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Comparações entre o aprender e o ensinar justiça

4. OBJETIVOS

6.3 Valor Moral da Justiça

6.3.8 Comparações entre o aprender e o ensinar justiça

Entre os objetivos específicos apresentados na seção 4.2 constava realizar a comparação entre a forma como as professoras aprenderam o valor moral da justiça e a forma como ensinam esse mesmo valor em sua prática pedagógica. Nossa intenção no presente tópico é relacionar os procedimentos de educação em valores utilizados em cada um destes momentos e verificar se existem semelhanças ou diferenças entre eles. Para tanto vamos mostrar os resultados apresentados nos tópicos O aprender sobre

justiça na escola e Juízos acerca do aprender sobre justiça, que versam sobre como

aprenderam sobre a justiça, e, também, os apresentados nos tópicos O ensinar sobre

justiça na escola e Juízos acerca do ensinar sobre justiça, que relatam como as

professoras ensinam sobre este valor moral. Depois, faremos as considerações acerca dos itens que se mostrarem relevantes na comparação entre as duas épocas.

As respostas relativas à forma como as professoras se lembram de ter aprendido sobre a justiça e como ensinam sobre esse valor em sua prática pedagógica, bem como suas considerações acerca desses procedimentos estão na Tabela 19, que está assim configurada: na horizontal estão apresentadas as perguntas formuladas com as suas respectivas justificativas. Na vertical, a tabela está dividida em dois blocos: aprendeu (parte superior) e ensina (parte inferior). Ressaltamos que as respostas e justificativas estão apresentadas em ordem decrescente de citações.

Tabela 19

Comparações entre o aprender e o ensinar justiça

Como Justificativa Juízo Justificativa

Aprendeu Imposição Imposição com punição Maneira de ser dos professores Eficácia Época em que viveram Tornar as pessoas melhores Falta de experiência Incorreta Correta Vínculo com as situações práticas Maneira de ser dos professores Relação com o momento histórico

Ensina Conversas com imposição Diálogo Imposição com punição Atividades práticas Imposição É eficaz Torna as pessoas melhores Correta Correta, mas não suficiente Vínculo com situações práticas Maneira de ser das professoras Importância do diálogo

De forma geral, podemos dizer que a maioria das professoras aprendeu sobre justiça por meio da ‘Imposição’, justificou pela ‘Eficácia’ e avaliou como ‘Incorreta’ essa maneira de ensinar porque não estabelece o ‘Vínculo com situações práticas’. Elas próprias relataram, em sua maioria, que ensinam sobre a justiça por meio da ‘Conversa

com imposição’ porque ‘É eficaz’ consideram esta forma ‘Correta’ porque promove um

‘Vínculo com situações práticas’. Em suma, verificamos que os procedimentos de educação em valores utilizados pelas professoras para ensinar sobre justiça continuam baseados em ações impositivas, o que demonstra que elas ensinam como aprenderam.

Por outro lado, as ‘Conversas com imposição’ e o ‘Diálogo’ indicam uma preocupação que têm com os contextos de conversação, forma que difere daquela por

meio da qual aprenderam e que provavelmente está relacionada a questões histórico- sociais de cada época: quando elas aprenderam sobre a justiça, o contexto da ditadura militar restringia a liberdade de expressão por meio de leis, como, por exemplo, os Atos Institucionais, entre os quais o AI-5 (“Anos de chumbo”, 2008); hoje, ao ensinarem sobre esse valor moral, podem contar, entre outros fatores, com os avanços tecnológicos, que promovem uma ampla variedade de espaços de comunicação (internet, telefonia móvel, aplicativos de computador, desenvolvimento de técnicas de oratória e de comunicação pedagógica, entre outras possibilidades). Porém, apesar desses avanços, as conversas ainda são impositivas e, portanto, a maior parte não se configura como um diálogo.

Quanto aos motivos para o uso de tais procedimentos de educação em valores, dois deles continuam os mesmos tanto na forma como aprenderam quanto na maneira como ensinam: a ‘Eficácia’ e o ‘Tornar as pessoas melhores’. Porém, as avaliações ‘Incorretas’ sobre como aprenderam deram lugar às ‘Corretas, mas não suficientes’ sobre como ensinam, e os argumentos sobre a ‘Relação com o momento histórico’, que eram utilizados com respeito à forma como aprenderam, deixaram de ser utilizados sendo incluída, na forma como ensinam, a consideração sobre a ‘Importância do

diálogo’.

