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Toda essa problemática provocada por uma doença severa como a cardíaca, gera uma situação de crise para a família toda. Além do desconhecimento da doença que a família enfrenta, existem reações do paciente quanto ao ambiente desconhecido do hospital, muitas vezes interpretado erroneamente, podendo gerar angústia pelo desconhecimento de medidas diagnosticas ou terapêuticas adotadas e que trazem dúvidas sobre o futuro. O encontro do paciente e sua família com esse mundo desconhecido, sem poder escapar dele, provoca uma situação extremamente conflituosa.

Wooley (1990), em sua convicção, entende que a hospitalização por uma doença séria freqüentemente causa uma atitude grande de distress e angústia para os parentes dos pacientes criticamente enfermos. Gillis (1989), por sua vez, descreveu a cirurgia de revascularização do miocárdio como uma crise para o paciente e sua família. Clements (1983) afirma concisivamente que uma doença severa é uma crise para a família. Também, para Aguilera & Messick (1986), o reconhecimento inesperado pelo ser humano de que ele tem uma doença cardíaca é uma crise para ele. Pois a doença crítica freqüentemente ocorre sem avisar e a hospitalização súbita resultante representa um período de crise para ambos: o paciente e sua família (Murphy et a/l 992). Por sua vez, Beach et al (1992) concluem que a ameaça à vida, associada com o infarto agudo do miocárdio, é uma crise para a família como um todo, causando vários problemas.

O enfermeiro precisa compreender esse apelo do paciente e de sua família - "a doença gerando uma situação de crise para a unidade familiar" - não se prendendo apenas aos aspectos biológicos da doença de um dos membros da família, mas, sobretudo, naquilo que cada ser humano é e representa, ou seja, o seu ser, e a quem o apelo é dirigido suplicando que o enfermeiro participe dele, compartilhando, construindo e (re)criando com o paciente durante uma situação de crise. É uma nova dimensão do existir que se torna possível quando já se tem superado o individualismo profissional. É este chamado do outro que conduzirá o enfermeiro a um novo sentido de existência, transformando-se a si próprio e ao outro.

Cabe, então, concluir que o paciente está muito longe de ser um simples organismo onde atuam processos mórbidos. É um ser humano que é parte integrante de uma família e de uma comunidade. E um ser que vivência uma doença e quer superá-la para viver de forma mais saudável. Quer ter alguém ao seu lado, competente, mas também, em condições de imaginar-se no lugar dele e interpretá-lo.

Como se observa, a doença provoca uma solução de descontinuidade no processo de viver do paciente e sua família. A doença aguda gera uma situação de crise para a família toda, porque é um acontecimento súbito, inesperado e que ameaça a vida, exigindo da pessoa a mobilização de mais forças e estratégias de enfrentamento para compreender a situação.

A partir da compreensão de que a doença gera uma crise para a família, considero importante entender como os diferentes autores diferenciam o conceito crise e outros que, de certa forma, relacionam-se com ele, como estresse, emergência, ameaça, perda e desafio.

Conforme Aguilera & Messick (1986) e Wooley (1990) a palavra "crise" significa ambos: perigo e oportunidade. É um perigo porque ela ameaça oprimir o ser

humano pelos seus efeitos negativos sobre sua saúde, podendo resultar em suicídio ou em alterações psicológicas graves. E uma oportunidade porque durante os períodos de crise a pessoa está mais receptiva à influência terapêutica e, face a um obstáculo aos importantes objetivos de vida, ela vivencia um período "insuperável", através da utilização de seus métodos costumeiros de resolução de problemas. Alertam, também, os autores, sobre a possibilidade de outros eventos que podem estar ocorrendo simultaneamente e podem potencializar a situação atual.

Para Taylor (1992), uma situação de crise também parece ser uma resposta a um evento percebido como nocivo, uma ameaça, uma perda ou um desafio. Por outro lado, Toffler (1980) utiliza o conceito de crise no contexto de uma situação na qual uma decisão é necessária para alcançar um objetivo desejado, mas ela não é ainda viável e um período de instabilidade existe até que seja tomada uma ação construtiva.

