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3 AS LIGAS ACADÊMICAS NA ÁREA DA SAÚDE: LACUNAS DO

5.5 Potencialidades e fragilidades das ligas acadêmicas na área da saúde

5.4.1 Competências adquiridas ou potencializadas a partir da participação nas ligas

No processo de formação dos discentes, as ligas contribuem também no desenvolvimento de competências, seja em relação ao lado humano, afetivas, desenvolvimento pessoal e de solidariedade, ou no lado profissional, no desenvolvimento de autonomia, proatividade, competências burocráticas, conhecimento, criatividade, ética, interprofissionalismo, liderança, postura profissional, responsabilidade, trabalho em equipe e de tomada de decisões para a soluções de problemas.

As ligas têm papel fundamental na formação dos estudantes, por proporcionarem o amadurecimento profissional, a aquisição de embasamento teórico e habilidades práticas, ampliando a consciência de seu papel social (FERREIRA; SOUZA; BOTELHO, 2016). Em pesquisa realizada por Costa, Baiotto e Garces (2013) os estudantes relataram a aquisição de várias habilidades necessárias à formação profissional pela participação em projetos de extensão.

Ao que compete no desenvolvimento de competências mais humanas, compreende-se que as ligas contribuem nas formação de profissionais mais humanizados, uma vez que promovem o contato direto com os usuários, profissionais e até mesmo com os próprios pares, possibilitando também a criação de vínculos. Esse desenvolvimento é mostrado nas falas abaixo:

“Assim, uma coisa que eu senti na minha época de acadêmica é que tudo que eu participei extra sala de aula, monitoria... projetos... movimento estudantil, todas essas vivências me formaram não só como enfermeira mas como cidadã e eu acho que a liga também auxilia isso, de formar o profissional da saúde, não simplesmente formar um enfermeiro melhor, mas um cidadão melhor” (Prof Enf I).

As ligas também possibilitam um refúgio das atividades curriculares obrigatórias, onde os acadêmicos encontram pessoas movidas por objetivos em comum que vivenciam, na maioria das vezes, os mesmos desafios da graduação e assim constroem laços afetivos fortes.

“acabou que sendo pra mim uma distração muito grande da rotina do semestre, apesar da faculdade ne, eu ganhei muitos amigos também de outros semestres, porque a maioria do pessoal que eu conheço se restringe a minha sala, eu não tenho muito contato com as outras turmas, e acabou que eu ganhei outros amigos e a gente se diverte muito na liga também” (Ligante Med IV).

Além disso, identificou-se um relato em que os membros de uma liga acadêmica cederam para o curso alguns instrumentos para serem utilizados no processo de formação dos demais discentes do cursos como forma de fortalecer o ensino da instituição, mostrando solidariedade e empatia ao contribuir com a formação dos demais.

“a gente já comprou materiais, ainda não chegou, mas já compramos, o oxímetro chegou hoje, né, é um material também pra ajudar pra instituição, né, eu acho que vai ficar no laboratório” (Prof Enf I).

“compramos material pro CCS, tipo, já foram todos encomendados... três pranchas, tirantes, head-block, pra gente colocar no laboratório... um oxímetro para LENUE, é, o oxímetro vai ficar mais nos plantões... boneco de reanimação... a gente comprou materiais que a gente precisa utilizar e que o campus também precisa” (Coord discente Enf I).

A participação em ações de extensão propicia o desenvolvimento interpessoal, a valorização do ser humano e a autonomia do próprio estudante, conforme também foi verificado neste estudo, fortalecendo ainda as relações interpessoais com base na construção de laços de afeto e de solidariedade (COSTA; BAIOTTO; GARCES, 2013).

A autonomia, a proatividade e a responsabilidade também foram competências verificadas nos relatos dos participantes deste estudo, uma vez que como já foi mencionado várias vezes neste estudo os estudantes assumem o papel de atuação ativa no desenvolvimento das diversas atividades das ligas, buscando ultrapassar a hierarquização da figura do professor, para uma aprendizagem centrada no estudante, o que lhe proporcionará tais competências que serão importantes no seu desenvolvimento pessoal e profissional. Verifica-se ainda o amadurecimento dos estudantes no decorrer de sua participação, desde o ingresso na liga.

“As ligas elas possibilitam que o aluno desenvolva muito a autonomia né. A gente se sente muito inseguro durante a graduação, porque né somente os estágios eles não possibilitam que a gente tenha muita vivência né... é pouco tempo, é só um professor.. Enfim, os plantões da liga né, por ser na prática, no hospital mesmo, ela possibilita que o ligante tenha muita autonomia, muita vivência prática e isso muitos alunos querem ter né, porque a gente sai muito inseguro da graduação” (Ligante Enf IV).

