilseleno)-propiofenonas42 constituem a série de seleno-derivados mais próxima do presente projeto. Nessa classe de compostos, constatou-se por infravermelho que o confôrmero gauche é mais estável que o confôrmero cis em solvente apolar para todos os derivados, sendo que o aumento da polaridade do solvente aumenta a estabilidade do confôrmero gauche, de modo que em clorofórmio é o único confôrmero detectado. As interações envolvendo selênio (LPSe→π*CO e σCSe→π*CO) são mais intensas que aquelas envolvendo enxofre (LPS→π*CO e σCS→π*CO) pelo fato da diferença de energia entre os orbitais ligante e antiligante ser menor nos seleno-derivados. Tal raciocínio condiz com o resultado experimental, da maior estabilidade da conformação gauche, que favorece as referidas interações, e de um maior abaixamento de frequência dos confôrmeros cis e gauche no caso das α-fenilselenopropiofenonas quando comparadas às α-etiltioacefononas.

É digno de nota que a orientação preferencial sinperiplanar ou clinal da ligação C–SOn (n = 0, 1 e 2) em relação ao grupo carbonila constatada nos derivados monossubstituídos é genericamente mantida nos derivados α,α-dissubstituídos43. De fato, nas α-tio-α-sulfinil- acetofenonas I, e nas α-sulfonil-α-sulfinil-acetofenonas II as ligações C–S e C–SO2 adotam a geometria clinal enquanto que a ligação C–S(O) assume a geometria sinperiplanar. Por outro lado, nas α-tio-α-sulfonil-acetofenonas III (na qual ambos os grupos, separadamente, são estabilizados na geometria clinal) a ligação C–S mantém a geometria clinal, enquanto que a

ligação C–SO2 assume orientação quasi-sinperiplanar. As conformações preferenciais (com suas respectivas interações eletrônicas) são representadas pelas estruturas I-III da Figura 8.

Figura 8 - Projeção de Newman ao longo da ligação C(CO)–Cα da conformação mais estável

de cada uma das séries de acetofenonas α,α-(SOn)(SOm) substituídas (n, m = 0,1,2; m≠n).

A conformação I é fortemente estabilizada pelo efeito sinérgico da interação orbitalar LPS→π*CO que aumenta a densidade de carga do oxigênio carbonílico e que por sua vez facilita a interação de transferência de carga de Oδ-(CO)→Sδ+(SO). Analogamente, a conformação III é estabilizada pela interação orbitalar LPS→π*CO que aumenta a densidade de carga do oxigênio carbonílico e age facilitando a interação eletrostática e de transferência de carga entre Oδ-(CO)→Sδ+SO2. Já a conformação II é estabilizada pelo efeito sinérgico da interação orbitalar Oδ-SO2→Cδ+(CO) que origina um aumento da densidade de carga do oxigênio carbonílico e age facilitando a ocorrência da transferência de carga Oδ-(CO)→Sδ+(SO).

Adicionalmente, tem-se o estudo das α-bromo-α-etilsulfonilacetofenonas 4’- substituídas44 que, em termos comparativos, é interessante pelo fato do bromo estar no mesmo período que o selênio. Constatou-se a existência de uma única conformação em solução, na qual o grupo etilsulfonila adota uma geometria quasi-cis em relação à carbonila, enquanto o átomo de bromo adota a geometria gauche. A grande estabilidade desta conformação foi explicada com base nas interações orbitalares halogênio/carbonila: LPBr→π*CO e σC- Br→π*CO e interações eletrostáticas Oδ-(CO)...Sδ+SO2 eOδ-SO2...Cδ+(CO).

Por fim, a análise conformacional das α-(fenilseleno)-α-(dietoxifosforil)acetofenonas 4’-substituídas45 é a única que envolve um seleno-derivado dissubstituído. Por infravermelho foi verificada a existência de um dubleto na região da carbonila, na qual a banda de baixa frequência é mais intensa (sendo a única detectada em alguns derivados) com o efeito do solvente pouco pronunciado. Os cálculos teóricos indicaram a existência de duas conformações estáveis, de modo que em ambas a ligação C-Se apresenta uma geometria

anticlinal (gauche) em relação à carbonila enquanto a ligação C-P assume uma geometria sin- periplanar (cis) em relação à carbonila. A maior diferença dos confôrmeros é a orientação relativa do anel aromático do grupo fenilselenila e do oxigênio fosforílico em relação à carbonila, que leva a diferentes interações intramoleculares, representadas na Figura 9.

Figura 9 - Projeção de Newman ao longo da ligação P–Cα das conformações mais estáveis

das α-(fenilseleno)-α-(dietoxifosforil)acetofenonas 4’-substituídas.

Ambos os confôrmeros são estabilizados pelas interações eletrostáticas cruzadas entre Oδ-(CO)...Pδ+ e Oδ-O=P...Cδ+(CO), justificando a preferência do grupo fosfonato pela geometria

sinperiplanar em relação à carbonila. Além disso, em ambas as conformações ocorre interação entre o oxigênio fosforílico e hidrogênio orto do grupo fenilselenila. No confôrmero II ocorre a aproximação do oxigênio carbonílico em relação a um dos oxigênios do grupo etoxifosforil, de modo que a repulsão eletrostática decorrente aumenta a frequência de νCO e desestabiliza essa conformação

Os trabalhos revisados foram publicados ao longo dos últimos vinte e cinco anos, de modo que boa parte das discussões dos resultados experimentais foi baseada em análises qualitativas das interações orbitalares e do efeito do solvente.

O avanço da informática possibilitou a difusão de métodos computacionais cada vez mais sofisticados para se estimar as propriedades químicas com base na descrição da estrutura eletrônica por meio da mecânica quântica46. Atualmente, é possível estimar propriedades como energia eletrônica com satisfatória precisão e aplicar modelos que considerem o efeito da solvatação na estabilização do sistema (uma vez que o custo computacional cresce exponencialmente com o número de átomos considerados no cálculo). Finalmente, aplicando- se a teoria de perturbação por meio do NBO, é possível estimar a interação entre orbitais “ocupados” (doadores) e “vazios” (receptores) da qual resulta a estabilização energética de

um dado sistema46. Assim, o uso de ferramentas computacionais permite, a partir dos modelos quântico-matemáticos empregados, quantificar as interações estabilizantes sugeridas nos trabalhos discutidos, agora nos derivados das acetofenonas α-tio-α-seleno-substituídas.

O ineditismo do projeto atual está no fato de buscar a elucidação do equilíbrio conformacional de acetofenonas contendo dois calcogênios distintos como α-substituintes: logo, o estudo das acetofenonas α,α-dissubstituídas com enxofre e selênio soma importantes contribuições na compreensão do equilíbrio conformacional de cetonas conjugadas α- heterossubstituídas.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO