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SOBRE OS PROCEDIMENTOS DE INVESTIGAÇÃO ADOTADOS

2 INTRODUÇÃO

3.3 SOBRE OS PROCEDIMENTOS DE INVESTIGAÇÃO ADOTADOS

3.3.1 A sala de aula como espaço de pesquisa

Como já foi dito anteriormente, a sala de aula investigada caracteriza-se por ser uma sala bilíngüe, inclusiva, e pertencente a uma escola pública de ensino regular da rede municipal de Belo Horizonte, Minas Gerais. A escola está situada no bairro Floresta, e tem como público alunos de classe média da região Leste da cidade, recebendo também alunos ouvintes e surdos de vários outros bairros da capital e da região metropolitana. O grupo pesquisado compõe-se de alunos surdos e ouvintes, professor e o Intérprete de Língua de Sinais que freqüentam o 3º ano do Ensino Médio, horário noturno. A idade desses estudantes (surdos/ ouvintes) varia de 20 (vinte) a 40 (quarenta) anos.

A sala de aula eleita é composta por 22 (vinte e dois) alunos ouvintes e 9 (nove) alunos surdos. O grupo de alunos surdos divide-se em 6 (seis) homens e 3 ( três) mulheres. Outro aspecto a ser considerado sobre a organização da sala de aula pesquisada é o de que não havia um lugar específico para o Intérprete de Língua de Sinais: o ILS da sala pesquisada ficava em pé, ao lado do professor, enquanto este abordava os conteúdos curriculares em atividade, ou transitando entre os surdos.

Durante o trabalho de coleta de dados os alunos ocuparam dois espaços distintos na escola como referência da sala de aula. O primeiro local designado como sala de aula foi o auditório da escola, escolha justificada pela direção por apresentar um espaço mais amplo para acolher a turma, considerada maior que as outras da escola. Num segundo momento da pesquisa, os alunos foram transferidos para uma sala de aula normal da escola. Nessa sala, de tamanho menor, o intérprete ocupava a primeira carteira da primeira fila do lado esquerdo da porta. Ressaltamos que, em ambos os lugares, esse profissional se posicionava sempre, mesmo quando sentado, de frente para os surdos. Percebia-se nitidamente a sua preocupação em ficar atento aos movimentos dos surdos por meio de seu olhar, que os acompanhava em todos os locais da sala de aula.

Por se tratar de uma sala do Ensino Médio, os alunos tinham diferentes professores para cada disciplina. A disciplina de Português, entretanto, era lecionada separadamente para os alunos ouvintes e para os alunos surdos.33

Com a proposta de conhecer as formas de interação social entre o professor, o intérprete e os alunos surdos e ouvintes em sala de aula, além das relações dialógicas que determinavam ou influenciavam na escolha lingüística do ILS durante a transposição de uma língua para outra, passei a observar, durante a permanência em sala de aula, como era estabelecido o contato entre o intérprete e os alunos (surdos/ ouvintes), entre o professor e os alunos (surdos/ ouvinte), entre os próprios alunos, entre os alunos e o professor, entre o Intérprete de Língua de Sinais e o professor. Observei também como o ILS, na atuação, proporcionava as interações dialógicas entre grupos de línguas diferentes, e como proporcionava a inserção do aluno surdo à Língua Portuguesa nas tomadas de turnos ocorridas em sala de aula na qual a fala era interpretada pelo profissional.

Esperava-se, ao se observar tais atos, o levantamento de dados que fornecessem esclarecimentos acerca das operações comunicativas e de como elas poderiam proporcionar/ levar conhecimento aos alunos, visto ser possível considerar que o ensino e a aprendizagem devam ser tratados como procedimentos interativos e diretamente relacionados à participação ativa do professor, intérprete e alunos, garantindo que o conteúdo transmitido seja requisito para o aprendizado (COOK- GUMPERZ, 1991).

3.3.2 O uso do vídeo como forma de registro da vida na sala de aula

Para o registro dos dados, usou-se uma filmadora e um caderno de campo. Com a filmadora, foi possível registrar as imagens da ação in loco e as atividades

ocorridas em sala de aula, recurso que garante retornar ao tempo para análises mais detalhadas dos eventos. Já o caderno de anotação é um instrumento que permite o

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Os alunos com surdez têm aulas de Português separadamente dos alunos ouvintes uma vez que a disciplina foca o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua. É importante destacar ainda que um instrutor surdo auxilia os alunos surdos no ensino de Língua de Sinais.

registro de situações que muitas vezes a câmera de vídeo não teve condição de capturar e o registro do espaço para que o pesquisador faça suas inferências e comentários de cenas que auxiliarão em consultas futuras.

