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3 DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS EM DIVERSIDADE: UMA

3.2 COMPETÊNCIAS EM DIVERSIDADE: UM PROCESSO EM

3.2.1 Competências: conceitos e abordagens

A palavra competência tem sido empregada de maneira ampla pelas organizações. No senso comum, o termo é utilizado para se referir a qualificação de uma pessoa.

No contexto organizacional, competência é uma palavra revestida de vários significados. Está associada tanto às pessoas, em termos de seus conhecimentos habilidades e atitudes, como aos resultados esperados pelo cargo.

As palavras competence (áreas de trabalho em que a pessoa é competente) e competency (dimensões do comportamento que estão por trás do desempenho competente) são diferenciadas por alguns autores na língua inglesa (FLEURY e FLEURY, 2001; ANTONELLO, 2001).

Quando a ênfase recai sobre a pessoa e seus processos intrínsecos, a visão de diferencial de competence e competency se torna fator relevante (ANTONELLO, 2001). O quadro 6 sintetiza e caracteriza as duas abordagens. No entanto, Le Deist e Winterton (2005) alertam para o fato de que em grande parte da literatura sobre competências, os termos competence, competencies ou competency acabam sendo utilizados indistintamente.

Quadro 6 – Comparação entre competency e competence

COMPETENCY COMPETENCE

ORIGEM Estados Unidos Inglaterra

NOÇÃO Conjunto de conhecimentos, habilidades e

atitudes Resultados, produtos

ABORDAGEM Soft Hard

PROPÓSITO Identificar desempenhos superiores

(processo educacional)

Identificar padrões mínimos (desempenho no trabalho)

FOCO A pessoa (características pessoais) O cargo (expectativas ligadas à função)

ÊNFASE Características pessoais and development of competency) (input, learning Tarefas e resultadosperformance) (output, workplace, PÚBLICO-

ALVO Gerentes Nível operacional

Fonte: Antonello (2001, p. 34).

Dentre as definições mais conhecidas destacam-se a de Parry (1996) e Boyatzis (1982), cuja visão sobre competência é mais instrumental e racional, e Zarifian (2001, 2003) e Le Boterf (2003), para quem a competência tem relação com o processo de mobilização dos saberes do indivíduo e o significado que atribuem às suas tarefas.

Boyatzis (1982) define competências em termos de comportamentos observáveis que determinam o resultado da organização. Segundo o autor, para que exista uma performance efetiva no trabalho, se faz necessária a definição dos resultados específicos e as ações que levem a obtê-los em consonância com as políticas, procedimentos e condições do ambiente organizacional.

Parry (1996, p. 50) compreende a competência como um “conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que afetam a maior parte do trabalho de uma pessoa, se relaciona com o desempenho no trabalho, pode ser mensurado segundo padrões pré-estabelecidos, e pode ser desenvolvido por meio de treinamento”.

Para Fleury e Fleury (2001), embora este conceito seja facilmente operacionalizável pelas organizações, o foco no conjunto de tarefas prescritas para um cargo é limitante, visto que o conceito de competência deve ser entendido no contexto das transformações do mundo do trabalho, sejam elas no âmbito organizacional ou social.

De maneira complementar, Dutra (2001) observa que à medida que os cargos deixam de ser elementos diferenciadores por si só, ou seja, pela descrição das funções e as atividades exercidas pelas pessoas, o contexto atual pede que a complexidade das novas atribuições e responsabilidades sejam traduzidas nas expectativas de entrega para cada cargo. A escala crescente de complexidade permite identificar, de maneira mais consciente, o quanto uma

pessoa é competente, dada sua capacidade de abstração em uma determinada situação ou contexto de trabalho.

Se contrapondo a abordagem estreita da visão racionalista, Zarifian (2001) e Le Boterf (2003) compreendem a competência de maneira mais ampla, tendo em vista que, para os autores, este conceito deve estar associado ao conceito de entrega, ou seja, a capacidade da pessoa produzir resultados que representem valor agregado, independente do cargo que ocupam, pensamento compartilhado por Fleury e Fleury (2001, p. 21), para quem. competência é definida como “um saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos, habilidades, que agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo”.

