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CAPÍTULO 3 – CONSIDERAÇÕES SOBRE CURRÍCULO

3.4 Componentes do Currículo

Conforme as definições apresentadas por Sacristán (2000 e 2013) e também as de outros autores que estudam currículo, inclusive órgãos reguladores da educação no Brasil (CFE, 1993), o currículo possui uma amplitude e uma densidade que extrapolam a matriz curricular. Dessa forma, quando se propõe estudar currículo, é fundamental que se identifique quais são os componentes curriculares, além de seu elemento mais “emblemático”, a matriz ou grade curricular. Ademais, também é fundamental o entendimento de como todos os elementos que constituem o currículo se relacionam com recursos das escolas, principalmente os professores, alunos, gestores acadêmicos, gestores administrativos, dentre outros.

Então, considera-se que currículo é composto por um conjunto de elementos com muitas dimensões que se integram e interagem entre si. Essa perspectiva é corroborada por Sacristán (2000), que aponta ser o currículo influenciado por vários elementos do sistema escolar: professores, alunos e todos que fazem parte de um complexo e dinâmico processo social. Neste contexto, o conjunto pode ser entendido como um conjunto funcionando na forma de um sistema aberto.

Para esclarecer e amparar essa linha de raciocínio, apresenta-se a seguir, com base na literatura, algumas considerações baseadas na Teoria Geral dos Sistemas.

De acordo com Lieber (2001, p. 2), um sistema pode ser definido como:

Uma "coleção de entidades" ou coisas, relacionadas ou conectadas de tal modo que "formam uma unidade ou um todo", ou que "propiciem a consecução de algum fim lógico a partir dessas interações conjuntas". Cada componente se relaciona pelo menos com alguns outros, direta ou indiretamente, de modo mais ou menos estável, dentro de um determinado período de tempo, formando uma rede causal. As entidades podem ser pessoas, máquinas, objetos, informações ou mesmo outro sistema, no caso, subsistema. Essas mesmas podem ser inerentes (internas) ao sistema ou transientes (em movimento) a ele. O sistema estabelece uma fronteira (fig.04) e tudo que é externo a ele é chamado de meio ambiente do sistema.

Figura 4. Modelo geral de sistema

Fonte: Lieber (2001, p. 9).

Conforme ilustrado na figura 4, o sistema possui alguns constituintes que estabelecem uma conexão entre si. As entidades ou subsistemas se conectam para formar a estrutura do sistema. Essas ligações formam as interfaces do sistema, as quais podem ser mais ou menos rígidas no que diz respeito às trocas que proporcionam.

Os sistemas sociais, como é o caso do sistema escolar, podem ser considerados sistemas semiabertos em função de suas características, vide quadro 05. Os sistemas desse tipo trabalham com uma forte interação com o meio externo e são instáveis, podendo mudar para se adaptar a determinadas condições. Como usam a informação como input, necessitam de constante reorganização. Problemas como tamanho, cultura organizacional, sistemas de informação e comunicação, tecnologia, interesses pessoais, agendas, dentre outros, podem determinar pouca troca, fazendo com que ocorra ineficiência.

Quadro 5. Tipos de Sistemas (arquétipos) e suas características

Características Tipos de sistema de acordo com o processo

Fechado Semi-Aberto Semi-aberto ou cibernético

Arquétipo Mecânico Orgânico Sociocultural

Natureza Auto-contido Auto-organizado Adaptativo

Interação: - Com ambiente - Entre entidades Rara Estáveis, previsíveis. Intensa, necessária, seletiva.

Mutáveis, menos previ- síveis.

Processamento, intencional.

Instáveis, precipitantes.

Estruturação Maior Menor Fluida

Alterada ou recriada. Operação Estruturada, rotineira Menos estruturada, pouco rotineira Morfogênica Entrada / Saída Conhecidas Conhecidas +

desconhecidas Conhecidas + desconhecidas Viabilidade

Estado mais pro-vável

Equilíbrio Busca de organi- zação mínima.

