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Brandão e Guimarães (2001) sustentam que o conceito de competência no contexto organizacional começou a ser elaborado sob a perspectiva do indivíduo. Para esses autores, conforme também apontado por Fleury e Fleury (2004), a competência é uma característica subjacente a uma pessoa que pode ser relacionada com desempenho superior na realização de uma tarefa ou em determinada situação.

Esta seção tentará compreender as duas principais escolas que abordam o tema competência a norte-americana e a francesa e a influência que as mesmas

46 exerceram na literatura brasileira. Ao final, buscar-se-á compreender o conceito sob a ótica da administração pública, aplicando-o às carreiras dos servidores públicos do país.

O conceito de competência na seara administrativa surgiu com a publicação, em 1973, do paper Testing for Competence rather than intelligence, de McClelland. Este trabalho iniciou os debates relacionados ao tema nos Estados Unidos, exercendo grande influência, tanto nos administradores, quanto nos psicólogos. Para McClelland (1973), competência seria uma característica subjacente às pessoas, a qual é casualmente relacionada com um desempenho superior na realização de uma tarefa ou numa determinada situação.

Boyatzis (1982), revisando os dados de estudos realizados sobre as competências gerenciais, identificou um conjunto de características e traços que, em sua opinião, definem um desempenho superior. Para o autor, competência seria um estoque de recursos que o indivíduo detém, permanecendo ligada ao conceito de qualificação, fundada nos princípios do fordismo-taylorismo.

Os trabalhos de McClelland (1973) e Boyatzis (1982) marcaram significativamente a literatura americana a respeito do tema competência, a qual passou a trabalhar com a necessidade de atingir resultados, sendo este objetivo o principal elemento motivador da aplicação do modelo de competência (FLEURY; FLEURY, 2004).

Sob esta ótica, o modelo em questão é compreendido como uma estratégia para se atingir, com maior rapidez, a melhoria de desempenho dos profissionais de uma organização. O conceito se sustenta na seguinte questão: quais conhecimentos, habilidades e atitudes são necessários para maximizar o desempenho das pessoas?

Percebe-se, portanto, que para a escola norte-americana, competência seria um conjunto de características intrínsecas às pessoas, as quais são fundamentais para o desempenho das mesmas nas organizações.

Já a escola francesa começou a trabalhar com o tema competência nos anos de 1970, questionando os fundamentos do conceito de qualificação e do processo de formação profissional, principalmente técnica. Insatisfeitos com o descompasso que se observava entre as necessidades do mundo do trabalho (principalmente da indústria), esta corrente de pensamento procurava aproximar o ensino das necessidades reais das empresas, visando aumentar a capacitação e o grau de empregabilidade dos trabalhadores (FLEURY; FLEURY, 2004).

47 Assim, com a introdução da competência no campo educacional, a mesma avançou e passou a ser identificada também nas relações trabalhistas, ao avaliar as qualificações necessárias ao posto de trabalho. Surgia o inventário de competências: bilan de compétences (FLEURY; FLEURY, 2004).

Le Boterf (2003) afirma que os indivíduos dispõem de uma dupla instrumentalização, de recursos pessoais e do meio, que se caracterizam como um conjunto de recursos de competência. A instrumentalização de recursos pessoais é incorporada, vez que é constituída por saberes, sabe-fazer, aptidões ou qualidades e por experiências acumuladas. Já a instrumentalização de recursos do meio é objetivada, pois a mesma é constituída por máquinas, instalações materiais, informações e redes relacionais (LE BOTERF, 2003).

Zarifian (2001) introduziu uma perspectiva social à noção de competência afirmando que uma atuação competente precisa de reconhecimento e legitimidade na instância social onde ocorre essa atuação.

Desta forma, com base no reconhecimento da competência é construída a identidade profissional, sendo nesse domínio que se compreende a agregação de valor social para o indivíduo, simultaneamente ao processo de agregação de valor econômico para a organização, através da entrega.

Conclui-se que a ideia de agregação de valor social é, na prática, pertinente apenas em algumas situações específicas, nas quais, o exercício de uma certa atividade acrescenta mais capacidades ao profissional, ampliando seu repertório de respostas e, portanto, sua empregabilidade.

Zarifian (2001) indica que em meados dos anos 1980 e início dos anos 1990 surge um conjunto de ferramentas de gestão de pessoas, dentre as quais se destacam a Gestão Antecipada dos Empregos e das Competências (GAEC) e as entrevistas individuais. O autor também aponta três conceitos relativos à mudança no mundo do trabalho: evento, comunicação e serviço.

