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4. ANÁLISE DOS DADOS

4.3 Complementos de verbos de cognição

4.3.3 Complemento zero

Ao apresentarmos o objeto direto e o complemento relativo como complementos dos verbos de cognição, já abordamos os casos em que eles não são explicitados e, assim, são identificados como ODZERO e CRZERO.

Nesta seção, expomos uma situação particular, na qual o complemento do verbo de cognição, previsto pela estrutura semântica do verbo, não é expresso e, embora possa ter seu conteúdo recuperado, não permite recuperar sua forma. Por essa razão, parece-nos razoável não o classificar como ODZERO

ou CRZERO, já que não há como constatar se o complemento seria ou não

antecedido de preposição, mas designá-lo pela denominação mais genérica de complemento zero (CZERO).

Cabe-nos esclarecer que o CZERO não é um novo tipo de complemento,

mas uma denominação aqui adotada para identificar esses casos de indefinição da forma do complemento que não é explicitado. Se essa indefinição fosse

resolvida, tal complemento seria naturalmente classificado como ODZERO ou

CRZERO. Há 35 ocorrências de CZERO em nosso corpus, o que representa 10,4%

dos dados analisados.

O CZERO ocorre devido a especificidades do VCOG a que ele se relaciona.

Nos dados de nossa pesquisa, quatro verbos apresentam esse complemento indefinido: acreditar, pensar, lembrar e esquecer.

No caso dos dois primeiros, temos a situação em que o mesmo verbo, empregado com o mesmo sentido, recebe um complemento do tipo CR se este tiver a forma de um SPrep ou do tipo OD se for representado por uma oração, como podemos verificar nas amostras transcritas de (161) a (164).

(161) ... aí foi falar né? pro ... pro dito cujo ... aí ... ele pegou e acreditou no amigo ... era um amigo de vários anos de amizade ... num ia ... realmente ele num ia ... é:: duvidar ... né? (Narrativa recontada, oral, p. 113)

(162) ... e ela já tava pensando em outra coisa ... que ele tava ... querendo ela pra ... o que os outros queria ... uma prostituta ... (Narrativa recontada, oral, p. 108) (163) ... quando eu cheguei que minha mãe me disse eu não acreditei ... que ela

tinha morrido ... sabe? (Relato de opinião, oral, p. 115)

(164) ... teve o vestibular bíblico e Júnior tinha ganho ... e Júnior é da minha igreja ... né ... aí ... eu pensei que era júnior ... (Narrativa de experiência pessoal, oral, p. 81)

Em (161) e (162), os verbos acreditar e pensar têm como complemento um SPrep: respectivamente, no amigo e em outra coisa, os quais são CR. Em (163) e (164), os mesmos verbos são utilizados com um complemento oracional não preposicionado, portanto um OD: que ela tinha morrido e que era júnior, respectivamente.

Devido a esse comportamento identificado nas instanciações com os verbos acreditar e pensar, não há como precisar, nas ocorrências em que o complemento não é explicitado, qual das duas formas ele tomaria, embora seja possível recuperar o conteúdo atribuído ao complemento. Observemos os dados (165) e (166).

(165) ... aí eu disse ... “fiquei com outra pessoa” ... aí ele fez ... “eu não acredito” ... ficou branco ... sabe? (Narrativa de experiência pessoal, oral, p. 106)

(166) ... você num vai intimidar ele dizendo que ele vai morrer ... ele num pensa na hora de matar ... (Relato de opinião, oral, p. 99)

Em (165), é possível compreender em que o sujeito (eu) não acredita, mas, se fosse explicitado, o complemento poderia ser expresso, por exemplo, como que você ficou com outra pessoa ou no que você disse ou nisso. De modo semelhante, em (166), o complemento de pensar poderia ser representado por

que vai morrer, nisso ou em nada, por exemplo. Assim, constatamos que o

complemento tanto poderia assumir a forma de um OD quanto de um CR (neste caso, precedido da preposição em). Por essa imprecisão, os complementos não explícitos dos verbos acreditar e pensar não estão contabilizados como ODZERO

nem como CRZERO, mas como CZERO.

Com os verbos lembrar e esquecer, sabemos que o complemento não oracional é utilizado indistintamente com ou sem a antecedência de uma preposição, portanto ora figura como CR, ora como OD. Já o complemento oracional assume quase sempre a forma de um OD, a menos que seja uma oração reduzida de infinitivo, a qual, precedida de preposição, atua como um CR. É o que ilustramos com os dados de (153) a (156), que apresentam o verbo

lembrar, e (157), com esquecer, os quais foram comentados na seção anterior.

As amostras a seguir complementam a exemplificação.

(167) ... porque as pessoas ... na verdade ... tão muito preocupadas em religião né ... nessa palavrinha ou em outras seitas sei lá ... mas na verdade esquecem o principal disso tudo que é Jesus Cristo ... né ... (Relato de opinião, oral, p. 137)

(168) ... eu num esperava aquela homenagem não ... mas foi interessante e até hoje

eu num esqueço ... né ... da homenagem que o pessoal fez lá para mim ...

(Narrativa de experiência pessoal, oral, p. 82)

Em (167), o verbo esquecer tem como complemento um SN; em (168), um SPrep. No primeiro caso, o complemento é um OD (o principal); no segundo, temos um CR (da homenagem), já que identificamos a preposição de.

Sendo assim, quando o complemento dos verbos lembrar ou esquecer é omitido, não há como determinar se ele é um OD ou um CR, daí identificarmos, também neste caso, o complemento não expresso como CZERO. É o que temos

em (169) e (170).

(169) um filme que eu vi ... que eu gostei muito ... mas ... me lembro poucas coisas ... sabe? num lembro assim totalmente ... só as coisa mais importante ... (Narrativa recontada, oral, p. 108)

(170) ... você nunca realmente teve uma experiência assim com Jesus ... de quem ele é ... o que é que ele pode fazer na sua vida ... ou então se você ... se você já teve ... você esqueceu... você ... deixou aquilo de lado ... (Relato de opinião, oral, p. 138)

Na ocorrência (169), o complemento de lembrar pode ser um OD (o filme ou as coisas, por exemplo) ou um CR (como do filme ou das coisas); assim também, em (170), esquecer pode se associar a um OD (a experiência com

Jesus, quem Jesus é, por exemplo) ou a um CR (como da experiência com Jesus

ou de quem Jesus é).

Verificamos, pois, que também com os verbos lembrar e esquecer o complemento não explícito não pode ter sua forma determinada e, portanto, não pode ser classificado como ODZERO ou CRZERO, o que nos leva a também

designá-lo como CZERO.