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2 DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO: ASPECTOS CONCEITUAIS

2.3 A INCLUSÃO E AS REDES DE RELACIONAMENTO

2.3.1 Os estudos da Identidade: Teoria da Identidade Social (TIS) e Teoria da

A identidade constitui uma tentativa de explicação do conceito do self. A construção da própria identidade implica encontrar uma relação equilibrada entre aquilo que se é e o que os outros esperam que nós sejamos. Mesmo que em cada pessoa tenha um senso de

individualidade, a construção do autoconceito é inseparável do outro. Dessa forma, as experiências de socialização têm um importante papel na construção da identidade (MACHADO, 2003).

A identidade de um grupo repousa sobre uma representação social construída. A representação social, para Moscovici (1981), é um conjunto de conhecimentos originados na vida cotidiana, cuja finalidade é comunicar, estabelecer relações entre grupos sociais e dar sentido ao comportamento, de maneira a tornar as relações estáveis e eficazes.

As representações sociais ajudam a decodificar a vida cotidiana, uma vez que permitem atribuir a toda figura um sentido e a todo sentido uma figura. Assim, pode-se dizer que o processo de representação possibilita a comunicação entre os indivíduos de um grupo social, uma vez que leva ao compartilhamento da visão, das idéias e das imagens sobre a realidade que os cerca, e que estão vinculadas às suas práticas sociais.

Em relação à inclusão das PcDs na organização, a representação que gestores e demais indivíduos que nela trabalham fazem da PcD definem a maneira como as relações são estabelecidas, ao mesmo tempo em que dão sentido às experiências vivenciadas. A representação dada para a deficiência pela PcD e pelo gestor interferem em sua maneira de tratar com esse universo, e determinam as relações entre ambos e entre a PcD e o grupo de trabalho na qual está inserida.

Autoconceito e comportamento grupal são conceitos dinamicamente inter- relacionados, cuja compreensão é fundamental para o entendimento tanto das percepções de compartilhar e de pertencer a um ou mais grupos como dos comportamentos oriundos dessas percepções, o que torna necessário discorrer sobre duas abordagens dos estudos de identidade: a Teoria de Identidade Social (TIS) e a Teoria da Auto-Categorização (TAC).

A identidade pode ser entendida pelo seu contexto social, formação de grupos de identidade, grupos organizacionais e aspectos demográficos dentre outros, permitindo a realização de estudos que trabalhem diversos níveis de análise em função da dimensão escolhida. Identidade é construída socialmente e não inata. Uma visão da construção social enfatiza o entendimento do processo por meio do qual as distinções de identidade emergem e se tornam visíveis aos indivíduos e grupos nas organizações (WHARTON, 1992, apud NKOMO e COX, 1998).

A Teoria da Identidade Social (TIS), desenvolvida por Henri Tajfel (1972) procura explicar as relações entre grupos a partir da perspectiva dos próprios grupos. A identidade social compreende a parte de autoconceito do indivíduo que deriva do reconhecimento de pertencer a um grupo social, associado ao significado emocional e de valor ligado àquela

filiação (HOOG e TERRY, 2000). O autoconceito abrange características idiossincráticas, como atributos físicos, habilidades, traços de personalidade, interesses, etc (ASHFORTH e MAEL, 1989).

A identidade social se refere às classificações salientes do grupo (ASHFORTH e MAEL, 1989). A formação da identidade social está relacionada a processos cognitivos de busca de compreensão do ambiente. Ao organizar seu ambiente, o indivíduo formula um esquema classificatório, ou seja, separa objetos ou pessoas com base em uma ou mais características comuns. É um processo social dinâmico, que se constrói por semelhança e oposição. Os indivíduos tendem a perceber a si mesmos e aos outros em termos de sua filiação de grupo, vendo a si como semelhantes aos membros do endogrupo (ou estes como semelhantes a si próprios) e como diferentes dos membros do exogrupo.