Evento significaria tudo o que se chama de acaso, podendo ocorrer de maneira imprevista, inesperada, vindo a perturbar o desenrolar normal do sistema de produção, superando, desta forma, a capacidade da máquina de assegurar sua auto- regulagem. Nesse sentido, trabalhar é estar em expectação atenta a esses eventos, é pressenti-los e enfrentá-los quando ocorrem. O evento também pode ser abordado como novos problemas colocados pelo ambiente, os quais mobilizam as atividades de

48 inovação. O evento emerge como uma interpelação à empresa e continua sendo parcialmente imprevisto, instigando a empresa a enfrentá-lo e a encontrar uma solução adequada (ZARIFIAN, 2001).

O segundo conceito apontado por Zarifian (2001) é a comunicação, indicando que a qualidade das interações é fundamental para melhorar o desempenho das organizações. Assim, a percepção de que a comunicação torna-se um componente essencial do trabalho conduz à afirmação de que trabalhar é, em parte, comunicar-se. Para o autor, comunicar-se passa a representar a construção de um entendimento recíproco, formando bases de compromisso que serão a garantia do sucesso das ações desenvolvidas em conjunto.

O último conceito apresentado por Zarifian (2001) destaca o serviço como agente da mudança do trabalho. O autor sintetiza que trabalhar é gerar um serviço, ou seja, é promover uma modificação no estado ou nas condições de atividade de outro ser humano ou instituição, que ele chama de destinatários do serviço: o cliente, no setor privado; e o usuário, no setor público. Portanto, a visão de que o ato de trabalhar produz um serviço para um destinatário tem a vantagem de tornar concretos os conceitos de cliente e de usuário.

Após abordar os três conceitos propostos por Zarifian (2001), referentes ao mundo do trabalho, Fleury e Fleury (2004) concluem que o trabalho não é mais o conjunto de tarefas associadas descritivamente ao cargo, mas torna-se o prolongamento direto da competência que o indivíduo mobiliza em face de uma situação profissional cada vez mais mutável e complexa.

Portanto, para escola francesa, a noção de competência não pode ficar restrita às tarefas preestabelecidas do posto de trabalho, pois para se atingir a eficácia no trabalho, as pessoas não devem se limitar a executar as instruções recebidas (ZARIFIAN, 2001). Do trabalhador espera-se que ele operacionalize competências para administrar uma situação profissional ao invés de exercer sua qualificação para realizar um trabalho (LE BOTERF, 2003).

Conclui-se que o conceito de competência, segundo a escola francesa, não se restringe às descrições técnicas do cargo, mas sim a um amplo leque de conhecimentos, habilidades e atitudes que contribuem para o crescimento da organização como um todo e para a evolução intelectual do indivíduo.

49 A literatura brasileira recebeu influência das duas correntes teóricas sobre competência. Inicialmente, Brandão e Guimarães (2001) sustentam que o conceito de competência no contexto organizacional começou a ser elaborado sob a perspectiva do indivíduo. Sustentam também que a competência é uma característica subjacente a uma pessoa que pode ser relacionada com desempenho superior na realização de uma tarefa ou em determinada situação.

É importante consignar que existe uma interdependência entre as dimensões da competência (conhecimentos, habilidades e atitudes), tendo em vista que a adoção de um comportamento (atitude), por vezes, exige técnicas apropriadas (conhecimento), assim como a habilidade pressupõe o conhecimento (BRANDÃO; GUIMARÃES, 2001).

Fleury e Fleury (2001) definem competência individual como sendo um saber agir responsável e reconhecido, o qual implica em mobilizar, interagir, transferir conhecimentos, recursos, habilidades que agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo. Percebe-se, através da definição de competência individual proposta pelos autores, a grande influência exercida pela escola francesa.

Já Dutra (2004) afirma que o conceito de competência tem sido usado para dar foco ao desenvolvimento humano nas organizações. Para o citado autor, este desenvolvimento pode ser compreendido como o aumento da capacidade das pessoas em agregar valor para as organizações.

O citado autor, ao abordar as dimensões da competência, afirma que o conhecimento, corresponde a uma série de informações assimiladas e estruturadas pelo indivíduo que lhe permite compreender melhor o mundo. Já a habilidade decorre da capacidade das pessoas de utilizar o conhecimento de forma produtiva, utilizando-os em uma determinada ação. Por fim, a atitude refere-se a aspectos sociais e afetivos relacionados ao trabalho.