Um dos focos de análise utilizados no decorrer deste trabalho foi o ano de ingresso das professoras na 5ª série, de acordo com fatos históricos. O resultado da comparação entre o aprender e o ensinar sobre o valor moral da justiça, de acordo com essa perspectiva, pode ser verificado na Tabela 20, configurada da seguinte forma: dividimos a tabela em três colunas, cada uma relativa a um período específico (‘Anos de chumbo’, ‘Abertura política’, e ‘Fim da ditadura’); cada coluna está subdividida em outras duas relacionadas ao como aprendeu e como ensina. Na horizontal são apresentadas as perguntas formuladas com as suas respectivas justificativas. É importante ressaltar que são apresentadas nesta tabela as respostas e justificativas mais freqüentes em cada um dos tópicos analisados.

Tabela 20

Comparações entre o aprender e o ensinar justiça, de acordo com o ano de ingresso na 5ª série

Anos de Chumbo Abertura Política Fim da Ditadura

Aprendeu Ensina Aprendeu Ensina Aprendeu Ensina

Como Imposição com punição Conversas com imposição Imposição com punição Conversas com imposição Diálogo Imposição Imposição com punição Justificativa Eficácia Época em que viveram É eficaz Época em que viveram Torna as pessoas melhores Eficácia É eficaz

Juízo Correta Correta,

mas não suficiente

Incorreta Correta Incorreta Correta

Justificativa Vínculo com situações práticas Maneira de ser dos professores Vínculo com situações práticas Vínculo com situações práticas Relação com o momento histórico Maneira de ser da professora Vínculo com situações práticas Vínculo com situação prática

Segundo podemos observar na Tabela 20, enquanto as respostas das professoras que ingressaram na 5ª série durante os ‘Anos de chumbo’ revelam uma tendência à mudança na forma de ensinar sobre a justiça, que passa da ‘Imposição com punição’ (como aprenderam) para a ‘Conversa com imposição’ (como ensinam), as respostas daquelas que iniciaram a 5ª série durante o período da ‘Abertura política’ denotam uma possível transformação nos métodos de ensino: aprenderam por meio da ‘Imposição

com punição’ e ensinam por meio de ‘Conversas com imposição’ e do ‘Diálogo’. Em

outras palavras, consideramos que apesar de essas professoras terem aprendido sobre a justiça por meio da ‘Imposição com punição’, agora, além de não punirem seus alunos para ensinar o mesmo valor moral, buscam criar momentos de ‘Conversas com

imposição’ e algumas delas, de situações de ‘Diálogo’. Por outro lado, as respostas das

professoras que ingressaram na 5ª série nos anos do ‘Fim da ditadura’ aparentemente demonstram o movimento oposto: relatam que aprenderam pela ‘Imposição’ e ensinam

por meio da ‘Imposição com punição’. Para estas professoras, as ações de ‘Imposição’ são consideradas ‘Incorretas’ porque não têm ‘Vínculo com situações práticas’, mas as de ‘Imposição com punição’ são avaliadas como ‘Corretas’ porque têm este vínculo. Em outras palavras, parece que, se a punição está relacionada a uma situação prática, então ela é correta. Pode haver aqui um retrocesso, pois, se a falta de limites é prejudicial no sentido de não promover uma organização dentro da sala de aula, o seu excesso também pode ser danoso. Conforme nos mostra La Taille (1998), aprender a lidar com os limites possibilita aprender, na vida e na moralidade, a saber considerar de forma correta o limite entre o dever transpor (permitido) e o dever não transpor (proibido).

Outro foco de análise diz respeito às comparações entre o aprender e o ensinar segundo o critério das matérias que as professoras lecionam.

