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2 INTRODUÇÃO

2.4 INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO

2.4.2 Competência lingüística/ tradutória

Embora qualquer falante bilíngüe possua competência comunicativa nas línguas que domina, nem todo bilíngüe possui competência tradutora. Amparo Hurtado Albir

2.4.2.1 Competência lingüística

As discussões dos lingüistas quanto aos conceitos de língua e linguagem têm início com as primeiras pesquisas de Ferdinand Saussure, que considera a Língua como um sistema de valores que está no processo social e é homogêneo, tornando a Língua, a partir deste conceito, objeto de pesquisa para vários estudiosos. Saussure acreditava na separação funcional entre Língua e fala, e a última era vista como um representante do ato social, sujeita a fatores externos e não passíveis de análise. Em consonância a Saussure, Bakhtin (2002) considera a Língua um fator social, cuja existência se funda nas necessidades comunicativas. Por sua vez, valoriza a fala e a enunciação, afirmando serem de natureza social e não estarem afastadas das condições comunicativas e da estrutura social.

Ressalto a importância de compreendermos a idéia difundida por Bakhtin (2002) quanto à enunciação, pois ela dará subsídios à compreensão dos aspectos que envolvem a competência tradutória e o público para o qual se traduz.

A enunciação é vista por Bakhtin (2002) como um modelo do diálogo social. O autor também a considera a base da Língua, refletindo o discurso interior e exterior do falante e não existindo fora do contexto social: o falante, segundo Bakhtin,

pensa e se exprime para um auditório social. Brait e Melo (2007) corroboram com a postura apresentada pelo pensador, afirmando que a enunciação tem um papel central no pensamento de Bakhtin, pois auxilia na concepção de linguagem, como originária de um ponto de vista histórico, cultural e social. Para ele, pela comunicação, é possível caracterizar os sujeitos e os discursos nela envolvidos, permitindo a condição de compreensão e de análise. Dessa maneira, a noção da enunciação está focada, portanto, na idéia de que ela é constituída no ambiente sócio- histórico; acabada, perpetua-se em uma dimensão discursiva implicada no processo das relações interativas dos participantes. Visto o presente texto se de cunho etnográfico, considera-se essencial caracterizar as abordagens antropológicas e sociolingüísticas no estudo das linguagens, refletindo sobre inferências no campo da interpretação e da tradução de uma língua à outra.

Dentro da visão antropológica, Duranti (1997) acredita que a linguagem pertence ao campo interdisciplinar. Segundo o autor, a linguagem se consolida na prática cultural e se constrói nas representações sociais, com forte vínculo ao tempo real, ao espaço e às particularidades endereçadas à uma comunidade de falantes; a linguagem seria um reflexo de como pensamos e agimos nos espaços interacionais. A expressão particular, articulada a processos imaginários, originaria a organização da fala e seus aspectos, refletindo as experiências passadas e futuras do locutor.

Duranti (1997) postula ainda que, quando se trata de uma comunidade bilíngüe, a linguagem está diariamente ocupando as representações sociais e/ ou posicionamentos políticos na relação dialógica de uma comunidade com a outra, reafirmando as regras que constituem aquela sociedade em particular.

Segundo Foley (1997), para os estudiosos de uma perspectiva sociolingüística, sociointeracional, a linguagem é uma instituição social, e seus padrões lingüísticos correlacionam-se aos comportamentos lingüísticos e sociais de um determinado grupo, considerando-se a idade, o gênero, a classe social, a raça etc. Os padrões comunicativos são estabelecidos e transmitidos de geração a geração; entretanto, a plasticidade da dinâmica social deve sempre ser pontuada, pois o homem é produto de sua história e continuamente reproduz essa história.

Noam Chomsky (apud Gardner, 1995), ao se referir à capacidade inerente que

todos os humanos têm para aprender línguas, principalmente sua estrutura, vocabulário e sons, enfatiza que todos nós teríamos uma gramática interna que nos tornaria “ competentes” para aprender e usar a Língua. A linguagem, para Chomsky, é abstrata: o indivíduo nasceria com uma inclinação para aprender uma Língua, e as formas possíveis dessa Língua seriam limitadas pela espécie a que pertence esse indivíduo, com sua herança genética. Nesse momento, permito salientar que a visão do autor está em oposição ao que propõe essa pesquisa. Embora Chomsky estivesse à beira de uma discussão que permeia o campo das competências lingüísticas, será Dell Hymes (apud Albir, 2005) quem apresentará a idéia de competência

comunicativa, que levará em conta não somente aspectos puramente lingüísticos, mas também os aspectos culturais e contextuais. Para Hymes, com base em seus pensamentos, as pessoas seriam competentes para usar a Língua em determinados contextos, mas não necessariamente em outros. A idéia central de Dell Hymes é que a Língua deve se adequar aos diferentes contextos de uso, e não o contrário. De tal forma, pode-se ter um bom domínio da gramática, do vocabulário e da pronúncia de uma Língua, o que não garantirá, por si só, o uso adequado da Língua em diferentes contextos sociais.

2.4.2.2 Competência tradutória

Dentro dos aspectos que envolvem as competências lingüísticas e tradutórias, as discussões de fluência e proficiência podem ser conduzidas em paralelo com a noção de competência comunicativa. A respeito da perspectiva sobre a fluência da fala, Pereira (2008) a considera como uma capacidade de interagir em uma língua. A autora recorre a Milloy (1997) para argumentar que a fluência verbal pode ser compreendida como uma forma pré-determinada que não admite distorções ou interrupções, a não ser pausas aceitáveis e variações de velocidade.