“o aluno se torna muito mais independente e mais preparado pro mercado de trabalho, eles se tornam mais autônomos, coisa que inicialmente a gente viu que quando eles entraram na liga, eles eram totalmente diferentes, hoje resolva isso que em dois tempos eles resolvem, mas no início era bem sofrido, era você ter que dizer passo a passo para que ele possa fazer, hoje em dia não, os meninos que já tão desde o ano passado, tiveram uma evolução que, dentro, acho que até dentro das disciplinas, eles conseguiram se desenvolver bem melhor” (Prof Enf IV).

“E pelo caráter da liga de dar... de deixar o aluno proativo, isso também faz ele crescer. eles são bem proativos, era uma coisa que eu até me preocupava porque no início eu ia a todas as reuniões, todas, todas, todas, e eu fiquei com medo de estar sufocando eles, assim “ah, a professora que decide tudo então”, deles ficarem passivos e eu não queria que eles ficassem passivos, eu queria que eles entendessem que a liga é deles” (Prof Enf I).

“Com certeza... é muito bom a gente aprende a se virar, a gente é a gente por a gente. Se a gente não fizer isso aqui, não tem quem consiga, jeito nenhum ou a gente corre atrás ou ninguém tenta (Coord Discente Med I).

“Você tem uma coisa que você é responsável, e também assim, nessa parte de organização né, da responsabilidade” (Prof Enf I).

“Ele acaba tendo, desde cedo, aquela responsabilidade né, de coordenar o projeto, de levar, coordenar outros alunos” (Coord Discente Enf III).

“eles se responsabilizam, eles tomam pra si, eles planejam, eles combinam com as unidades de saúde as ações, eles levam materiais, então eles marcam as agendas” (Prof Enf II).

Os estudantes que participaram do estudo desenvolvido por Smolka, Gomes e Siqueira (2014) afirmam que precisam desenvolver autonomia para construir seu conhecimento ao longo do curso de graduação, onde seja valorizado o incentivo da utilização de metodologias de ensino-aprendizagem que ultrapassem àquelas do ensino tradicional. É fundamental que os discentes se tornem autônomos do próprio aprendizado (FREIRE, 2006).

Os estudantes estão cada vez mais sentindo a necessidade de refletirem sobre sua prática, de modo a ressignificar o sentido de aprender. Ele deve ser movido a buscar o conhecimento. Ele deve sentir a necessidade de aprender.

Os estudantes aprendem ainda a lidar com as questões burocráticas e de organização da própria liga assim como dos serviços de saúde em que estão inseridos.

Essas situações que vivenciam são importantes para começarem já na graduação a fazerem relatórios e participarem de reuniões de planejamento que provavelmente irão vivenciar em seu futuro campo de atuação profissional.

“mas a gente também compreende que é muito papel para assinar, a gente nota por exemplo, eu acho né, que consultas que tem um interno, que tem um ligante são melhores, porque o médico deixa a papelada muitas vezes para eles, então ele pode tá conversando melhor com o paciente, isso a gente acaba aprendendo junto né, eu acho que realmente as ligas é que te proporcionam um contato com a comunidade por quê só ficar aqui na faculdade como é que você vai ter contado?!” (Coord Discente Med I).

“participar de liga é muita burocracia. Entregar o relatório anual do projeto que você tem que escrever tudo que aconteceu no projeto a data, com quem, tudo no papel e...todo ano tem que fazer recadastramento da liga, ela tem que ser apresentada de novo pra colegiado todo ano a gente não apresenta mais ,mas tem que ser votada de novo em colegiado então a gente tem que enviar todos os documentos de recadastramento, é gigante então” (Coord Discente Med III). “há reuniões depois burocráticas ne, para ver o andamento da própria liga, vê questões financeira e tudo, é..” (Prof Med III).

Outra competência evidenciada na fala dos entrevistados e que é perceptível pelos próprios objetivos das ligas acadêmicas que estão mais direcionados aos objetivos de aprendizagem que envolvem o tripé da formação é o conhecimento adquirido. Verifica- se ainda que além do conhecimento teórico, de conhecimento da realidade, contato com a comunidade, as vivências nas ligas possibilitam a compreensão das redes de atenção à saúde.

“Assim, as diferentes formas das pessoas verem a urgência e emergência né, a questão de atendimentos, de primeiros socorros. Às vezes eles tem algumas dúvidas que eles trazem pra gente algum conhecimento mesmo empírico deles que realmente pessoas que são leigas utilizam e que servem. A gente acaba aprendendo muito” (Ligante Enf IV).

“A questão do conhecimento mesmo, né de buscar o conhecimento para fazer o planejamento das ações” (Prof Enf III).

