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Juízos acerca do ensinar sobre justiça

4. OBJETIVOS

6.3 Valor Moral da Justiça

6.3.7 Juízos acerca do ensinar sobre justiça

Para realizar esta análise, perguntamos às professoras se elas consideravam correta ou incorreta as formas como ensinam sobre o valor moral da justiça. Como tivemos um dado perdido, totalizamos 33 avaliações considerando as ações como a)

correta e b) correta, mas não suficiente

Podemos verificar pelas respostas que as professoras consideram correta a forma pela qual ensinam sobre justiça. Do total, 84,8% não fazem nenhuma consideração específica sobre sua maneira de ensinar, julgando-a ‘Correta’, ao passo que 15,2% consideram que sua forma de ensinar sobre justiça é ‘Correta, mas não suficiente’, em referência a ações que poderiam ser modificadas, como é o caso da professora Célia (25), que afirma ensinar sobre justiça da forma como seus professores lhe ensinaram (‘Imposição com punição’) porque percebe que isso ‘É eficaz’, mas considera que, “(...) conversando seria melhor. (...) as coisas ficam mais fáceis, sem haver essa punição” (Célia, 25). Porém, outras considerações do tipo ‘Correta, mas não suficiente’, sugerem

exatamente o contrário: um retorno às formas de ensinar que garantiam um maior controle da turma. Um exemplo disso é a seguinte consideração: “Eu acho que poderia ser mais imediato porque a gente deixa muito para lá. A gente vai protelando muito a coisa. E deveria ser assim: três chances; na terceira, castigo” (Giovana, 46). Com relação às professoras que ingressaram na 5ª série durante os ‘Anos de chumbo’, suas considerações estão distribuídas entre duas avaliações: 57,1% das respostas afirmam que a forma pela qual elas ensinam sobre justiça em sala de aula é ‘Correta’ enquanto 42,9% a consideram ‘Correta, mas não suficiente’. Por outro lado, as avaliações das demais estão mais concentradas na avaliação ‘Correta’: 100% daquelas que entraram na 5ª série no período da ‘Abertura política’ e 80% das que iniciaram durante os anos do ‘Fim da ditadura’ consideram que ensinam de forma ‘Correta’. Dessa forma, se compararmos o que dizem do modo como ensinam sobre a justiça com as considerações que fazem sobre esta forma de ensinar, verificaremos que a maioria das professoras que ingressaram na 5ª série durante os ‘Anos de chumbo’ afirma que se utiliza de ‘Conversas com imposição’ para ensinar sobre justiça e consideram que esta forma é ‘Correta, mas não suficiente’. Aquelas que ingressaram no período da ‘Abertura política’ dizem que ensinam utilizando tanto ‘Conversas com

imposição’ quanto o ‘Diálogo’ e consideram essa forma de intervenção ‘Correta’. As

que iniciaram a 5ª série nos anos do ‘Fim da ditadura’ afirmam que ensinam por meio de ‘Conversas com imposição’ e de ‘Imposição com punição’ e avaliam como ‘Correta’ essa forma de ensinar sobre justiça. O fato de procedimentos punitivos serem considerados corretos chama-nos a atenção e será retomado no próximo tópico (6.3.8).

Apesar de a maioria das professoras considerar as formas como ensinam sobre justiça ‘Corretas’, algumas (cinco citações) percebem que podem realizar alterações em suas intervenções, portanto, consideram que são ‘Corretas, mas não suficientes’.

Para melhor entender tais dados, vamos analisar as justificativas que as professoras deram para suas avaliações. Dessa forma, temos 33 argumentos que levam em consideração o(a) a) vínculo com situações práticas, b) maneira de ser da

professora, c) importância do diálogo e d) outros. A distribuição das respostas pode ser

Tabela 18

Justificativas das professoras sobre os juízos acerca da forma como ensinam sobre justiça

Por causa do (a): Número de citações Porcentagem

Vínculo com situações práticas 17 51,5%

Maneira de ser da professora 10 30,3%

Importância do diálogo 3 9,1%

Outros 3 9,1%

Total 33 100,0%

Dos argumentos utilizados para a avaliação que fizeram, 51,5% dizem respeito ao ‘Vínculo com situações práticas’. Este grupo de respostas inclui referências tanto à importância desse vínculo – “Esse negócio de conceito fica muito abstrato. Você tem que partir para a prática, para aquele acontecimento, pegar um gancho naquilo e aproveitar o momento” (Gabriela, 37) – quanto às dificuldades provenientes da ausência do vínculo seja pela falta de exemplos diários, seja pela falta de um espaço na escola para se tratar desse tema.