Nesta perspectiva, a percepção social é vista a partir da maneira como o indivíduo se conceitua dentro de um contexto intergrupal e pela maneira como um sistema de categorização social cria e define o lugar de cada pessoa na sociedade. Segundo Ashforth e Mael (1989) essa classificação social atende duas funções: segmentar e ordenar o ambiente social através da sistematização de significados utilizados para definir os outros e capacitar o indivíduo a se localizar, definir a si mesmo e aos outros em um ambiente social.

A existência da comparação é uma condição necessária para o surgimento da categorização. De acordo com Hoog e Terry (2000, p. 125):

Categorias podem ser acessíveis porque elas são valiosas, importantes e frequentemente empregadas como aspectos do autoconceito (isto e, acessibilidade constante) e/ou porque elas são perceptualmente salientes (acessibilidade situacional). Categorias ajustam o campo social porque respondem por semelhanças e diferenças entre pessoas situacionalmente pertinentes.

Segundo Tajfel (1982), um dos fenômenos associados à categorização é o efeito da acentuação social das similaridades de dentro da própria categoria e das diferenças das demais categorias, que se baseia em uma hipótese que considera duas funções: a) função cognitiva, que enfatiza as semelhanças ou diferenças entre pessoas ou objetos pertencentes a uma mesma categoria; e b) função de valor, que enfatiza ainda mais a relevância dessas mesmas similaridades e diferenças associadas aos valores diferenciais subjetivos empregados nas categorias sociais.

O autor ressalta, contudo, que a acentuação social de similaridades na intracategoria não é um fenômeno simétrico, que pode ser aplicado de maneira uniforme para o endogrupo e para o exogrupo, visto que umas das principais características do comportamento e atitude

grupal é uma tendência dos membros do endogrupo perceberem os membros do exogrupo de uma maneira relativamente uniforme, como um “item indiferenciado em uma categoria social unificada”, um fenômeno denominado pelo autor de despersonalização e desumanização que aparece, sobretudo, em momentos de tensão intensa. (TAJFEL, 1982, p.21).

De acordo com o autor, embora as funções cognitivas e de valor da acentuação social sejam a base para o entendimento das predisposições nas atitudes e estereótipos no intergrupo, elas não conseguem esclarecer os conteúdos das concepções recíprocas dos grupos, uma vez que essas concepções são desenvolvidas em um contexto histórico-social e transmitidas de maneira amplamente compartilhadas entre cada membro do grupo por meio de uma variedade de canais de influência social.

A afiliação a um grupo representa para o indivíduo a possibilidade de reduzir a incerteza subjetiva (HOGG e TERRY, 2000), uma vez que o significado emocional implícito na relação indivíduo/grupo é um estimulo afetivo à medida que a pessoa se sente parte integrante do grupo. Além do sentimento de pertencer, a autopercepção como membro do grupo compõe a base para a identificação social, que possibilita uma orientação para a ação compatível com a sua participação no grupo.

Ashforth e Mael (1989) consideram a existência de três conseqüências gerais de identificação de grupo que são relevantes para o comportamento e resultados organizacionais: a) os indivíduos tendem a escolher atividades e instituições que sejam compatíveis com suas identificações mais evidentes; b) a coesão e a interação intragrupal é afetada pela identificação; e c) a identificação reforça a fixação ao grupo e aos seus valores, aumentando a competição com os grupos externos.

Nkomo e Cox (1999, p. 339) observam que as duas últimas conseqüências sugerem que a “a existência da diversidade na identificação do grupo pode levar a alguma dificuldade nas relações entre as pessoas de identidade de grupos diferentes”. Para os autores, uma vez que a identidade com os subgrupos preceder a identidade organizacional comum, as habilidades das pessoas trabalharem em equipes com identidades diversas pode ser prejudicada pelas conseqüências da identificação com o grupo.

