• Nenhum resultado encontrado

7. Resultados e discussão

7.5. Juízos de valor moral (JVM) e JRR sobre o dilema que contrapõe

7.5.3. Comparação entre os JVM e os JRR

Procuramos atender ao objetivo de comparar o JVM e o JRR sobre a ação da personagem para resolver o dilema que contrapõe humilhação no trabalho e sobrevivência da família. Para tanto, retomaremos as considerações, já realizadas no capítulo 1, Introdução, de que juízos de valor moral (JVM) e juízos de representação da realidade (JRR) podem apresentar aspectos diferentes ou não. Lembramos que os JVM em torno de uma ação incidem sobre o que deve ser feito ou o que seria correto fazer em determinada situação. Aos JRR cabem as reflexões em torno da representação da ação, no caso de nossa investigação, uma ação fictícia. Essa representação pode estar de acordo com o JVM ou pode diferir dele, o que depende da interpretação que o participante faz sobre a situação em questão.

Entre continuar e sair do emprego, 10 (de 12) participantes optaram pela personagem ‘continuar no trabalho’, tanto com relação ao JVM quanto ao JRR. Sobre

‘sair do emprego’, dois participantes haviam respondido que essa seria uma ação correta da personagem no JVM; no âmbito do JRR, um participante manteve a resposta enquanto o outro modificou o juízo. Portanto, um dos participantes que considerou como correta a decisão de o protagonista sair do emprego, decidiu, na representação da ação, que a personagem continuaria no trabalho.

Dando prosseguimento à reflexão, analisemos a comparação entre as justificativas dos JVM e dos JRR. Para tanto, demonstraremos, por meio de registro de freqüência, as justificativas de ambos os juízos, apontando as diferenças entre as idades, conforme visualização da Tabela 4.

Tabela 4. Comparação entre os JVM e os JRR acerca do dilema que contrapõe sobrevivência da família e humilhação constante no trabalho: distribuição das justificativas dos participantes conforme a idade

Os resultados permitiram verificar que: a ‘necessidade financeira familiar’ foi um argumento que obteve um maior número de registros (n=7) quando a questão se referia ao JRR. Parece, então, que os participantes podem ter-se guiado pelas considerações atinentes ao contexto vivenciado pelo protagonista, principalmente com relação a ser casado e a ter filhos, já que houve aumento de respostas comparando os registros em

JVM JRR Justificativas Jovens Adultos Total Jovens Adultos Total

Necessidade financeira familiar 2 2 4 5 2 7

Necessidade financeira pessoal 3 2 5 - 2 2

Dificuldade de encontrar emprego 2 2 4 1 1 2

Dificuldade em suportar a humilhação 1 1 2 - 1 1

torno do JRR com os do JVM.

Em contrapartida, a ‘necessidade financeira pessoal’ foi uma justificativa com maior número (n=5) quando investigamos o JVM, o que parece mostrar que os participantes podem ter considerado, inicialmente, as próprias características (ser solteiro, trabalhar para o próprio sustento, não ter dinheiro) em vez de refletir sobre as informações fornecidas pela história. Contudo, tal justificativa aparece em número reduzido (n=2) ao considerarmos o JRR. Nesse caso, aqueles participantes que justificaram o JVM sob esse argumento, modificaram sua justificativa no que tange ao JRR, aumentando, assim, o número das justificativas da ‘necessidade financeira

familiar’, conforme foi explicitado.

Observamos, ainda, que, quando se tratava de considerar o JVM, a ‘dificuldade de

encontrar emprego’ apareceu também em maior quantidade de justificativas (n=4). Na coluna das justificativas sobre os JRR, nota-se um número menor (n=2) de registros.

A ‘dificuldade de suportar a humilhação’ foi a justificativa de dois participantes ao responderem o que seria certo (JVM) a personagem fazer. Notamos, porém, que no JRR tal argumento aparece com um registro, o que caracteriza a modificação da justificativa de um dos participantes. Ocorre que um jovem participante, em vista da modificação do juízo, alterou também a sua justificativa. Em outras palavras, esse jovem havia considerado que o correto (JVM) seria a personagem sair do emprego devido à

‘dificuldade de suportar a humilhação’, porém, ao refletir sobre a representação da ação da personagem, o jovem respondeu que tal ação seria a continuidade no emprego, pois havia uma ‘necessidade financeira familiar’.

Duas justificativas foram categorizadas em ‘outros’. Novos argumentos, com relação ao JRR, apareceram com destaque para a vergonha pela falta do emprego e a necessidade de a personagem se corrigir. Iniciemos pela justificativa que versa sobre a

vergonha pela falta do emprego. Parece que imaginar o que aconteceria, de fato, com a personagem, trouxe, para uma jovem participante, o receio da vergonha acompanhada pelo desespero que poderiam ser sentidos diante da própria família. Logo, ‘continuar no

trabalho’ era inquestionável, para a jovem, tanto no JVM quanto no JRR, mas a vergonha aparece como um elemento a mais no JRR. Ou seja, o que deve ser feito, para essa jovem, justifica-se pela ‘necessidade financeira familiar’ e da ‘dificuldade de

encontrar emprego’. No JRR, a vergonha é acrescida a esses argumentos como se fosse mais um impeditivo para fazer qualquer outra coisa que não fosse continuar naquele emprego. Então, continuar no emprego, justifica-se pela sobrevivência da família, pela dificuldade de encontrar um outro emprego, mas também pela vergonha que a protagonista sentiria se ficasse desempregada e não pudesse sustentar a família.

Ainda na categoria ‘outros’, no que tange à segunda justificativa que trata da necessidade de a personagem se corrigir, observamos: um participante adulto, que achava correto (JVM) a personagem ‘continuar’, mas também procurar saber o que estava errado, justificou pela necessidade que o protagonista tinha de entender aquela situação. Esse mesmo adulto manteve o juízo para a representação da ação da personagem (JRR), acrescentando à justificativa a necessidade de se corrigir, caso tenha sido constatado o erro. Logo, não se trata apenas de se corrigir porque o chefe chama a personagem de “burro” e de incompetente, mas de verificar se, de fato, o protagonista está cometendo algum erro do qual ainda não se deu conta e que precisa ser corrigido.

Por fim, temos como hipótese o fato de que o JRR pôde contribuir para uma interpretação diferenciada sobre a ação da personagem. Também consideramos que uma reflexão inicial ocorreu para justificar os JVM, reflexão que pode ter influenciado novas elaborações, modificando ou incrementando, assim, alguns dos argumentos sobre os JRR. A seguir, apresentaremos a discussão dos resultados que se referem aos JRR sobre

a decisão da personagem entre continuar e sair do emprego, com a condição de não- surdez a serem comparados com os JRR sobre a decisão da personagem com a condição de surdez.

7.6. JRR sobre o dilema que contrapõe humilhação constante no trabalho e