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Competência absoluta e competência relativa

CAPITULO 3. COMPETÊNCIA PROCESSUAL

3.5. Competência absoluta e competência relativa

A fixação da competência relativa ou absoluta em nosso ordenamento jurídico prestigia ora o interesse público, ora o interesse particular ou a comodidade da partes. Neste sentido, expressa Patrícia Miranda Pizzol:

Assim, em ultima análise, o critério de definição da competência seria sempre o interesse público e ela, conseqüentemente, seria sempre absoluta e improrrogável. A assertiva, contudo, não é verdadeira. Embora a divisão de tarefas, por meio de atribuição de competência aos diversos órgãos integrantes do Poder Judiciário seja indisponível para viabilizar a prestação jurisdicional, em muitos casos a regra de competência é definida segundo o interesse das partes, ou seja, para propiciar-lhes maior comodidade. Em tais casos, a competência é relativa, e não absoluta, podendo ser modificada pela vontade dos litigantes ou por força da lei.180

Assim, a competência absoluta é aquela que não pode ser alterada ou prorrogada por vontade das partes, pois atendem aos interesses públicos; já a competência relativa é aquela que pode ser modificada ou prorrogada para atender a vontade das partes, ou em razão da fixação dos critérios legais, possuindo uma flexibilização.

Referida flexibilização decorre das normas que tratam de a competência relativa ser de natureza dispositiva, pois buscam atender aos interesses das partes, que podem dispor da proteção legal conforme seus interesses. Além disso, por não terem natureza cogente, a própria lei pode entender interessante, em determinadas situações, afastar a sua aplicabilidade181. Cabe ressaltar que as normas disciplinadoras da competência

absoluta não permitem a flexibilização, de forma que as regras modificadoras de competência são exclusivas da competência relativa.

No direito processual civil, pode ser considerada competência absoluta a competência material; funcional; em razão da pessoa (art. 109, I da

180PIZZOL, Patrícia Miranda. op. cit., p. 253.

181Como bem registra Daniel Amorim Assumpção Neves (op cit, p. 21), nem todas as regras

referentes à competência relativa têm a característica acima mencionada, sendo importante a lembrança dos fenômenos da conexão e da continência, típicas hipóteses de prorrogação de competência.

CF); a competência em razão da situação do imóvel, conforme determina o artigo 95, primeira parte do Código Processual; a competência interna dos órgãos judiciais; a competência para a ação de recuperação judicial e falência; a competência para as ações coletivas, conforme artigos 2º da Lei 7.347/85 e art. 93 do Código de Defesa do Consumidor; a competência dos foros regionais e a competência dos Juizados Especiais Federais Cíveis.

No processo civil, são relativas à competência em razão do valor (salvo nos casos dos foros regionais e dos juizados especiais federais); a competência territorial (salvo nos casos de recuperação judicial, falências, na ação coletiva e na ação real sobre imóvel prevista na segunda parte do art. 95 do Código Processual).182 Além destas hipóteses, ressalta-se a competência em

razão da pessoa que pode ser relativa, ou absoluta, conforme exposto no tópico anterior.

A incompetência relativa deve ser arguida pelo réu por meio da exceção de incompetência (art. 112), no prazo de quinze dias contados da citação, ou do fato que originou a incompetência, se este for posterior à citação. Embora a regra seja de que se trata de uma petição apartada dos autos principais, o Superior Tribunal de Justiça183 já se pronunciou aceitando o exame da exceção de incompetência relativa no bojo da contestação, desde que não haja prejuízo ao autor, sob o argumento de que o defeito não passa de mera irregularidade, a ser convalidada com base no princípio da instrumentalidade.

Caso o requerido não apresente a exceção de incompetência relativa, a competência é fixada, mantendo o juízo a sua competência para o julgamento da lide. Concordamos com Cassio Scarpinella Bueno que afirma que a ausência de alegação de incompetência relativa não gera a prorrogação da competência, pois o juízo sempre foi competente, embora, por uma opção política feita pelo legislador em alguns casos, outros juízos igualmente competentes poderiam ser provocados para julgar a mesma demanda ou outras a ela relacionadas, o que acarretaria a modificação da competência184. Enfatiza-se que

182PIZZOL, Patrícia Miranda. op. cit., p. 222.