A fim de compreender melhor o conceito de crise e preocupados com a utilização inadequada do vocábulo, Brownell (1984) e Geissler (1984) tentaram abordar os diversos conceitos que se relacionam com a crise, sendo o primeiro deles o de estresse. Nesta direção, Geissler (1984), observa que o evento que precipita uma situação de crise pode ser descrito como um estressor e a crise como uma continuação do estresse relacionado ao evento perigoso. Tanto Brownell (1984) quanto Geissler (1984) diferenciam crise de estresse, afirmando que ao estresse é atribuída uma conotação puramente negativa e de potencial patogênico, enquanto que a crise é definida por ter o potencial para o crescimento, uma conotação positiva que serve para elevar o nível de saúde mental do ser humano.

Geissler (1984) e HofF (1989) referem-se ao estresse como um estado manifesto por uma síndrome específica que consiste em todas as mudanças induzidas inespecificamente dentro do aspecto biológico. Por esta definição, concluem que estresse não tem causa particular. O estresse também pode ser observado como uma relação entre a

pessoa e o meio. Estresse, portanto, para estes autores, não é crise, é desconforto, dor ou inquietação frente a um estímulo físico, social ou emocional, proveniente da necessidade de relaxar, ser tratado ou de uma busca diferente de alívio.

Para Selye apud Clements (1983), o estresse tem sido amplamente descrito como o tempero da vida e o beijo da morte, dependendo do modo pelo qual o enfrentamos. Complementando este pensamento, Clements (1983) revela que, durante o período de estresse, a pessoa utiliza seus mecanismos normais de enfrentamento sendo que uma situação estressante pode tomar-se uma crise para a ela, ao sentir-se incapaz de enfrentá-la .

Por sua vez, Brownell (1984) ressalta que estresse pode ser um modo contínuo de vida para muitas pessoas, pode causar desconforto emocional e físico, e que o enfrentamento aos acontecimentos da vida normalmente estão num mesmo nível. Sob outro ângulo, a crise implica uma experiência mais intensa e de vida breve. É um período em que os recursos pessoais e a capacidade para a resolução do problema estão falhando.

A crise, na opinião de Geissler (1984), freqüentemente tem uma causa que pode ser uma perda ou um evento que dificulta a sua compreensão, necessitando de uma análise da pessoa quanto às várias soluções potenciais positivas ou negativas para a situação. Seu efeito varia muito entre os seres humanos e não é específico; no entanto o estresse tem causas inespecíficas de alarme e uma tríade de reações que resultam na síndrome de adaptação geral (aumento adrenal, atrofia do sistema timicolinfático e ulcerações gastrointestinais).

Discordo de Geissler quando afirma que a crise, tem uma "causa específica", ntendo que existem vários fatores que podem provocar uma situação de crise e que dentre esses fatores um deles pode estar exacerbado, pois os recursos disponíveis da pessoa não conseguem enfrentar a situação. É uma situação nova e inesperada. Portanto, o que faz surgir uma situação de crise no ser humano não é meramente a exacerbação de uma causa

específica, mas principalmente uma combinação de sentimentos, reações e significados ao momento em que está sendo vivenciado.

Uma emergência também tem uma causa específica, mas não é considerada crise, segundo Geissler (1984), porque tem um efeito muito específico. É uma situação que demanda ação imediata. A ação de emergência é mais premente do que qualquer outra, mais do que tomar uma decisão entre várias alternativas. Poder-se-ia dizer que, na emergência, a decisão é menos complexa, normalmente envolvendo uma decisão entre agir ou não. Neste caso, o rumo da ação a ser tomada toma-se evidente para a natureza da situação.

Emergência também não é crise para HofF (1989). É uma combinação inespecífica de circunstâncias que necessitam de ação imediata, com implicações freqüentes de vida ou morte. A crise também não é doença na opinião deste mesmo autor. Doença tem sido abordada por vários autores como um conceito patológico que descreve uma condição que pode ser objetivamente verificada através da observação clínica e de vários testes laboratoriais.

