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REINAÇÕES DE NARIZINHO

1. COMPREENDENDO O MARAVILHOSO

O que tem de ser perene é a obra literária; os críticos, os teóricos, nos ajudam a entendê-la. (Ana Luiza Silva Camarani).11

O termo “maravilhoso” é oriundo do latim mirabilia e, historicizado em teoria literária, “designa a interferência de deuses ou seres sobrenaturais na poesia ou prosa, como fadas, anjos, etc., e tanto pode ser classificado como pagão ou como cristão, de acordo com o

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Profª Drª Ana Luiza Silva Camarani. Credenciada pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da UNESP – Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara. Comentário efetuado em aula da disciplina “A Narrativa Fantástica”, no segundo semestre de 2005.

predomínio de seres provenientes de uma ou de outra dessas mitologias.” (FERNANDES, 2002, p. 59-60). Conceito que em suas origens também inclui a crueldade, a violência e a tirania dos poderosos, “foi perdendo seu verdadeiro sentido com o passar do tempo, passando a associar-se meramente àquilo que é belo, bonito e amável,” (FERNANDES, 2002, p. 63).

Ana Maria Machado, em um debate universitário na cidade de Taubaté, em abril de 1982, de acordo com Dantas (1982, p. 38, grifo nosso), “apontou Lobato como o precursor do

realismo fantástico nas letras latino-americanas, já que, consciente ou inconscientemente,

seus livros traziam germens, nódulos e inocentes segmentos desse gênero”. Belinky (1982, p. 232, grifo nosso), refere-se ao sítio lobatiano como um ambiente “fantástico-realista”. Gonçalves, Aquino e Silva (2000), no capítulo titulado “O Universo da Fantasia e o Espaço do Real em Monteiro Lobato”, definem como fantástico o espaço fora da realidade comum onde os fenômenos não obedecem às leis naturais, decorrendo de mundos mágicos, da fantasia ou do sonho e onde tudo se resolve por meios sobrenaturais. Elas afirmam que “o espaço do fantástico [...] é tudo aquilo que foge à realidade concreta [...].” (GONÇALVES, AQUINO e SILVA, 2000, p. 42, grifo nosso). Acredita-se, porém, que todas essas definições possam ser entendidas como maravilhoso.

O que se convencionou chamar de fantástico é, de acordo com Bordini (1987, p. 13),

semente do movimento gótico, “originário da Inglaterra da Rainha Ana, no século XVIII,”

popularizado no século XIX e massificado no século XX. O gênero desenvolveu-se “em direção à explicação natural ou exótica para as intrusões do irreal, durante o século XIX e que dariam rédeas a um jogo lúdico com o inexplicável, à maneira do pesadelo e das construções míticas no século XX” (BORDINI, 1987, p. 14). Percebe-se que o limite entre o maravilhoso e o fantástico são bastante tênues. Ambos recebem “intrusões do irreal” e dão “rédeas a jogos lúdicos com o inexplicável”. Porém, na definição de Bordini apresentada acima, no fantástico, esse ludismo se dá “à maneira do pesadelo”, enquanto no maravilhoso, se associa ao belo e ao agradável, como também afirma Fernandes (2002, p. 63). Bordini (1987, p. 14- 15) assinala aspectos constantes em ambos, fantástico e maravilhoso, como a intromissão do sobrenatural, a vida atribuída a seres inanimados e o desejo de saber, dentre outros.

Molino (1980, p. 34), estudioso do fantástico, afirma que o maravilhoso “a une

tonalité générale positive et un fin heureuse”12 e é descendente da lenda e da literatura oral, constituindo-se, desta forma, em parente do conto de fadas. Coelho (1981, p. 359) também concorda que o maravilhoso relaciona-se diretamente com aventuras de contos de fadas, fábulas e seres extraordinários. Para ela, o maravilhoso é algo que

ocorre em um espaço fora da realidade comum em que vivemos, e onde os fenômenos não obedecem às leis naturais que nos regem [...] decorrem do mundo da magia, da fantasia ou do sonho, onde tudo escapa às limitações ou contingências precárias da vida humana e onde tudo se resolve por meios sobrenaturais. (COELHO 1981, p. 85, grifo do autor).

Todorov, teórico literário russo, referiu-se a diferentes níveis de fantástico e de maravilhoso. Importa, para este trabalho, aquilo que classificou de “maravilhoso puro” (TODOROV 1970, p. 156-160). Para o teórico,

o maravilhoso [puro] implica que estejamos mergulhados num mundo de leis totalmente diferentes das que existem no nosso; por este fato os acontecimentos sobrenaturais que se produzem não são absolutamente inquietantes. (TODOROV, 1975, p.179-180).

Os elementos sobrenaturais não provocam qualquer reação particular nem nas personagens nem no leitor implícito (TODOROV, 1970, p. 148-160).

A discussão sobre o maravilhoso e o fantástico atrai muitos estudiosos. Até mesmo Freud arrisca-se a falar sobre o assunto:

Nos contos de fadas, por exemplo, o mundo da realidade é deixado de lado desde o princípio, e o sistema animista de crenças é francamente adotado. A realização de desejos, os poderes secretos, a onipotência de pensamentos, a animação de objetos inanimados, todos os elementos tão comuns em histórias de fadas, não podem aqui exercer uma influência estranha; (FREUD, 1976, p. 310-311).

O maravilhoso, portanto, proveniente do folclore e da literatura oral, cria uma espécie de realidade paralela, onde todas as leis e regras do mundo real são alteradas. Instaura-se o ludismo e tudo passa a ser agradavelmente possível. É o que acontece em Reinações de Narizinho. Quem mora lá, personagem ou leitor, passeia pelo Reino das Águas Claras de braços dados com o Príncipe Escamado, um peixinho menor do que um nariz; visita o Reino das Abelhas e conversa com a rainha sobre a organização social; vai, com um amigo invisível, para o País das Fábulas, onde conhece Esopo e La Fontaine; recebe em casa a visita de Cinderela, Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho, Aladim, Pequeno Polegar, Gato de Botas, Patinho Feio, Alice, Peter Pan, e tantos outros personagens de histórias que encantam o público infanto-juvenil, especialmente; cheirando uma pitadinha do pó de pirlimpimpim, atravessa o mundo – da imaginação – para se arrojar num dos reinos d’As Mil e Uma Noites, justamente onde vive o Pássaro Roca, e viver novas aventuras com o maior mentiroso do

12 “tem uma tonalidade geral positiva e um final feliz” (Tradução de Ana Luiza Silva Camarani).

mundo, o Barão de Münchhausen. Também recebe conselhos de um sabugo de milho, um verdadeiro gênio e aceita sugestões de uma boneca de pano, inteligente e espertíssima.