Além disso, as participantes falam da ‘Maneira de ser da professora’ (30,3%), ou seja, de uma postura particular delas mesmas – “É a minha maneira de ser” (Carmem, 37) – que sustenta suas ações. Outro exemplo dentro desse grupo de justificativas que também está relacionado à postura particular da professora em relação aos alunos é o mencionado por Mariana (36): “Eu acho que o professor tem que ser um exemplo para os alunos. E é uma forma de estar (...) através de mim, do meu exemplo, do meu trabalho, da pessoa que eu sou, eu posso transmitir muito”.

Ressaltamos que esses argumentos que versam sobre a ‘Maneira de ser da

professora’ apontam para o fato de elas não terem sido capacitadas, em sua formação

acadêmica, para ensinar sobre justiça, ou seja, se elas embasam as suas ações em sua própria maneira de ser, isso sugere não ter havido uma fundamentação em outros aspectos da vida, entre os quais podemos incluir a formação acadêmica. Tal fato pode ser constatado na seguinte afirmação: “Na faculdade nós não fomos preparados em nenhum momento para ficar falando sobre justiça. Então se é certo eu não sei, mas pelo menos eu tento fazer alguma coisa para melhorar” (Camila, 49). A questão da deficiência da formação acadêmica voltada para a educação em valores apontada por Araújo (2007) aparece nesse relato de Camila (49). Tal consideração remete-nos de volta à pergunta inicial sobre o aprender e o ensinar, sugerindo que, se as professoras

não aprendem a ensinar sobre justiça de uma forma diferente de como seus professores fizeram, elas vão tomar como referência aquilo que, por construção própria, consideram correto.

Em outras palavras, as considerações agrupadas aqui dizem respeito à postura das professoras e também ressaltam a carência na formação acadêmica que, parece, não as orienta na maneira de ser diante dos alunos.

Outro argumento destacado pelas professoras foi a ‘Importância do diálogo’ (9,1%) que, segundo elas, “(...) funciona porque você escuta o outro, você está falando com ele. (...) Conversa assim, diálogo. Não só eu falar e eles escutarem, é o de lá para cá também” (Monalisa, 37). Enfim, é uma relação entre iguais que promove o desenvolvimento moral tanto por abrir a possibilidade da descentração – fundamental para esse desenvolvimento, conforme apresentado no capítulo sobre o Estudo da

Moralidade –, presente no movimento de ouvir e tentar compreender o outro, quanto

por estimular a argumentação e propiciar a reciprocidade (ouvir e ser ouvido).

Finalmente, agrupamos as referências à maturidade dos alunos e aos distintos momentos históricos (como era antes e como é hoje) em ‘Outros’ (9,1%).

O argumento do ‘Vínculo com situações práticas’ foi utilizado, em sua maioria, pelas participantes que ingressaram na 5ª série durante os ‘Anos de chumbo’ (42,9% dos depoimentos) e nos anos do ‘Fim da ditadura’ (70%), além das professoras ‘Sem filhos’ (53,8%), com ‘Um filho’ (71,4%) e com ‘Dois filhos’ (40%); das que lecionam ‘Geografia’ (57,1%), ‘História’ (57,1%) e ‘Português’ (100%); e das que trabalham com as 5ª/6ª’ séries (64,7%).