Para Zarifian (2003, p. 37-39), a competência é uma nova forma de qualificação, uma nova maneira de qualificar. Não se trata da qualificação como “um modo histórico particular e sempre dominante: o da qualificação pelo posto de trabalho”, e sim de uma maneira nova: “a construção da qualificação”.

Para o autor, a competência é a colocação de recursos em ação em uma situação prática. Não são somente aqueles recursos que um indivíduo possui ou adquire, mas aqueles que o indivíduo sabe como colocar em ação. A competência é a iniciativa sob a condição de autonomia, que supõe a mobilização de dois tipos de recursos: os recursos internos pessoais (adquiridos, solicitados e desenvolvidos pelos indivíduos em dada situação) e os coletivos (trazidos e colocados à disposição pelas organizações). Trata-se, portanto, da faculdade de mobilizar redes de atores ao redor das mesmas situações, de compartilhar desafios, tomar iniciativa e assumir áreas de responsabilidade. A competência é do indivíduo e se manifesta e é avaliada quando é utilizada em uma situação profissional.

Na perspectiva do autor evento, comunicação e serviços são três conceitos que explicam as mutações essenciais no conteúdo do trabalho e suas implicações no conceito de competência. A atividade humana se reposiciona em confronto com os eventos, sejam eles ocorrências parcialmente imprevistas ou inesperadas ou ainda novos problemas, que exigem uma interpretação ativa e pertinente, bem como atividade reflexiva posterior. Nesse sentido, trabalhar com competência é ter uma inteligência prática das situações que, apoiando-se em conhecimentos adquiridos, os transforma à medida que a diversidade das situações aumenta. “O trabalho é uma ação competente do indivíduo diante de uma situação ou evento” (ZARIFIAN, 2003, p. 42).

Zarifian (2001) enfatiza a essência da organização do trabalho, relegando a prescrição a um segundo plano à medida que abre espaço para a autonomia e a automobilização do

indivíduo. Segundo o autor (op.cit., p. 68), “A competência é o “tomar iniciativa” e o “assumir responsabilidade” do indivíduo diante de situações profissionais com as quais se depara.”.

A compreensão da dimensão de cada uma dessas palavras é relevante:

1) Assumir: a competência resulta de um procedimento pessoal do individuo que aceita assumir responsabilidade por uma situação de trabalho. Isso significa ser o indivíduo o sujeito de suas ações, tornando-se o seu envolvimento essencial e inevitável.

2) Tomar iniciativa: a iniciativa pode aparecer em duas situações. A primeira leva o indivíduo a avaliar e escolher, dentro de seu repertório ações aquela que é a mais adequada a um determinado contexto. A segunda situação, considerada como mais importante nos dias de hoje criar uma resposta adequada para enfrentar o evento com êxito. O ser humano, portanto, não é considerado um “robô aplicativo”, que reproduz comportamentos. Antes, é visto como um ser criativo, que produz mediante sua capacidade imaginativa que o habilita a abordar o singular e o imprevisto.

3) Assumir responsabilidade: muito mais do que cumprir simplesmente suas atribuições, o indivíduo assume a responsabilidade pela avaliação da situação, pela iniciativa que ela pode requerer e pelas suas conseqüências. “A responsabilidade é a contrapartida da autonomia e da tomada de decisão.” (ZARIFIAN, 2001, p. 70).

4) Entendimento prático: o autor não se refere apenas à dimensão cognitiva, mas à dimensão compreensiva, que é mais sutil e mais difícil de ser formalizada, visto que envolve saber avaliar uma situação levando em conta o comportamento de todos os elementos nela envolvidos, sejam eles recursos materiais ou humanos.