As professoras de ‘Ciências’ e ‘Geografia’ aprenderam sobre o valor moral da justiça pela ‘Imposição com punição’ e o ensinam por meio da ‘Conversa com

imposição’; as de ‘História’ e ‘Português’ aprenderam pela ‘Imposição’ e ensinam

também por meio da ‘Conversa com imposição’; as de ‘Matemática’ aprenderam sobre justiça pela ‘Imposição’ e ensinam pelo ‘Diálogo’. Em suma, as respostas das professoras de ‘Ciências’, ‘Geografia’, ‘História’ e ‘Português’ mostram que elas mantiveram as imposições como forma de ensinar sobre justiça. Somente as das professoras de ‘Matemática’ revelam uma mudança de procedimento: elas aprenderam por meio de ‘Imposição’ (postura de coerção) e ensinam promovendo o ‘Diálogo’ (postura de cooperação).

Interessante observar que são as professoras de ‘Matemática’ que conceituam justiça em termos de eqüidade e justificam por meio de abstrações (juízos). Tais constatações abrem a possibilidade para os seguintes questionamentos: Será que existe alguma relação entre o fato de a matéria de ‘Matemática’ exigir um tipo de pensamento mais abstrato e as professoras conceituarem justiça também em termos abstratos? Será que existe algum tipo de relação entre a matéria e a promoção de atitudes dialógicas das professoras? Será que a promoção desse procedimento de educação em valores tem relação com a proposta curricular da escola onde essas professoras atuam? Como este não foi o foco da presente pesquisa, os dados que coletamos não nos permitem responder a essas questões. Portanto, vamos deixá-las em aberto para que se busquem as respostas em outros estudos que enfoquem a educação em valores.

Finalmente, as comparações entre o aprender e o ensinar sobre justiça relativos às séries para as quais as professoras lecionam podem ser observadas na Tabela 21 (configurada nos mesmos padrões da Tabela 20).

Tabela 21

Comparações entre o aprender e o ensinar justiça, de acordo com a série para a qual as professoras lecionam

5ª/6ª série 7ª/8ª série

Aprendeu Ensina Aprendeu Ensina

Como Imposição Conversas com

imposição Imposição com punição Conversa com imposição Diálogo

Justificativa Eficácia É eficaz Eficácia & Época em que viveram É eficaz Torna as pessoas melhores

Juízo Correta Correta, mas

não suficiente

Incorreta Correta

Justificativa Vínculo com as situações práticas Vínculo com as situações práticas Maneira de ser dos professores Maneira de ser da professora

Conforme podemos verificar na Tabela 21, as respostas mais freqüentes das professoras de ‘5ª/6ª’ séries mencionam que elas aprenderam pela ‘Imposição’ e ensinam por meio da ‘Conversa com imposição’, ou seja, a postura utilizada para que aprendessem e a que utilizam para ensinar continua sendo impositiva. Já as respostas mais freqüentes das professoras dos alunos mais velhos (‘7ª/8ª’ séries) revelam que elas aprenderam por meio da ‘Imposição com punição’ e passaram a ensinar estimulando a ‘Conversa com imposição’ e o ‘Diálogo’. Apesar de elas citarem exemplos de ‘Conversa com imposição’ percebemos que fazem uma relação entre a forma de ensinar e a própria maneira de ser, o que denota uma percepção de que a imposição ou a não- imposição dependem da postura individual do professor Além disso, cabe destacar a pouca quantidade de respostas indicando o ‘Diálogo’ – somente nove, cinco das quais são de professoras que lecionam para as ‘7ª/8ª’ séries – como um procedimento de educação em valores utilizado. Porém, apesar de a quantidade ser reduzida,

consideramos esse um dado qualitativo importante que, inclusive, será retomado no capítulo das Considerações Finais.

Além das considerações acerca dos três enfoques específicos (ano de ingresso na 5ª série, matéria que leciona e série para a qual leciona) que foram abordados no decorrer da presente pesquisa, também gostaríamos de retomar, de forma breve, duas outras situações relatadas durante a etapa da entrevista que enfocava especificamente o valor moral da justiça