Homeostase

Variação sob estrutura geneticamente dada.

Transformação Instável, reelaborando as estruturas.

Realimentação Ausente Presente. Complexa.

Maior dependência Espaço, tempo,

energia. Informação + energia. Informação.

Destino Decadência

Aumento da en- tropia

Mudanças nas entida- des/interações. Redução da entropia. Mudanças nas estruturas Reorganização. Fonte: Lieber (2001, p. 13).

Além do conceito geral, dos componentes estruturais e dos tipos de sistemas, entende-se ser necessário apresentar um conceito para abordagem sistêmica. Essa abordagem, segundo Boulding apud Lieber (2001, p. 8), pode ser entendida como:

Uma maneira de como pensar sobre o trabalho de gerenciar. Ela fornece uma estrutura para visualizar fatores ambientais internos e externos como um todo integrado [...]. Os conceitos sistêmicos criam uma maneira de pensar a qual, de um lado, ajuda o gerente a reconhecer a natureza de problemas complexos e, por isso, ajuda a operar dentro do meio ambiente percebido [...]. Mas é importante reconhecer que os sistemas empresariais são uma parte de sistemas maiores [...] (e) estão num constante estado de mudança - eles são criados, operados, revisados e, frequentemente, eliminados.

Nota-se que os conceitos apresentados pela teoria dos sistemas são congruentes ao que propõe Sacristán (2000). Segundo esse autor, o currículo pode ser entendido como um conjunto de subsistemas, pois, ao mesmo tempo que são autônomos, esses subsistemas geram forças que interferem em todo sistema educativo.

O currículo faz parte, na realidade, de múltiplos tipos de práticas que não podem reduzir-se unicamente à prática pedagógica de ensino; ações que são de ordem política, administrativa, de supervisão, de produção de meios, de criação intelectual, de avaliação etc., e que, enquanto são subsistemas em parte autônomos e em parte interdependentes, geram forças diversas que incidem na ação pedagógica, SACRISTÁN (2000, p. 22).

Para Sacristán (2000), o currículo pode ser entendido como um sistema de práticas pedagógicas que sofre influências de oito subsistemas. Tais subsistemas interagem entre si, devendo, por isso, ser considerados e administrados de forma a propiciar relações sinérgicas à escola e ao aprendizado. Os argumentos apresentados pela teoria dos sistemas e pelo próprio Sacristán confirmam o entendimento de que o currículo, como estrutura social, deve ser analisado como algo dinâmico e complexo.

Dessa forma, estudá-lo, planejá-lo, e, principalmente, executá-lo com vistas ao bom desenvolvimento dos processos de ensino e de aprendizagem requer uma percepção e, principalmente, uma ação abrangente, conforme pressupõe a teoria dos sistemas.

No caso do curso de bacharelado em Administração, o currículo deve considerar que os conteúdos, dinâmicas e processos pelos quais o egresso irá se deparar na vida profissional são, por sua natureza social, bastante mutáveis.

A seguir, apresenta-se o sistema curricular proposto por Sacristán, e os significados de cada um dos elementos, subsistemas, que o compõem.

SISTEMA SOCIAL

Figura 5. Sistema Curricular

Fonte: Sacristán (2000, p. 23).

Para facilitar o entendimento do sistema curricular proposto por Sacristán (2000, p. 23-24), expõe-se o significado que esse autor dá para cada um desses oito subsistemas.

1. Políticas e gestão administrativa: os administradores da escola, por exemplo, Reitor, Coordenadores e Supervisores Pedagógicos, influenciam de forma direta e indireta no currículo dela. Isso ocorre porque as influências nas decisões sobre o currículo ocorrem sob a supervisão e a orientação desses administradores.

2. Participação social e controle: todas as instituições têm uma burocracia de controle exercida por gestores e pelos conselhos acadêmicos, como, por exemplo, no ensino superior, núcleo docente estruturante e Conselho Universitário.