5) Se apoiar em conhecimentos adquiridos: conhecimentos devem ser mobilizados, utilizados e questionados em função do entendimento da situação. Uma competência não é exercida sem a existência desse processo e a manutenção da competência exige que o indivíduo esteja aberto para questionar o que já sabe e aprender algo.

6) Os transforma: os conhecimentos devem ser modificados mediante o contato que o individuo faz com problemas e implicações da situação real. Isso somente é possível quando a situação é amplamente explorada, envolvendo o entendimento do que se pode aprender a partir dela.

7) Quanto maior a diversidade das situações, mais intensamente são modificados os conhecimentos: situações que desestabilizem os esquemas cognitivos das pessoas permitem que elas estejam abertas ao novo. Esse processo, contudo, depende do grau

de entendimento da situação, de maneira a evitar o que o autor chama de “embrutecimento” e a dificuldade de trabalhar com esse novo aprendizado.

8) Mobilizar redes de atores: as competências de um indivíduo normalmente não são suficientes em situações de maior complexidade, o que significa que esse indivíduo deve ser capaz de buscar uma ação solidária, buscar as competências de outras pessoas e saber como associá-las em função do que a situação exige.

Fica evidenciada a importância da comunicação e seu impacto no sucesso das ações envolvidas no desenvolvimento do trabalho. Zarifian (2001, 2003) observa que a comunicação compreende o entendimento dos problemas e obrigações dos outros, o entendimento de si mesmo, o consenso sobre objetivos e regras para alcançá-los e o compartilhamento igualitário da informação. A qualidade das interações é fundamental para o desempenho, e não pode ser assegurada nem pela simples coordenação automática das operações, nem pela simples disponibilização das informações, já que se trata de gerenciar ações recíprocas, que modificam a ação do outro e que resultam em um serviço de qualidade a um cliente ou usuário.

Neste cenário, trabalhar significa a aplicação concreta de uma competência individual, a inserção em processos de socialização e a colocação de um conjunto de competências individuais em comunicação e em situação de colaboração conjunta (ZARIFIAN, 2001).

A abordagem de Le Boterf (2003, p. 267) coloca o indivíduo como o construtor de suas competências: ao afirmar que “Competência é assumir responsabilidades frente a situações de trabalho complexas buscando lidar com eventos inéditos, surpreendentes, de natureza singular”. Essa construção é resultado da combinação de recursos que inclui o esquema operatório – a ‘forma de fazer’ própria de cada pessoa - e os resultados, que se avaliam a partir da ação.

A complexidade do trabalho cria novas situações que devem ser administradas. Essa administração pressupõe, para o autor:

a) saber agir com pertinência: envolver-se no trabalho é ir além das prescrições, saber não apenas fazer, mas saber o que fazer. Isso significa que diante das situações o profissional deve saber tomar iniciativas e decisões, negociar e arbitrar, fazer escolhas, assumir riscos, reagir às contingências, inovar no dia-a-dia e assumir responsabilidades. Significa não apenas tratar um incidente, mas saber antecipá-lo; b) saber mobilizar em um contexto: não basta possuir conhecimentos ou habilidades para

ser um profissional competente. É preciso saber mobilizá-los em um contexto profissional, uma vez que a competência se realiza na ação. Mobilizar competências se

dá pela pressão externa do contexto e pela imposição subjetiva que o indivíduo atribui a si mesmo. Envolve não apenas trabalhar os seus próprios recursos (saberes, habilidades e qualidade), mas também os recursos de sua rede de relacionamento; c) saber combinar: o indivíduo deve ser capaz de selecionar os elementos de seu

repertorio de recursos, organizá-los e usá-los em uma atividade. “Saber mobilizar passa pelo saber combinar e pelo saber transformar” (LE BOTERF, 2003, p. 69); d) saber transpor: o profissional não deve estar limitado à reprodução de tarefas, deve

saber transpor seus saberes para novas situações e contextos;