Ameaça é outro conceito referido nas definições de crise. Para Brownell (1984), a ameaça envolve a antecipação de um dano de qualquer natureza: psicológico, biológico, social ou espiritual. A pessoa, ao perceber uma ameaça, pode tomar precauções para desviar ou enfrentar a situação. Este autor afirma, outrossim, que a ameaça e o desafio de crise podem ser reais ou constituírem-se em perdas potenciais que serão entendidos somente quando forem percebidos.

A Teoria e Intervenção na Crise derivou-se de como os seres humanos enfrentam a perda. No entender de Brownell (1984), a percepção de perda, real ou imaginada, não é a própria crise, mas um dos seus componentes, pois a crise é um estado da mente enquanto que a ameaça, perda e desafio são realidades do meio.

A crise foi definida por Caplan (1980) como sendo o que ocorre quando uma pessoa, face a um obstáculo aos seus objetivos importantes de vida, não consegue superá-lo com a utilização de seus métodos usuais de resolução de problemas. Ou seja, a crise é um desequilíbrio psicológico em uma pessoa que enfrenta uma circunstância arriscada, que para ela constitui um problema importante e que durante este período ela não pode "salvar-se" e nem resolvê-la com seus próprios recursos. É ainda definida como um período de desorganização, seguido de transtorno intenso, do qual se originam muitos esforços inúteis: Para Caplan (1980), o ser humano é visualizado como vivendo à procura de um estado de equilíbrio emocional, com o objetivo de sempre retornar ou manter este estado.

Percebe-se que, nestas definições de Caplan, o fator essencial que influencia a crise é um desequilíbrio entre a dificuldade e a importância da situação e os recursos que são imediatamente viáveis para o ser humano neste período. No meu entendimento, o conceito de crise de Caplan fornece uma conotação de homeostase a esta situação de crise do ser humano, pois afirma que este tem o objetivo de sempre retomar ou manter seu estado de equilíbrio emocional. Sob outro ângulo, entendo que este processo é dinâmico, pois o ser humano busca interagir com o meio para compreender a situação de crise. É um processo porque caminha continuamente num movimento sempre à frente, irreversível e, à medida que ele interage com o meio, novas formas de viver saudável são proporcionadas. Ou seja, o processo de viver é um processo de aprendizagem contínua, pois, a cada experiência, o ser humano evolui de uma condição de existência para outra, aprendendo conscientemente sobre si próprio e sobre o mundo.

Aguilera & Messick (1986), complementando o conceito de crise de Caplan, ressaltam que, numa crise, o processo de "tensão natural" (estímulo da vida diária) está exacerbado porque o estímulo do problema é maior do que as forças de reorganização, e estas não são capazes de resolver a situação. A crise é concebida como um período transitório que, tanto apresenta ao ser humano uma oportunidade de crescimento da personalidade, quanto o perigo de uma crescente vulnerabilidade ao distúrbio mental.

Destacando outros aspectos, Hoff (1989) descreve a crise como sendo um transtorno emocional agudo de origem social, desenvolvimental (passagens da vida) e situacional (perda material, física, pessoal e interpessoal), que resulta de uma incapacidade temporária para enfrentá-la através dos meios comuns de resolução de problema. Ressalta ainda que a crise não é uma doença mental ou emocional, mas um momento auto-limitado, extremamente sério e decisivo na vida das pessoas, que resulta da combinação de "ingredientes-chaves", gerando conflitos. Ao mesmo tempo em que o ser humano se sente ameaçado com a situação de crise, principalmente em relação aos seus objetivos de vida, ele é capaz de refletir e (re)criar novas maneiras de um melhor viver .

Cabe, pois, concluir que existem alguns critérios comuns nestas definições de crise, como por exemplo: um impedimento ao objetivo desejado; um ponto decisivo que requer ação; uma incapacidade para agir construtivamente e um período de instabilidade psicológica. Estas definições, assim visualizadas, podem refletir a dinamicidade do processo de uma situação de crise e não como um período estático no qual a pessoa pode, após seu término, retomar ao mesmo nível anterior à crise.

A partir desta abordagem sobre o conceito de crise, procurei ressair os aspectos principais da Teoria e Intervenção na crise, que serviu de alicerce para a construção do marco conceituai para assistir as famílias em crise, face a uma doença em um de seus membros.