Uma qualidade da TIS está relacionada a entender as relações entre grupos a partir da visão dos próprios grupos (TORRES e PÉREZ-NEBRA, 2004). Considera-se que a TIS tem uma importante contribuição nos estudos relacionados à diversidade: a noção de que as pessoas têm um repertório de comportamento representativo ao grupo ao qual pertencem que varia em função da importância relativa de uma determinada identidade social que é assumida pelos indivíduos do grupo (NKOMO e COX, 1999; HOOG e TERRY, 2000). Neste sentido,

pode-se afirmar que a categorização das pessoas em grupos resulta em relações intergrupais que, por sua vez, definem os comportamentos sociais.

Resumidamente, a identidade social se alicerça sob determinadas categorias como, por exemplo, etnia, raça, gênero, classe social, pessoas com deficiências, idade, escolaridade, entre outras. Unidos sob o mesmo fundamento, os indivíduos procuram sua contextualização no tempo e no espaço, buscando fortalecer suas identidades.

Turner e colaboradores expandiram a TIS mediante o desenvolvimento da Teoria da Auto-Categorização (TAC), que especifica a operação do processo de categorização social como a base cognitiva do comportamento grupal, uma vez que as pessoas derivam, em graus variados, parte de suas identidades e autoconceito das organizações e grupos de trabalho aos quais pertencem. (HOOG e TERRY, 2000).

A TAC sugere que o senso subjetivo de self de uma pessoa – quem ela pensa que é – pode ser definido em função de níveis de abstração. Haslam, Powel e Turner (2000) destacam dois deles: o nível que se refere à definição do indivíduo em termos da identidade social que é compartilhada com os outros membros do grupo ao qual pertence; e o nível que define um indivíduo em termos da identidade pessoal que o torna uma pessoa singular dentro do seu grupo.

A noção de protótipo é central na TAC. Uma vez que os protótipos encarnam todos os atributos que caracterizam um grupo e o distingue de todos os demais, eles maximizam semelhanças dentro das diferenças entre grupos em um processo denominado meta contraste (HOOG e TERRY, 2000).

Categorias mais salientes se tornam predominantes cognitivamente na autopercepção do indivíduo, impactando tanto na sua percepção quanto no seu comportamento. A relevância de uma categoria é determinada pela interação de sua acessibilidade (facilidade de ativação cognitiva) e seu ajustamento (correlação entre o estímulo com uma ou mais categorias). De acordo com a TAC a relevância de uma categoria não é fixa, variando de acordo com o quadro de referência (HASLAM, POWELL e TURNER, 2000). Sendo dependentes do contexto, os protótipos são construídos, mantidos e modificados pela interatividade social imediata ou mais duradoura, e especialmente influenciados pelo grau de saliência do extragrupo (HOOG e TERRY, 2000).

A TAC sustenta a suposição de que a identidade social compartilhada despersonaliza a autopercepção e a ação individual, uma vez que o indivíduo assume, cognitivamente, o modelo do endogrupo. “Esta transformação do self é um processo subjacente aos fenômenos grupais, porque influencia a autopercepção e comportamento de acordo com o contexto

relevante do protótipo do grupo.” Este processo produz comportamento normativo, estereotipias, etnocentrismo, atitudes positivas de coesão do endogrupo, cooperação e altruísmo, influência emocional e empatia, comportamento coletivo, normas compartilhadas e influência mútua (HOOG e TERRY, 2000, p. 123).

Para Turner, a despersonalização está ligada a um processo de auto-estereotipia, no qual a pessoa se percebe mais como um elemento intercambiável da categoria social do que como uma personalidade única, definida pelas suas diferenças individuais. Contudo, o processo de despersonalização não é considerado um conceito negativo, referindo-se apenas a uma mudança no autoconceito e a base de percepção dos outros (HOOG e TERRY, 2000).

Independente das suas diferenças, tanto a TIS como a TAC compartilham da hipótese de que os indivíduos se autodefinem em função da sua afiliação com grupos aos quais pertencem e que as autopercepções definidas pelos seus próprios grupos geram efeitos significativos nos comportamentos sociais, tais como grau de integração, coesão, relacionamentos e consenso.