Uma delas diz respeito ao argumento utilizado pela professora Cláudia (40) sobre a forma como aprendeu e, depois, sobre como ensina esse valor moral. A professora aprendeu por meio da imposição, avaliada como correta porque estava de acordo com o momento histórico, e mantém, em sua prática pedagógica, ações impositivas que avalia como corretas porque têm vínculos com situações práticas. Ou seja, em ambos os momentos a professora utilizou considerações heterônomas ou convencionais: quando aprendeu, o momento histórico justificou ações impositivas e punitivas; agora, que ensina, o vínculo com situações práticas parece fazer com que ações impositivas sejam avaliadas como corretas. Esse exemplo, apesar de único dentro do estudo, merece destaque porque nos remete a uma reflexão importante: Será que ações de ‘Imposição’ e de ‘Imposição com punição’ podem ser consideradas ‘Corretas’ porque estavam de acordo com o padrão de uma determinada época? Pensamos que não, entre outros motivos porque consideramos que tal argumento respalda o uso de ações heterônomas, e, se ensinamos como aprendemos – conforme sugerem os dados anteriormente apresentados –, então o círculo vicioso ficará mantido, assim como os argumentos heterônomos que o respaldam.

Se nos voltarmos para os teóricos da área, veremos que as ações coercitivas não promovem um desenvolvimento moral; é por meio da cooperação, do respeito mútuo e do diálogo que a construção da personalidade moral pode ser efetuada (Piaget, 1930/1996, 1932/1994, 1972/1994; Kohlberg, 1984/1992; Lins & Camino, 1993; La Taille, 1996, 2002, 2006c; Menin, 1996; Rique & Camino, 1997; Biaggio, 1997; Puig, 1998a, 1998b, 2000 e 2007; Delors, 1996; Morin, 1999/2007; Camino & Luna, 2004; Roseth, Johnson & Johnson, 2008).

Para finalizar este tópico, gostaríamos de apresentar outra situação relatada, que diz respeito à humilhação. As três professoras que relataram as referidas situações vividas na escola dizem que ensinam sobre o valor moral da justiça em sua prática pedagógica.

Hosana (46) relatou que ensina por meio de ‘Conversas com imposição’, porque ‘É eficaz, e considera essa forma de ensinar ‘Correta’, porque promove o ‘Vínculo com

situações práticas’. Monalisa (37) disse ensinar pelo ‘Diálogo’, também porque ‘É eficaz’, e a considera uma forma ‘Correta’ porque ‘Promove o diálogo’. Por sua vez,

Pamela (30) ensina promovendo tanto o ‘Diálogo’ quanto as ‘Atividades práticas’, porque são formas eficazes de ensinar esse valor moral, e as considera ‘Corretas’ porque têm ‘Vínculo com as situações práticas’. Enfim, podemos perceber que, apesar de uma delas ainda utilizar formas impositivas de educação em valores, todas buscam promover situações de conversa e diálogo, porque consideram esse método eficaz e acham que se trata de um processo ‘Correto’ tanto pelo ‘Vínculo com a prática’ quanto pela promoção do ‘Diálogo’. Em poucas palavras, é uma mudança relevante na forma de ensinar sobre justiça em sala de aula. Porém, cabe ressaltar que todas afirmaram que, em sua prática pedagógica atual, elas ficam sempre atentas para não incorrerem no mesmo erro de seus professores:

Eu acho que nada do que ele dissesse [para mim], iria apagar o que ele fez. Tanto é assim que eu tenho pavor de dizer nota de aluno. Não digo mesmo. O aluno quer saber a nota, eu digo “vem cá na minha mesa que eu falo”. “Não, professora, pode dizer a minha”. Eu não digo não. “Não, se você quiser saber, é aqui” (Pamela, 30).

Enfim, o que estas professoras confirmam é que os atos de humilhação deixam marcas que perduram (Alencar, 2003; Andrade, 2006; Alencar & La Taille, 2007).

De forma geral, a presente pesquisa tratou do valor moral da justiça sob duas perspectivas complementares: como as professoras relatam que aprenderam sobre a justiça quando elas eram alunas e como elas julgam que ensinam sobre esse valor moral em sua prática pedagógica. A seguir apresentamos as Considerações Finais relativas a este trabalho.

Se eu pudesse deixar algum presente a vocês, deixaria acesso ao

sentimento de amar a vida dos seres humanos. A consciência de

aprender tudo o que foi ensinado pelo tempo afora.

Lembraria os erros que foram cometidos para que não mais se

repetissem. A capacidade de escolher novos rumos.

Deixaria para vocês, se pudesse, o respeito àquilo que é

indispensável: além do pão, o trabalho; além do trabalho, a ação.

E, quando tudo mais faltasse, um segredo: o de buscar no interior

de si mesmo a resposta e a força para encontrar a saída.