Pereira (2008) não aprofunda a discussão de fluência na Língua de Sinais por não ter pesquisas nesse campo, mas supõe que a fluência na LS deveria partir do

encadeamento harmônico entre os movimentos das mãos, do corpo e do rosto, visto serem partes corporais que compõem os sinais. Para a autora, os fatores temporais da fala, a velocidade das escolhas de palavras e a agilidade na articulação sonora e/ ou gestual, pausas e sua adequação, como o uso nos diferentes contextos, definem a fluência lingüística.

A proficiência requer, portanto, a necessidade de outras habilidades para se ser fluente na Língua de Sinais, abrangendo competências interdependentes, inatas e adquiridas. Sintetizando, Pereira (2008) define a competência como uma habilidade geral, e define a proficiência como uma habilidade específica. De acordo com Hymes (1972, apud Pereira, 2008) a proficiência comunicativa não é constituída somente pela

gramática, mas também pelos aspectos da enunciação quanto a importância de localizar o sujeito no ato da linguagem. Schacheter (1996, p. 40, apud Pereira, 2008, p.

59) já defende a proficiência lingüística como aquela que compreende a lacuna entre conhecer a estrutura da língua de forma isolada e entre conhecer os modos de aplicabilidade, abrangendo competências que representam aspectos motores e temporais da fluência, o conhecimento metalingüístico e gramatical, e o uso apropriado desse conhecimento com outros falantes, em contexto sociocultural.

Diante das idéias apresentadas, pode-se afirmar que as varias discussões referentes à competência/ fluência/ proficiência colaboram para entender o que seria a competência tradutória, assim como colabora para entender as suas implicações nas atividades de tradução e interpretação.

Aspecto que será discutido a seguir , o termo competência tradutória, segundo Hurtado Albir (2005), passa a ser utilizado na década de 90 com a formulação de diversas propostas. Para Albir (2005), a competência tradutória inicia- se como uma atividade inata, de caráter universal, em qualquer falante bilíngüe.21 Nela são considerados aspectos como o conhecimento das línguas em operação (bilíngüe); os conhecimentos extralingüísticos, que dizem respeito ao conhecimento

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Cabe salientar que a competência bilíngüe é o conhecimento da operacionalidade necessária para a comunicação em duas línguas, é o conhecimento pragmático, sociolingüístico, léxico e gramatical. O falante de duas línguas pode tornar-se um tradutor, sendo necessário a ele adquirir a habilidade técnica para a execução da tradução e/ou interpretação.

relativo ao mundo em geral e ao âmbito particular, como o conhecimento bicultural e o enciclopédico. A competência tradutória também considera o uso da tecnologia, da informática e da comunicação aplicada à tradução como fonte de pesquisa visando garantir a eficácia da tradução. Por último, ela considera o fator psicofisiológico, que abrange a memória, a percepção, a atenção e a emoção.

A competência tradutória envolve uma complexa gama de competências, habilidades e conhecimentos que se encontram no campo da cognição, biológico e sociointeracional. A tarefa tradutória, de acordo com Gonçalves (2005), está na maximização dos efeitos contextuais e na superposição de uma língua fonte a outra língua alvo, isto é, na maximização da semelhança interpretativa. Essa idéia constitui a base da Teoria da Relevância22 de Sperber e Wilson.

Ernst-August Gutt (1991, apud Gonçalves, 2005) afirma que todas as línguas

possuem, na forma de uso, proposições que podem ter propriedades comuns. Dessa maneira, as representações mentais que compartilham dessa propriedade se assemelham. Tal processo pode ser chamado de semelhança interpretativa.

Para melhor entendermos a complexidade da atividade tradutória, sirvo-me de Corrêa (1996), que reitera a afirmativa de que o deslocamento de uma língua para outra implica na alteração das formas. As formas contrastantes, assim, exprimiriam significados que não coincidiriam, visto não existir sinônimos absolutos entre palavras da mesma língua. De tal maneira, torna-se aceita a idéia de não haver sinonímia também entre línguas diferentes. O tradutor tem, portanto, a função de buscar equivalências formais ou funcionais: ele necessitará descobrir no texto oral/ escrito/ gestual as marcas da relação entre o emissor e o receptor.

A semelhança interpretativa, enfim, está no nível funcional da língua, encontrando-se dentro de um processo que engloba implicações individuais, sociais e

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A proposta da Teoria da Relevância é baseada nas duas propriedades da comunicação humana: ser ostensiva, da parte do comunicador, e inferencial, da parte do ouvinte. Isso significa que o comunicador, ao produzir um enunciado, torna mutuamente manifesta uma intenção de alcançar efeitos cognitivos. O ouvinte, ao ser atingido pelo enunciado, manipula e constrói representações conceituais. A intenção de alcançar efeitos contextuais e o esforço do processamento implicam em diferentes graus de relevância. Para uma informação ser relevante, ela precisa combinar as suposições que o ouvinte tem sobre o mundo, originando novas crenças/suposições (ALVES, 2001).

culturais; e é nessa forma proposicional, originada de uma mesma representação semântica, que está a semelhança interpretativa de duas línguas.