e) saber aprender e saber aprender a aprender: o indivíduo deve saber tirar lições das experiências e transformar essas experiências em ação, de maneira a fazer de sua prática uma forma de aprendizagem. Este saber está associado à aprendizagem de duplo circuito de Argyris, uma vez que leva os indivíduos a corrigirem o erro detectado (ação) e a revisarem os valores inerentes à teoria que serviu de modelo para aquela ação; e

f) saber envolver-se: saber e poder agir estão diretamente relacionados ao querer agir. Esse envolvimento reconhece a possibilidade de erro e a capacidade de assumir riscos. Zarifian (2001, p. 84) observa que “(...) Existe uma relação profunda, muitas vezes desconhecida da chefia, entre a dimensão moral do assumir responsabilidade e o sentido que o indivíduo pode dar ao seu trabalho”, aspecto fundamental para o verdadeiro assumir. O autor destaca ainda, que cada indivíduo pode dar um sentido particular ao seu trabalho em função da relação que o mesmo estabelece entre as suas ações e o sistema de valores que orientam esses atos. Valores estes aos quais o indivíduo adere por convicção e que podem ser compartilhados com outros membros do grupo de trabalho.

Embora Zarifian (2001) ressalte que valores somente podem influenciar atividades por um longo período de tempo se forem convergentes as com características que culminam na eficiência produtiva, não se pode deixar de reconhecer que valores influenciam a motivação dos indivíduos e os resultados auferidos em uma determinada atividade.

A importância dos valores também é identificada no trabalho desenvolvido por Cheetham e Chivers (1996) sobre um modelo holístico de competências. Segundo os autores, ética e valores são componentes fundamentais para o desempenho profissional eficaz, uma vez que direcionam todas as atividades e definem decisões e ações apropriadas no contexto do trabalho.

Os autores reputam como fundamental a contribuição dos julgamentos éticos para o desempenho profissional, devendo, portanto, serem explicitados em qualquer modelo de

competências. Desta forma, os autores desenvolveram um modelo holístico, formado por cinco conjuntos de competências inter-relacionadas: a) cognitivas: posse do conhecimento apropriado relativo ao trabalho e a habilidade de mobilizar esse conhecimento; b) funcionais: habilidade para executar tarefas de maneira a produzir resultados específicos; c) comportamentais: habilidade de adotar comportamentos apropriados, observáveis em situações relativas ao trabalho; d) valores/éticas: posse de valores pessoais e profissionais apropriados e a habilidade para realizar julgamentos sensatos. Refere-se à aplicação efetiva e apropriada de valores em contextos profissionais, e) meta-competências: competências que ajudam a desenvolver outras competências, como por exemplo, autodesenvolvimento, ou são capazes de aumentar ou mediar qualquer outra competência dos demais componentes.

A figura 2 exemplifica o modelo de competências profissionais desenvolvido por Cheetham e Chivers (1996)

Figura 2 – Modelo de competências profissionais Fonte: Cheetham e Chivers (1996, p. 27)

Um aspecto fundamental apontado por Cheetham e Chivers (1996) se relaciona ao fato de que os resultados alcançados devem levar o profissional à reflexão, de maneira que ela

possa pensar sobre como esses resultados foram alcançados, quais competências foram utilizadas, de que forma e com qual amplitude elas foram usadas e como esse resultado pode ser melhorado.

Tal pensamento é convergente com os argumentos de Zarifian (2001) e Le Boterf (2003), para quem conhecimento e habilidade, por si só, não configuram uma competência nem qualificam uma pessoa como competente, abordagem compartilhada por Fleury e Fleury (2001) e Dutra (2001). Conhecimentos e know-how somente são considerados competências quando são comunicados e trocados e geram valor agregado para e organização e para o indivíduo.

Assim, competência é sinônimo de ação, não se restringe a aquisição de determinados atributos, mas se constrói na interação do sujeito com seu entorno. Nesta linha, Sandberg (2000), propõe um outro modelo para se entender competências, cuja contribuição é detalhada a seguir.