“a rede de urgência e emergência, hoje em dia, a gente vê que ela é muito, que ela tá em processo de construção, ela ainda tá fragmentada... a gente tá tentando sair daquele modelo hospitalocêntrico…”(Coord discente Enf I).

A própria concepção de liga acadêmica enfatiza que os estudantes se reúnem para o estudo teórico e prático de um determinado tema, com o objetivo de fortalecer conhecimentos prévios e adquirir outros, por meio do aprendizado em coletivo entre estudantes, docentes, profissionais e a comunidade (PEREIRA et al, 2016; BASTOS et al, 2012).

A criatividade também foi relatada como uma das competências. A partir das diversas situações que os estudantes vivenciam eles exercitam a criatividade e inovação. Além disso, desde a seleção é instigada essa criatividade por meio das formas de seleção em que muitas vezes os estudantes têm que apresentar algum produto educativo no momento em que estão concorrendo a uma vaga na liga.

“Mas a pessoa tem que explorar realmente a sua criatividade” (Coord Discente Med I).

“A metodologia de seleção foi, a criação de um pré-projeto né, não era bem um projeto em si, mas, era um projeto, desenvolver metodologias que pudessem ser trabalhadas nos campos de extensão” (Ligante Enf I).

“a criatividade né, que ele, o público ele vai exigir essa criatividade pra que a gente consiga manter a atenção deles durante as ações” (Prof Enf III).

A partir de atividades didáticas que estimulem a criatividade, a autoaprendizagem e o espírito crítico, busca-se preparar os estudantes para as transformações contínuas e para a dinâmica do conhecimento que irão encontrar no seu futuro espaço de trabalho, assim como o ajudará a responder às demandas sociais tanto na graduação quanto futuramente como uma forma de garantir a responsabilidade social da universidade. Para tal, exige-se a análise crítica para a decisão sobre a incorporação das inovações tecnológicas e para ultrapassar o modelo tradicional de ensino (BASTOS et al, 2012).

A ética também foi evidenciada uma vez que os estudantes vivenciam diversas situações que envolvem informações confidenciais e outras condutas éticas que são essenciais para o fazer profissional.

“situações éticas que a gente já viveu, de ter pacientes que, por exemplo, estão fechando o diagnóstico de morte encefálica, que não pode ainda falar pra família” (Prof Enf I).

“porque tem os limites éticos e não dá pra ficar aqui, a gente, o estudante demonstrando a anamnese, exame físico num politraumatizado durante uma hora” (Prof Med IV).

Finkler, Caetano e Ramos (2013) afirmam a partir de estudo realizado com estudantes de graduação sobre ética na formação em saúde que a mesma atua em duas vertentes. A ética dos deveres que estabelece o que deve ser feito, ou seja, aquela que preconiza fazer o bem, obedecendo o código de ética profissional estabelecido; e a ética que é embasada na capacidade de reflexão e autocrítica do próprio indivíduo, a partir do desenvolvimento da humanização para além da obrigação individual.

A partir do exposto, insere-se ainda que os estudantes identificaram a postura profissional, segurança e a confiança para realizar as ações necessárias ao cuidado, a tomada de decisão a partir do que foi vivenciado na realidade, com possíveis soluções que ele podem traçar para as diversas problemáticas que observam.

“eu acho que a liga, uma das contribuições também pra formação em saúde é que, eles são acadêmicos mas lá eles estão auxiliando os profissionais, né, então, essa parte de... postura profissional eles aprendem muito também, tanto é que uma das coisas que eles relatam são muito as questões profissionais, profissionais assim, de convivência com os profissionais” (Prof Enf I).

O trabalho em equipe e a interdisciplinaridade também foram destacados. Os ligantes têm a oportunidade de conviver com diversos estudantes e profissionais nos diversos serviços de saúde. Assim, vivenciam não só a questão do compartilhamento de saberes, mas relacionais, onde destaca-se que é fundamental aprender a trabalhar em coletivos, uma vez que para resolver as demandas sociais e as necessidades de saúde da população.

“eles já começam a aprender a conviver em equipe, já veem como isso é difícil. Eu vejo eles relatando essa relação com os profissionais” (Prof Enf I). “cada um vai assumindo uma parte da tarefa pra ver se a gente consegue caminhar ... então é nessa visão de integração e divisão de tarefas e tudo mais ... no final todos tem um certo nível de responsabilidade em suas tarefas a serem executadas dentro da liga” (Coord Discente Med II).

“até o período que eles são inseridos é o período que a Residência estão colocando os novos residentes, aí eles acabam realizando isso juntos” (Coord Discente Enf II).