183Neste sentido: CC 86962 / RO; RESP 380705-AL, CC 17021-RJ; RESP 293042-SP (RT

806/139), CC 2903-SP (RSTJ 42/48), RESP 169176-DF.

juiz não pode reconhecê-la de ofício, conforme determina a Súmula 33 do Superior Tribunal de Justiça.

Ressalta-se, que o Projeto de Lei para o Novo Código de Processo Civil (PL 166 Senado Federal) exclui a exceção de incompetência, determinando que tanto a incompetência relativa, como a absoluta, devem ser alegadas em preliminar da contestação, visando a simplificação do sistema.185

A incompetência absoluta deve ser alegada em preliminar da contestação (art. 301, II do CPC), ou na primeira oportunidade que as partes se manifestarem nos autos, bem como o Ministério Público, quando atuar como fiscal da lei. Ao juiz cumpre também verificar de ofício a incompetência absoluta. Por ser matéria de ordem pública, pode ser reconhecida em qualquer tempo e grau de jurisdição, somente não podendo ser alegada pela primeira vez em sede de recurso especial ou extraordinário, considerando a ausência de prévio pré-questionamento.

Embora a incompetência absoluta deva ser alegada em preliminar de contestação, não há impedimento de o magistrado analisar referida alegação se for suscitada mediante exceção. Trata-se de mera irregularidade que não compromete seu exame. Como ressalta Leonardo José Carneiro da Cunha, se o juiz pode conhecer de ofício da incompetência absoluta, pode qualquer das partes alegar, por qualquer meio. Assim, caso o réu argua em exceção de incompetência, não estará o juiz impedido de reconhecer o vício186.

Os atos decisórios praticados por juízo absolutamente incompetente são nulos. No entanto, apenas os atos decisórios de mérito deverão ser considerados nulos e não todo o processo, razão pela qual não há a extinção do processo, mas apenas a remessa ao juízo competente. Enfatiza-se que nos Juizados Especiais o reconhecimento da incompetência pode gerar a prolação da sentença sem resolução do mérito.187

185Art. 49 do Projeto de Lei 166 do Senado Federal: A incompetência, absoluta ou relativa, será

alegada como preliminar de contestação, que poderá ser protocolada no juízo do domicílio do réu. SENADO FEDERAL. Projeto de Lei 166 do Senado Federal. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2010.

186CUNHA, Leonardo José Carneiro da. op. cit., p. 119.

187Pelo Projeto de Lei 166, há previsão no § 3º do artigo 49 que: Salvo decisão judicial em sentido

contrário, conservar-se-ão os efeitos das decisões proferidas pelo juízo incompetente, até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente. In: SENADO FEDERAL. Projeto de Lei 166 do Senado Federal, cit.

Luiz Fux188, ao analisar o conteúdo decisório do reconhecimento

da incompetência absoluta, afirma que é preciso adstringir os efeitos da declaração de incompetência absoluta, uma vez que somente os atos decisórios de mérito são nulos e não o processo todo, pois se assim o pretendesse o legislador, imporia a extinção do feito sem análise do mérito.

A declaração da incompetência absoluta deve ser reconhecida pelo juiz até a prolação da sentença. Após, deverá ser decretada, na via recursal, pelo tribunal competente para o julgamento do recurso. Se ocorrer o trânsito em julgado da sentença, a coisa julgada não sana o vício da nulidade absoluta, decorrente da falta de pressuposto processual de validade, podendo ser ajuizada ação rescisória no prazo legal.189

O juiz ao reconhecer a incompetência do juízo não deve analisar mais nenhuma questão processual, pois ao juízo incompetente não cabe examinar matéria relativa àquela demanda, salvo a sua própria competência. A declaração de incompetência acarretará a nulidade apenas dos atos decisórios, devendo os demais serem aproveitados, considerando o princípio da economia processual.