3. Ordenação do sistema educativo: os currículos apresentam estrutura em níveis, ciclos e modalidades ou especialidades. Essa organização influencia diretamente a forma com que o currículo se desenvolve.

4. Produção de meios: materiais didáticos, como livros, e outros recursos didáticos pedagógicos, como biblioteca, laboratórios de

informática e monitoria, dentre outros, influenciam diretamente no desenvolvimento do currículo.

5. Criação cultural e científica: a forma com que o currículo se propõe a abarcar as diferentes áreas da cultura e as formas de relação estabelecidas com elas irão, de modo direto e indireto, influenciar o desenvolvimento do currículo. A produção científica em diferentes níveis, que dependem da política institucional, no caso do ensino superior, influencia em maior ou menor grau o desenvolvimento do currículo.

6. Formadores, especialistas e pesquisadores em educação: um processo de formação de professores cria linguagens, tradições e promove a disseminação de práticas pedagógicas que irão influenciar no currículo em curso.

7. Inovação: a renovação qualitativa da prática e/ou a criação de novos materiais e desenvolvimento de processos que influenciam o desenvolvimento do currículo.

8. Prática-pedagógica: são os processos usados para a aplicação do processo de ensino-aprendizagem.

Conforme ilustra a figura 05, os subsistemas que compõem o currículo devem interagir entre si. A importância dessas inter-relações é ressaltada por Sacristán (2000, p. 26):

Esses subsistemas apontados mantêm relações de determinação recíproca entre si, de força distinta, segundo os casos. O conjunto dessas inter-relações constitui o sistema curricular [...]. Nesse conjunto de interações o currículo se configura como objeto, e através das práticas concretas dentro do sistema geral e dos subsistemas parciais pode-se observar as funções que cumpre e os significados reais que adota.

Ainda com o propósito de desmitificar o currículo, Sacristán (2013) identifica as dimensões que regulam o currículo e também o organiza.

Ele chama a atenção para o caráter regulatório e estruturante dessas dimensões. O quadro 06 a seguir sintetiza tais dimensões.

A seguir, apresenta-se uma síntese dos elementos e dimensões que regulam o currículo.

Quadro 6. Dimensões que regulam o currículo

1. Dimensões ou aspectos estruturais do currículo: a ordem pela qual ele é

estabelecido

Elementos e aspectos estruturados ou afetados

- Divisões do tempo:

Anos ou cursos da escolaridade sequenciados. Horário semanal repetido ciclicamente.

Horário diário, em parte, repetido ciclicamente. Concepções do tempo.

- Delimitação e organização dos conteúdos; Acessibilidade e fontes de onde a informação pode ser obtida.

Demarcação do que se pode e se deve aprender

Organização em disciplinas e outras formas de classificação dos conteúdos.

A ordem da sequência de conteúdos Permeabilidade das fronteiras entre os territórios demarcados.

Itinerários de progressão nos conteúdos e no tempo.

Opções epistêmicas sobre o conhecimento. Sistemas e mecanismos de avaliação das aprendizagens.

Tempo de aprender, tempo livre etc. Tempo de ensinar.

Conhecimentos e saberes valorizados.

Atividades possíveis de ensinar ou transmissoras em geral.

Atividades possíveis e prováveis de aprendizagem e seus resultados. Comportamentos tolerados e estimulados.

Linha e ritmo de progresso. Identidade e especialização dos professores.

Orientação do desenvolvimento das pessoas.

2.Outros elementos e agentes O espaço escolar.

Classificações dos alunos.

Clima social. Regras de comportamento. O método como ordem das ações. Relações verticais / horizontais. Sistemas de avaliação e controle não curriculares.

Ideologias, filosofias e outras abordagens dos processos de ensinar.

Fonte: Sacristán (2013, p. 21).

Finalmente, pode-se constatar que o currículo como um sistema deve possuir um ordenamento para os seus elementos. No caso do ensino superior, este ordenamento é administrado pelo coordenador de curso e deve ser respeitado pelos demais participantes, professores e alunos, para que o processo de ensino- aprendizagem ocorra com eficiência.