Como a presente pesquisa teve seu espaço físico alterado por pelo menos duas vezes, analisarei algumas situações vivenciadas que demandaram também modificar a posição da câmera de vídeo: inicialmente, entrei na sala com apenas uma filmadora, porém o espaço da sala não dava condições da filmadora capturar a imagem da interação grupal. Na melhor posição encontrada, o vídeo apenas capturou a imagem do intérprete com os alunos surdos. De tal maneira,o registro dos alunos ouvintes foi feito através do áudio da câmara.

Como precisava filmar os participantes em interação e a condição lingüística dos alunos surdos, considerei como forma de interação um ato não verbal como balançar a cabeça, um sorriso, uma expressão facial que revela uma atitude de incompreensão etc., por exemplo. Adotei também o uso de duas câmeras de vídeo simultaneamente: uma filmadora ficou no final das carteiras, encostada na parede, e captava a imagem do professor, do ILS e de todos os alunos de costas; a outra câmera foi colocada ao lado da fileira dos alunos surdos, e tinha como foco as carteiras dos alunos surdos (imagem do surdo sentado na carteira).

Visando minimizar a interferência como pesquisadora, pessoa estranha no espaço coletivo, procurei sentar-me ao lado da câmera que estava no final das carteiras. Fazia as anotações nessa mesa. Porém, a cada dia, diminuía minhas anotações, pois o ILS daquela sala, na maioria das vezes, quando estava sem atividade, ficava ao meu lado, olhando para o caderno. Optei por registrar eventuais acontecimentos antes ou após a aula para deixar o profissional mais tranqüilo.

Quando houve a mudança dos alunos do auditório para a outra sala de aula, que apresentava um espaço físico menor, passei a usar apenas uma filmadora. Com essas limitações de registro, para capturar a imagem da interação dos alunos surdos com o professor, o intérprete e o restante da sala, a câmera de vídeo foi posicionada de forma contrária à fileira dos alunos surdos (junto aos alunos ouvintes). No entanto, e após o sucesso nesta escolha, não foi mais possível montá-la neste mesmo

local, pois os alunos ouvintes não assentavam em fileiras e a organização das carteiras era modificada a cada aula. Assim, a câmera de vídeo passou, portanto, a ocupar lugares diferentes nos registros realizados nas duas salas de aula, uma vez que cada espaço exigia posicionamentos diferenciados para se obter uma melhor filmagem. Além disso, a filmadora teve que ser operada manualmente, de modo que fosse possível focar situações representativas do objeto da pesquisa. Ao final de cada aula, como procedimento, passei a anotar os registros armazenados pela memória.

3.3.3 A entrevista como instrumento de complementação de dados

Juntamente aos dados coletados por imagem e ao caderno de campo, considerou-se a importância de uma entrevista semi-estruturada com os alunos surdos, com o intérprete de Libras, com o professor e com os alunos ouvintes para que fosse possível uma análise comparativa dos dados, tentando, ao mesmo tempo, contrastá-los com a perspectiva apresentadas pelos sujeitos. O roteiro dos questionamentos propostos foi o seguinte:

3.3.3.1 Intérprete de Libras

Foram levantadas informações sobre o seu perfil profissional, considerando o seu tempo de profissão; a sua formação acadêmica; como visualiza a sala de aula mista em que trabalha; como considera o papel do intérprete para a educação do surdo; quais são suas dificuldades e facilidades; a sua relação com os alunos e com o professor da disciplina - como processa suas escolhas lingüísticas de uma língua para a outra mediante a possível incompreensão dos alunos; como busca solucionar o impasse comunicativo; o que acredita ser inclusão e quais são os fatores positivos e negativos dessa inclusão; como analisa e constata o aprendizado do aluno surdo.

3.3.3.2 Professor

Foram levantados dados sobre a sua relação pedagógica com a turma inclusiva e o projeto de formação proposto pela escola, considerando ainda o que compreende como política de inclusão; os fatores positivos e negativos da sala de aula inclusiva; como planeja a aula para uma classe inclusiva; como avalia os alunos surdos e os alunos ouvintes; como é a sua relação com os alunos surdos, ouvintes e o Intérprete de Língua de Sinais; sua opinião sobre a atuação do intérprete em sala de aula; como se posiciona frente às dificuldades de compreensão do aluno surdo e do aluno ouvinte; como estabelece sua relação comunicativa com o aluno surdo.

3.3.3.3 Alunos surdos/ ouvintes

Os estudantes da turma foram questionados sobre suas compreensões a respeito dos seguintes aspectos: o que consideravam uma proposta pedagógica inclusiva; os fatores positivos e negativos identificados na proposta de inclusão; como estabeleciam contatos com os colegas que não utilizavam a mesma língua; quais atividades realizavam juntos na sala de aula; o tipo de contato estabelecido fora da escola; as diferenças e as semelhanças no papel do intérprete e o papel do professor em sala de aula; a acessibilidade da linguagem utilizada pelo professor e pelo intérprete; as formas de participação na sala de aula.34