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III. MONOGRAFIA DIÁLISE PRITONEAL EM GATOS INSUFICIENTES RENAIS CRÓNICOS

7. Complicações

7.1. Complicações não infeciosas

Dentro destas complicações, temos as relacionadas com o acesso peritoneal, que são as que mais frequentemente afetam o animal. (62)

O mau funcionamento do cateter de DP é a causa que mais frequentemente provoca falhas na terapia. (62) Normalmente, a causa deste mau funcionamento tem origem extraluminal, como o mau posicionamento do cateter (cateter dobrado ou migração deste em relação ao sítio de fixação), aderências fibróticas, envolvimento do cateter pelo omento e coágulos de fibrina ou sangue, sendo que nesta última situação a oclusão poderá ser intraluminal. (62, 144)

Situações que evidenciam reduções do volume recolhido para menos de 90%, ou dor abdominal durante a instilação do dialisante, poderão possivelmente ser indicação de aprisionamento do cateter pelo omento. (48)

Vários estudos feitos demonstraram que 20 a 77% dos animais em tratamento apresentaram retenção do dialisante. (49) Outros estudos feitos em gatos em tratamento por DP mostraram que 77% apresentaram retenção da solução de diálise, sendo que 13,6% possuíam o cateter ocluído. (48) Deste grupo de gatos, apenas 58% dos quais

Complicações Prevenção ou gestão técnica

Oclusão de cateter Omentectomia parcial; uso de heparina no dialisante; flush a alta pressão de solução salina; instilação de 15,000UI de uroquinase (enzima proteolítica), no lúmen do cateter por três horas, ou ativador de plasminogénio tecidual ou estreptoquinase; reposicionamento ou substituição do cateter.

Sequestro do dialisante para o espaço

subcutâneo

Bom aposicionamento da incisão abdominal com pontos interrompidos simples; limitar o volume de troca de ¼ para metade do volume calculado; cateter bem estabilizado para um bom crescimento de tecido fibroso e de granulação ao redor dos cuffs.

Peritonite séptica Meticulosa higiene das mãos; uso de luvas estéreis e excelente técnica antisséptica durante as conexões, desconexões e mudanças de sacos; monitorização de escoamentos peri-cateter; verificação citológica diária do fluido dialisado; se houver peritonite: antibioterapia sistémica ou intraperitoneal.

Infeção do local de saída Não realizar qualquer tipo de suturas no local de saída do cateter, em terapias a longo prazo; bandagens estéreis e secas sobre o local de saída.

Infeção do túnel Cateter bem estabilizado para um bom crescimento de tecido em redor dos cuffs.

Perda de proteína/ Hipoalbuminémia

Garantir uma adequada nutrição a nível proteína/caloria; utilizar tubo de alimentação esofágico ou nutrição parenteral se necessário; considerar dialisante com aminoácidos a 1,1%.

Dispneia Monitorizar/ tratar efusão pleural; reduzir a infusão de fluidos devido ao aumento da pressão abdominal.

Sobrecarga de fluidos Aumentar a concentração de dextrose no fluido dialisante para 2,5% ou 4,25% para aumentar a ultrafiltração.

realizaram a colocação e fixação do cateter por via cirúrgica apresentaram retenção do dialisante. Enquanto os gatos nos quais se utilizou a via percutânea apresentaram na sua totalidade retenção de dialisante. (49)

Deste modo, uma boa colocação do cateter e adequada manutenção são essenciais como meio preventivo. Outros métodos de prevenção estão descritos no quadro 7. Uma vez que o cateter foi fixado, o preenchimento passivo do espaço peritoneal não deverá demorar mais do que 10 minutos, e por outro lado a sua drenagem não deverá exceder os 15 minutos. (49)

Outra das situações frequentemente descritas é o sequestro da solução de diálise no espaço subcutâneo. (48, 49) Em vários estudos foi observada uma incidência entre os 20 a 50% dos pacientes em tratamento. (49, 145, 146, 147, 148) Pensa-se que esta situação está associada ao uso de cateteres de forma aguda, ou seja, de início rápido, uma vez que a migração de fibroblastos ainda não se estabeleceu. (49) Contudo, um estudo feito sobre a incidência desta complicação em gatos mostrou ser semelhante nos casos de colocação cirúrgica do cateter para diálise crónica (58,3%) e por via percutânea para diálise aguda (62,5%). (48, 49)

Para evitar esta possível complicação é benéfico esperar 12 horas depois da colocação cirúrgica do cateter para se iniciar o tratamento dialítico. No entanto, como na sua maioria, os animais em tratamento estão associados a um processo agudo, este período de espera, nem sempre é possível. (48)

Podemos ter também complicações associadas a desequilíbrios causados pelo tratamento aplicado e a sintomatologia do animal.

O derrame pleural e dispneia podem ser complicações associadas ao tratamento dialítico, incomumente encontradas nos nossos pacientes. (48, 49)

Este derrame pleural pode estar associado a sobrehidratação, causada por utilização de soluções com menor concentração osmolar por um período prolongado ou escoamentos de solução, desde a cavidade peritoneal até ao espaço pleural. (48, 49)

A monitorização cuidadosa e frequente do paciente em tratamento, em relação ao estado de hidratação, aumento de peso, aumento da pressão venosa central, redução do débito urinário e redução do volume do dialisado, vai permitir detetar esta complicação atempadamente, de modo a agir de forma eficaz. (48, 49)

Se houver suspeita de sobrehidratação dever-se-á alterar a solução de diálise para uma com maior concentração e estimular a ultrafiltração. (48, 49)

