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3. ESTADO DA ARTE

3.4.3 Silveira (2009)

Sob o título de Verbos cognitivos: estrutura e semântica, o trabalho de Silveira dedica-se aos verbos cognitivos que recebem uma completiva preposicionada, também conhecida por completiva relativa ou, tradicionalmente, objetiva indireta. A partir da análise dos dados extraídos de textos orais e escritos de origem brasileira, europeia e moçambicana, a autora pretende identificar as estruturas prototípicas e não prototípicas relacionadas aos verbos de cognição.

Importante mencionarmos, já neste ponto, que Silveira não apresenta, em seu artigo, uma definição para esses verbos, mas permite percebermos, pelos itens que lista, que não os está concebendo com a mesma delimitação que assumimos em nossa pesquisa, haja vista que, no artigo em questão, incluem- se entre os verbos cognitivos alguns que, de acordo com a classificação de

Halliday (1985) e Halliday e Matthiessen (2004), denotam outros processos que não os de cognição, sejam eles processos mentais de afeição, com a expressão de sentimentos (como gostar, arrepender, gabar, orgulhar, vangloriar), e também o verbo falar, que com algum esforço pode ser colocado entre os que expressam processos mentais de percepção, relacionados aos sentidos, embora corresponda costumeiramente à classificação de verbo dicendi.

Também cabe comentarmos que o artigo apresenta verbos que não constam em nosso corpus. Isso se deve às divergências que expusemos no parágrafo anterior quanto à concepção de verbos cognitivos e, provavelmente, também ao fato de a autora analisar conjuntamente dados do português brasileiro, europeu e moçambicano, o que pode justificar as ocorrências com verbos que talvez não sejam frequentes no PB.

A autora destaca inicialmente que, embora tenha trabalhado com um número relativamente alto de dados com verbos de cognição (1024 ocorrências), identificou apenas 22 itens lexicais, “[...] o que leva à constatação de que há um número reduzido de verbos cognitivos funcionando na Língua Portuguesa [...]” (SILVEIRA, 2009, p. 212).

Sobre a forma da completiva ligada aos verbos de cognição, Silveira afirma que, em comparação com os verbos de modalidade e de manipulação, que ela também analisou, os verbos cognitivos recebem o maior número de completivas na forma finita (tradicionalmente chamada desenvolvida), embora as ocorrências de completivas não-finitas (com o verbo em uma das formas nominais) sejam numericamente muito superiores, o que indica que esteja ocorrendo um processo de dessentencialização, “[...] que se caracteriza pela perda dos conectores (preposição e/ou conjunção) e pela redução de orações (perda das marcas de tempo, aspecto e modo), resultando em um único estado de coisas” (SILVEIRA, 2009, p. 209-210). Em nossa pesquisa, constatamos que o uso da oração desenvolvida é acentuadamente predominante sobre o de orações reduzidas.

A autora divide os verbos de cognição em dois grupos: não- pronominal/pronominal (forma dupla) e não-pronominal, classificação que não nos interessa aqui. De qualquer forma, ao longo de sua exposição, Silveira

aborda alguns verbos que também consideramos de cognição e figuram entre nossos dados.

Silveira afirma, em relação aos verbos lembrar e recordar, que a seleção de complemento direto ou relativo altera o significado. Vejamos os exemplos.

(104) a. Os tiroteios lembravam combates (trazer à memória; fazer recordar). (D) b. Maria lembrou da roupa na corda (notar; advertir; recordar). (D)

(105) a. Recordei aquele companheiro de colégio (tornar a trazer à memória). (D) b. Seu nome recorda um dos maiores gênios da história (fazer lembrar). (D) c. Não me recordo de seu nome (lembrar). (D)

d. Recordo bem de suas palavras. (D) (SILVEIRA, 2009, p. 214, grifos da autora)

Em nosso trabalho, não identificamos todas essas nuances de significado e relacionamos verbos dessa natureza ao valor semântico de

memória, designação que absorve todas expressões de verbos do tipo de lembrar. Mas os exemplos dados confirmam que os verbos lembrar e recordar

admitem tanto o complemento não preposicionado, caso de (104a), (105a) e (105b), como o complemento preposicionado, caso de (104b), (105c) e (105d).

Sobre os verbos acreditar, crer e pensar, Silveira observa que têm complemento introduzido por preposição na complementação simples (complemento relativo), mas sem preposição na complementação complexa (completiva direta). É o que também constatamos quanto aos verbos acreditar e

pensar. Vejamos os exemplos.

(106) a. Eu creio que [ ] não consiga fazer vigorar o regime de incapacidade (supor; julgar).

b. Eles não criam em Cristo (crer; confiar). (D) (SILVEIRA, 2009, p. 216, grifos da autora)

No exemplo (106a), o verbo crer apresenta uma complementação complexa (que não consiga), na qual a preposição não é utilizada. Já o complemento simples é introduzido por preposição, como em (106b), com o complemento relativo em Cristo.

Sobre os verbos aprender, concordar, desconfiar e duvidar, Silveira declara que a forma da completiva não interfere no sentido desses verbos, sendo a completiva finita, como (107b) e (107c), e a não-finita, como (107a), duas

alternativas que expressam o mesmo significado. Mas lembra que há implicações pragmáticas, já que a opção pela forma finita ou não-finita pode estar relacionada ao grau de comprometimento do falante com o que diz: “A não-finita codifica eventos mais integrados e, portanto, cognitivamente mais comprometidos com o que está sendo expresso na completiva. A finita codifica eventos menos integrados, logo, menos comprometidos com o que está veiculado na completiva” (SILVEIRA, 2009, p. 216-217).

(107) a. (...) aprendi inclusive a corrigir uma maionese — NURC - Português Brasileiro.

b. Aprendi que [ ] corrijo uma maionese. (D)

c. Aprendi que [Maria] corrige uma maionese. (D) (SILVEIRA, 2009, p. 216, grifos da autora)

Embora reconheça o maior número de ocorrências de completivas não- finitas com os verbos de cognição, a autora conclui, baseada na comparação com os de modalidade e de manipulação, que os verbos cognitivos selecionam completivas finitas e, portanto, menos integradas, as quais tendem a codificar um evento tido como verdadeiro e denotam menor comprometimento do falante com o conteúdo expresso na completiva. Assim, a estrutura apontada como prototípica com verbos de cognição é a transcrita a seguir, com cláusula completiva finita com verbo no indicativo, preposição apagável e sujeitos não- correferenciais (cf. SILVEIRA, 2009, p. 218):

[Matriz (SN1) V(pron)] Prep [Compfin [SN2 Vindic (comp)]

Visto que temos evidências de que a concepção de verbo de cognição assumida pela autora destoa da que adotamos em nossa pesquisa, devemos notar que, apesar do título, que nos pareceu inicialmente tão atrativo, por sugerir se tratar de trabalho afim ao nosso, o artigo de Silveira, na verdade, não nos será de grande proveito, a não ser por reforçar que os verbos podem ter uma complementação simples (objeto direto, indireto ou complemento relativo) ou complexa (cláusula finita ou não-finita).