A invalidade dos atos decisórios independe de determinação expressa, sendo desnecessário que o juiz, ao reconhecer a incompetência absoluta, decrete a invalidade dos atos decisórios, consistindo numa decorrência natural da decisão que concluir pela ausência de competência absoluta190. Apesar de o artigo 113, § 2º do Código de Processo Civil determinar que “somente” os atos decisórios serão nulos, entendemos que o juízo competente pode deixar de declarar a nulidade de determinados atos decisórios, quando não trouxer prejuízo a nenhuma das partes, ou não refletir nenhuma consequência processual, como por exemplo, se o juízo incompetente indeferiu a realização de determinada prova pericial e a mesma desapareceu e o local foi totalmente alterado não podendo ser refeita. Assim, entendemos que o juízo competente poderá ratificar atos

188FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 102.

189PIZZOL, Patrícia Miranda. op. cit., p. 393. Cabe destacar entendimento diverso de Cintra,

Grinover e Dinamarco, para quem a coisa julgada sana (relativamente) o vício decorrente de incompetência absoluta; mas dentro do prazo de dois anos a contar do trânsito em julgado, pode a sentença ser anulada, através da ação rescisória (in CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. op. cit., p. 260).

decisórios que não acarretem consequências processuais em prejuízo das partes, pois o § 2º do artigo 113 não é expresso em dizer que a nulidade deverá ser de todos os atos decisórios, mas determina que a nulidade é somente dos atos decisórios.

Por fim, cabe ressaltar que para Cintra, Grinover e Dinamarco191,

há na doutrina a tendência a considerar inexistente o processo instaurado perante Justiça incompetente. Estes doutrinadores enfatizam que há doutrinadores que consideram inexistentes apenas os processos da competência da Justiça comum, quando instaurados perante a especial (o órgão judiciário não teria o poder jurisdicional para tais casos, agindo subpretexto jurisdictionis); na hipótese inversa, dízem, age a Justiça comum com mero excessus jurisdictionis, pois os juízes ordinários são “idealmente investidos de toda a jurisdição”. Essa última tendência, contudo, perde força em face da Constituição Federal, cujo art. 50, inciso LIII, determina que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”; desse modo, o princípio do juiz constitucionalmente competente vem integrar as garantias do devido processo legal, podendo considerar-se inexistente o processo conduzido pelo juiz desprovido de competência constitucional.

Se o vício de incompetência acarretasse a inexistência do processo e da sentença, não haveria coisa julgada, não havendo a necessidade da interposição da ação rescisória. Como bem explica Leonardo José Carneiro da Cunha192, quando o juízo prolator da sentença revela-se absolutamente incompetente, o caso não é de inexistência, mas sim de invalidade. O vício da incompetência não impede a formação da coisa julgada material.

Apesar da divergência acima mencionada, entendemos que a relação jurídica existe, sendo que apenas os atos decisórios que possam causar prejuízo à partes são nulos; e os demais atos podem ser aproveitados pelo juízo competente, em razão do princípio da celeridade processual e instrumentalidade de forma. Desta forma, opinamos que a incompetência absoluta do juiz pode ser solucionada, pois se encontra ausente o requisito de validade, o qual não

191CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

op. cit., p. 260-261.

determina o julgamento sem a resolução do mérito, mas sim, a anulação dos atos decisórios praticados pelo magistrado incompetente e remessa dos autos ao juízo competente para apreciação da matéria versada na lide. Portanto, a ausência de juízo competente é pressuposto processual de validade e não de existência193.

Outra questão pertinente é saber se a sentença proferida por juízo absolutamente incompetente poderá ser cumprida. Entendemos que a sentença poderá ser executada em razão da determinação do artigo 489 do Código de Processo Civil, apesar de ser rescindível. Quer isto dizer que, enquanto não rescindida a sentença, ela poderá iniciar a fase do cumprimento, normalmente, como qualquer outra.

Em se podendo cumpri-la, vem a dúvida sobre qual juízo é competente para o cumprimento da sentença. Pela disposição do artigo 575, II do Código de Processo Civil é possível concluir que a competência para o cumprimento da sentença é do juízo que proferiu a sentença exeqüenda, apesar de ser absolutamente incompetente. Assim, observa-se que o juízo que era incompetente para o processo de conhecimento, passa agora a ser competente para o cumprimento da sentença. Por outro lado, o juízo que era competente para o julgamento do processo de conhecimento, por não ter julgado a demanda, torna-se juízo incompetente para o cumprimento da sentença proferida pelo juízo incompetente. Tal hipótese pode ser considerada uma forma indireta de prorrogação da competência absoluta, que é analisada no próximo tópico.