Nos casos de suspeita de extravasamento pleuroperitoneal poderá ser realizada a recolha do líquido pleural e feita a mensuração da glucose, utilizando também como auxílio os métodos de diagnóstico por imagem. Esta situação é considerada uma contraindicação no tratamento por DP, e por esse motivo, se for diagnosticada, o procedimento deve ser imediatamente interrompido. (49)

O desconforto respiratório devido ao aumento da pressão intra-abdominal pode ocorrer, por isso dever-se-á ter uma especial atenção à frequência respiratória do paciente, em relação aos volumes de dialisante instilados. Os volumes de dialisante instiladados devem ser diminuídos se o aumento da pressão intra-abdominal estiver a contribuir para a disfunção respiratória. (49)

Perdas de proteínas também podem ser uma situação muito importante nos animais em tratamento por DP. Tem sido relatada a incidência de hipoalbuminémia em 41 a 90% destes pacientes. (49, 145, 146, 147, 148) Esta deficiência em albumina pode estar associada a uma baixa ingestão de proteínas na dieta, perda proteica pelo trato gastrointestinal ou renal, por catabolismo urémico, associado a doenças concomitantes ou mesmo por perdas na solução de diálise devido a um elevado gradiente osmótico. (48, 49, 113)

Se houver peritonite associada, as perdas podem aumentar drasticamente (50 a 100%). (48, 49)

Normalmente, estes pacientes poderão manter os níveis de albumina normais, se o maneio nutricional for adequado, no entanto, muitos destes pacientes submetidos a DP estão em anorexia, náuseas e vómito, secundariamente a uremia grave ou outra doença concomitante. (Deste modo, a aplicação de um suporte nutricional enteral ou parenteral é muito importante nestes pacientes para ajudar a manter os níveis de proteína (48, 49) (Quatro 7). Porém, a alimentação parenteral pode-se revelar por vezes inadequada em doentes oligúricos, onde a sobrecarga de volume facilmente acontece. Em associação, após se iniciar alimentação parenteral podem surgir situações de hiperglicémia, podendo levar a variações nas taxas de difusão e ultrafiltração, e por conseguinte, alterar a depuração de solutos e fluidos. (62)

A colocação de tubos de gastrostomia ou jejunostomia nestes pacientes deverá ser evitada devido ao risco acrescido de peritonite e perdas de solução de diálise presente no abdómen, pelo local de saída. (48, 62)

Distúrbios eletrolíticos são comummente relatados em DP. Alterações eletrolíticas como hipocalémia e hipercalémia, hiponatrémia, hipomagnesémia, hipoclorémia e hiperglicémia foram reportadas em medicina veterinária no decorrer do tratamento de diálise. (49, 97, 145, 146, 147, 149)

Como já referido anteriormente, os pacientes que se apresentam para esta terapia muitas vezes apresentam hipercalémia, no entanto, poderá ocorrer a inversão dos níveis de potássio, associada a várias situações. Inicialmente esta inversão ocorre devido a apresentação continuada de sintomatologia secundária à uremia, como vómitos, diarreia e anorexia. Também poderá estar associado a uma causa iatrogénica, em situação de tratamento com diuréticos e no tratamento prolongado de DP. (49, 62, 149) Além disso, a absorção constante de glicose que ocorre durante a DP, quando se opta por soluções dialíticas contendo este agente osmótico, é acompanhada pelo aumento dos níveis sanguíneos de insulina. Em consequência, ocorre movimento constante do potássio para dentro das células, contribuindo para a hipocalémia. (149) Apesar da maioria dos doentes se apresentarem assintomáticos com alterações na concentração de potássio, sinais clínicos como fraqueza, íleo paralítico, distúrbios neuromusculares e cardíacos são alguns dos que podem estar presentes, em diferentes níveis de gravidade. (149)

Outra situação rara é a síndrome de desequilíbrio na DP, que se caracteriza pelo aparecimento de demência, convulsões, coma ou mesmo morte do paciente. (49, 61)

Pensa-se que este desequilíbrio possa ocorrer durante as primeiras trocas de solução de diálise, em pacientes com os níveis muito elevados de azotémia, acidose, hiponatrémia ou hipoglicémia. (48) Uma rápida remoção de ureia e outros solutos osmóticos, aparentemente causa influxo de água dentro das células cerebrais. (48, 90) O efeito reverso da ureia resulta da sua remoção mais eficiente do plasma, relativamente ao cérebro, com desenvolvimento do gradiente osmótico reverso. Esta acumulação intracelular de solutos como a ureia, favorece o movimento da água para o espaço intracelular, provocando edema cerebral e aumento da pressão intracraniana, e disfunção neurológica associada. (48, 49, 113) Se existir uma forte suspeita deste desequilíbrio, a prescrição do dialisado deve ser ajustada, como menos trocas ou aumento dos tempos de espera, para

remover a ureia e pequenos solutos a uma taxa mais lenta. (49) A osmolaridade deve ser cuidadosamente monitorizada, especialmente durante os primeiros dias de diálise, para se certificar de que as mudanças não estão ocorrendo muito rapidamente. (49) Em casos graves dever-se á controlar o edema e estados convulsivos (ex. diazepam).

As alterações estruturais na membrana peritoneal, com perda da capacidade de trocas de solutos e ultrafiltração, são outras complicações importantes, associadas a um tratamento de DP prolongado. (49) No entanto, estas alterações têm sido mais relatadas em pacientes humanos do que em medicina veterinária, visto que, possivelmente o curto tempo de DP em animais não permite que ocorram alterações tão acentuadas na membrana peritoneal, ou simplesmente não é observado, porque a monitorização adequada da diálise não é feita rotineiramente. (49) Se uma monitorização apertada for feita, o diagnóstico desta complicação será realizado facilmente. (49)

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