As três dimensões da competência individual foram muito debatidas pela literatura (DURAND, 1998; PARRY, 1996; DUTRA, 2004; FLEURY; FLEURY, 2001; BRANDÃO; GUIMARÃES, 2001). Com base nesses ensinamentos, o conhecimento corresponde a uma série de informações assimiladas e estruturadas pelo indivíduo, que lhe permite entender melhor o mundo, incluindo a capacidade de receber informações e integrá-las, dentro de um sistema preexistente, ao pensamento e à visão estratégicos: o -se à capacidade de agir de acordo

50 com os objetivos ou processos predefinidos, envolvendo técnica e aptidão. Por fim, a atitude diz respeito aos aspectos afetivos e sociais relacionados ao trabalho.

Portanto, o conceito de competência está diretamente relacionado com os atributos intelectuais, comportamentais e sociais do ser humano, os quais variam de pessoa para pessoa, determinando o desempenho das mesmas nas organizações. Desta forma, para administrar este feixe de conhecimentos, habilidades e atitudes nas pessoas, as organizações necessitam adotar um modelo de gestão que incentive o desenvolvimento destas características, como forma de privilegiar as competências individuais de seus colaboradores.

Dutra (2004) agrega os conceitos de entrega e complexidade para definir competência, ampliando, com isto, as possibilidades de assimilação do termo. O conceito de complexidade pode ser traduzido como o grau de exigência na entrega esperada de uma pessoa à medida que ela se desenvolve profissionalmente e torna-se capaz de lidar com situações demandantes de maior grau de abstração e desafios.

A inclusão da entrega ao conceito de competência, nos termos propostos por Dutra (2004), pode ser de grande valia para a adaptação deste importante modelo às carreiras públicas. Apesar de não haver uniformidade em suas estruturas, algumas incluem a gratificação de desempenho como um dos elementos ligados à remuneração mensal, a qual se configura na entrega dos servidores públicos aos seus órgãos e à sociedade.

Desta forma pode-se concluir que existem dois tipos de entrega vinculados às carreiras públicas: a) a entrega imediata, ou seja, aquilo que o servidor destinou ao seu órgão de origem, durante um determinado período de tempo; b) a entrega mediata, ou seja, aquilo que, de forma reflexa, foi destinado à sociedade, através da atuação do servidor público, durante um período de tempo determinado.

O quadro a seguir apresenta, de forma esquematizada, o conceito de competência individual, o qual tem como propósito demonstrar como o tema é tratado de forma heterogênea.

51 Quadro 3 - Conceitos de competências individuais

Conceito Autores

Motivos, traços, auto-conceitos, atitudes ou valores, conteúdo de conhecimento, ou habilidades cognitivas ou comportamentais qualquer característica que pode ser mensurada ou contada de maneira confiável e que possa ser apresentada para diferenciar significativamente entre uma performance média e uma performance superior, ou entre desempenhos efetivos ou inefetivos.

Spencer e Spencer (1993)

Repertórios comportamentais identificados como relevantes para a obtenção de alto desempenho em um trabalho específico, ao longo de uma carreira profissional, ou no contexto da estratégia organizacional.

Sparrow e Bognanno (1994)

Conjunto de conhecimentos, habilidades e destrezas que, expressados em saber, fazer e saber fazer, se aplica ao desempenho de uma função produtiva.

Resnik (1997)

É um fenômeno contextualizado que não pode ser copiado, cujo núcleo é composto por cinco elementos: o conhecimento explícito, a habilidade, a experiência, os julgamentos de valor e a rede social.

Sveiby (1998)

Assumir responsabilidades frente a situações laborais complexas e desenvolver uma atitude reflexiva sobre trabalho, que permita ao profissional lidar com eventos inéditos, surpreendentes, de natureza singular.

Dutra et al. (2000)

Um saber agir responsável e reconhecido, que implica em mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos, habilidades que agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo.

Fleury e Fleury

(2001) Combinações sinérgicas de conhecimentos, habilidades e atitudes,

expressas pelo desempenho profissional dentro de determinado contexto organizacional, que agregam valor a pessoas e organizações.

Carbone et al. (2005)

Competência não é apenas com um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes necessários para exercer certa atividade, mas também como o desempenho expresso pela pessoa em determinado contexto, em termos de comportamentos adotados no trabalho e realizações decorrentes.

Brandão e Borges- Andrade (2007)

Competência é a capacidade de desempenhar em um contexto, combinando conhecimento, valores, atitudes e habilidades na própria prática de trabalho.

Gonczi (2001)

Fonte: Santos (2012), com adaptações

Definidos os principais conceitos que cercam as competências organizacionais e individuais, a próxima seção analisará o princípio que as unificam: a gestão por competências.