“A Liga é uma associação que reúne estudantes de graduação em Enfermagem, Educação Física e de outros cursos da Universidade Estadual Vale do Acaraú, e docentes” (Estatuto LISCRI).

“varias pessoas também de outros cursos galera da... que é... muitos enfermeiros que trabalham essa parte do pré hospitalar né. O enfermeiro sempre se mostra super solícito com a gente” (Coord Discente Med III). “E a enfermagem e a UVA, também teve o PAFH que é outra liga foram diversas ligar que se reuniram e fizeram essa jornada de urgência e emergência” (Ligante Med IV).

“O objetivo da LIPSA pelo menos era justamente capacitar esses acadêmicos que passaram pelo processo seletivo, pra quando eles se formarem eles terem uma noção de como atuar na equipe multiprofissional” (Coord Discente Enf IV).

“uma das ações de extensão que a gente tem tido parceria com outros projetos de extensão de outros cursos como o curso da matemática né que não tem nada haver mas eles como já tem experiência em gravação de vídeo eles tem dado um apoio muito grande ai cada mês a gente faz um ou dois vídeos sobre a

temática que é discutida naquele mês, já teve o suicídio, teve um pra apresentação da liga mesmo os últimos foi... a gente ta vivenciando a questão da... das problemáticas enfrentadas pela enfermagem então eles tem feito também…” (Prof Enf III).

Em estudo realizado por Costa, Baiotto e Garces (2013) estudantes relataram que a partir de atividades em coletivo aprenderam a trabalhar em equipes de forma a valorizar o trabalho de todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, e isso os possibilitou saber se expressar, saber ouvir e respeitar a fala do outro e também conviver com os seus pares.

As ligas acadêmicas surgem então como uma forma alternativa e inovadora de fomentar o trabalho em equipe com diversas categorias profissionais, por meio da integração e compartilhamento de experiências com estudantes das diversas graduações, com os diversos profissionais e com professores (BASTOS et al, 2012).

A troca de experiências a partir dessa convivência alcança o objetivo da formação de estudantes que saibam reconhecer a importância e efetivar a interdisciplinaridade, contribuindo para a (re)construção de saberes coletivos, para a tomada de decisões conjuntas, para a melhoria dos relacionamentos interpessoais e para o desenvolvimento de habilidades como a responsabilidade e a cooperação (COSTA; BAIOTTO; GARCES, 2013).

A competência liderança foi verificada na fala dos entrevistados quando se referiam ao coordenador geral ou presidente das ligas. Tal fato se deve às próprias atribuições que esse membro deve ter de conduzir e realizar diversas tarefas nas ligas que demandar domínios de facilitar e orientar, e além do mais de fazer junto, em coletivo, precisando ainda muitas vezes lidar com conflitos.

“o presidente da liga dentro da liga ele aprende muito porque tem muitas situações pra resolver. Assim, e... a dificuldade da vida, da vida adulta são as coisas que você tem que decidir, e quem tá a frente da liga, o coordenador e o presidente, nós temos muitas coisas a decidir, isso se torna mais difícil né, mas é uma dificuldade que faz você crescer. Eu... eu... acaba que a gente se aproxima mais com os presidentes, né? E eu conversando com eles, vendo as angústias deles, mas depois que passa eles “professora, como eu aprendi”, porque o resto da sua vida você tem que aprender a lidar com conflitos, aí vem o gerenciamento de conflitos né. Eles aprendem por estar na liga e dependendo do papel deles na liga eles aprendem mais ainda” (Prof Enf I).

“até entender também qual a sua principal função, o que eu devo fazer, como eu devo atuar, o que eu devo ir atrás, que são basicamente as minhas dificuldades esse ano, depois que eu fui pra presidência, aí eu me encontro um pouco perdida, aí eu recorro ao antigo presidente”(Coord Discente Enf II).

“assim eu só como presidente, porque assim todas as atividades são coordenadas por mim né, todas elas inclusive escala, tudo sou eu que coordeno ,então eu participo de todas as atividades” (Coord Discente Med III).

“A questão da presidência a gente realiza muita questão de viabilizar esses contatos ... saber também delegar algumas atividades porque se não sobrecarrega realmente ... então a gente pede ... ó tô precisando da tua ajuda ... você pode fazer isso e acompanhar também essas atividades que tão acontecendo né ... junto com o pessoal sempre fazer questões que possam …” (Coord Discente Med II).

A liderança precisa ser pautada no diálogo com todos os atores envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, a partir da ação-reflexão-ação (FREIRE, 2003; GALLI; BRAGA, 2017), buscando promover a (trans)formação do cuidado em saúde.

5.4.2 Dificuldades encontradas no desenvolvimento das atividades das ligas