Já as justificativas baseadas na ‘Maneira de ser da professora’ foram emitidas, em sua maioria, pelas participantes que ingressaram na 5ª série durante os anos da ‘Abertura política’ (37,5% das citações), que têm ‘Dois filhos’ (40%), lecionam ‘Ciências’ (50%) e ‘Matemática’ (33,3%) e são professoras das ‘7ª/8ª’ séries (43,8%). Aliás, estas últimas são as responsáveis por 100% das citações relativas à ‘Importância

do diálogo’.

Podemos perceber que a maioria das professoras de ‘5ª/6ª’ séries justificou a forma de ensinarem sobre justiça por meio de ‘Conversa com imposição’ como ‘Correta’ porque promove o ‘Vínculo com as situações práticas’. Já as professoras de ‘7ª/8ª’ argumentam que as ‘Conversas com imposição’ e o ‘Diálogo’ são formas ‘Corretas’ de ensinar sobre justiça por causa da sua própria postura (‘Maneira de ser da

considerarem que os alunos apresentam características diferentes – “São diferentes, sabe? De 5ª e 6ª é uma coisa e de 7ª e 8ª é outra” (Poliana, 27) – e, portanto, possuem diferentes competências, habilidades e necessidades. Ao que parece, as professoras percebem essas diferenças e agem de acordo com aquilo que consideram ser as capacidades e necessidades dos alunos.

De forma geral, podemos dizer que as professoras que mais citam o ‘Diálogo’ nos exemplos de formas de ensinar sobre justiça (as que ingressaram na 5ª série durante a ‘Abertura política’, professoras de ‘Matemática’ e de ‘7ª/8ª’ séries) argumentam que esta forma é ‘Correta’ porque tem relação com a ‘Maneira de ser da professora’. Esse é um dado interessante no contexto deste trabalho, porque sugere que as professoras relacionam o uso do ‘Diálogo’, como procedimento de ensinar sobre justiça, com a sua própria forma de ser ou sua postura diante da turma – relação essa citada na seção sobre os Procedimentos de Educação em Valores, quando tratamos das relações interpessoais. Conforme destacamos na referida seção, Piaget (1930/1996, 1932/1994) mostra que existem duas modalidades de postura do adulto perante as crianças: de coação ou de cooperação, e que cada uma delas interfere de forma distinta na promoção do desenvolvimento moral. Porém, como explicamos durante a apresentação das justificativas que apontam para a ‘Maneira de ser da professora’, as participantes relataram que não receberam uma formação acadêmica que direcionasse e respaldasse a sua prática. Com isso, suas ações estão baseadas naquilo que elas, ao longo de sua vida, consideram correto.

Por sua vez 57,1% das respostas que consideram ‘Correta’ a forma como ensinam sobre a justiça referem-se ao ‘Vínculo com situações práticas’, demonstrando que as professoras acham importante relacionar os conceitos abstratos com a realidade da vida de cada aluno – consideração também apresentada na seção sobre os

Procedimentos de Educação em Valores, quando falamos da importância da relação

com situações práticas.

Vamos retomar, neste momento, uma reflexão iniciada no tópico Juízos acerca

do aprender sobre justiça, relativa às respostas e justificativas da professora Cláudia

(40) sobre a forma como a justiça lhe foi ensinada. Percebemos que tais respostas sugeriam uma postura heterônoma por apontarem como correto o uso de métodos impositivos tendo como argumento a ‘Época em que viveram’ (a imposição é correta porque estava coerente com a época). Essa mesma professora mencionou três formas por meio das quais ensina sobre este valor moral: ‘Conversa com imposição’;

‘Imposição’ e ‘Atividades práticas’. Justificou a aplicação dessas formas pela eficácia e

considerou que são corretas porque promovem o ‘Vínculo com situações práticas’. Em outras palavras, dois dos três exemplos que a professora citou estão baseados em atitudes impositivas, que ela considera corretas porque estão relacionadas com situações práticas. Esse tipo de resultado será mais bem explicado no tópico a seguir, no qual apresentaremos um resumo geral da forma como as professoras relatam que aprenderam sobre a justiça e a respectiva comparação com a maneira pela qual elas ensinam esse mesmo valor moral em sua prática pedagógica