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Compreensão do conceito de cidadania a partir da ideia de participação social

2. DIREITO ADMINISTRATIVO, CIDADANIA E INTERESSE PÚBLICO

2.4 Compreensão do conceito de cidadania a partir da ideia de participação social

Cidadania e participação social têm uma relação íntima, como expressa Berwig (1997). Neste sentido, a exclusão da cidadania acarreta a exclusão da vida em sociedade e impossibilita o exercício da própria participação social, uma vez que cidadão é o indivíduo que integra determinada sociedade. Assim, não basta apenas ter direitos estabelecidos e não aplicáveis, é preciso mais ação por parte das pessoas, é necessário exigir a efetividade destas garantias previstas constitucionalmente. O vínculo do sujeito com determinado Estado

possibilita a cidadania e o direito de exigir do Estado e dos entes públicos o cumprimento das suas funções.

A cidadania e a participação social se completam, uma vez que definem o modo em que o indivíduo interage na comunidade civil, política e social. As mudanças nas estruturas sociais cada vez mais se modificam de acordo com cada período histórico e cultural em que se encontram. Ainda mais, a cidadania, como bem explica Bobbio (1992) é o resultado de um processo longo que esteve e está em evolução desde o século 18, onde se conquista os direitos civis, logo também, os direitos políticos e mais recente, no século 20 é conquistado direitos sociais.

Viu-se, por sua vez que o conceito de cidadania, é um relacionamento entre cidadão e Estado, onde o primeiro deve atuar respeitando a sociedade e o segundo deve garantir e aplicar os direitos básicos à estes inerentes, como à saúde, vida, moradia, educação, etc. A cidadania, também pode ser identificada onde exista duas ou mais pessoas, pois o seu conceito está atrelado a ajuda mútua, e para que isto ocorra, deve-se ter um grupo onde um ajuda o outro.

Apesar do conceito de cidadania ter expandido por vários lugares e classes sociais, na prática, ainda há muito que ser mudado para que se chegue há uma igualdade, onde os direitos e deveres sejam iguais a todos. Mas para concretizar a tão sonhada cidadania, exige-se um esforço coletivo, esforço esse que vai além da ajuda dos cidadãos, esforço esse que necessita a ajuda do poder público o qual não vê, ou melhor, encontra-se em descaso e não sabe como controlar questões referentes à educação e saúde, chegando-se novamente frente a um obstáculo da cidadania.

Todas as pessoas precisam se envolver isto é participação social, pois o que ocorre é que na sociedade há uma troca de bens e serviços, e se apenas uma pessoa deixar de exercer o seu papel de cidadão, vai ter como consequência aceitar a decisão dos outros. Isso ocorre hoje, muitas pessoas deixam de lutar por direitos fundamentais, justificando que outros já fazem isto, mas não entendem que sua ajuda é capaz de mudar o modo em que o País se encontra.

Por tudo isso, entende que, uma sociedade é democrática a partir do momento em que todos os cidadãos interferirem nos assuntos públicos. No momento em que a participação social prevalecer, a realidade mudará. Não é possível que os cidadãos, que a administração e o Estado não se importem com crianças abandonadas, sem ter o que comer, com pessoas sem condições de custear remédios para a sua saúde, enquanto isso acontecer não há como se chegar a uma cidadania. Exercer a cidadania e a participação social é ter consciência de que é sujeito de direitos.

Como bem comenta Sarlet (2009, p. 325), com relação ao direito à saúde:

Por mais que os poderes públicos, como destinatários precípuos de um direito à saúde, venham a opor – além da já clássica alegação de que o direito à saúde (a exemplo dos direitos sociais prestacionais em geral) foi positivado como norma de eficácia limitada – os habituais argumentos da ausência de recursos e da incompetência dos órgãos judiciários para decidirem sobre a alocação e destinação de recursos públicos, não nos parece que esta solução possa prevalecer, ainda mais nas hipóteses em que está em jogo a preservação do bem maior da vida humana. (...) constitui exigência inarredável de qualquer Estado (social ou não) que inclua nos seus valores essenciais a humanidade e a justiça.

Constantemente se ouve notícias anunciando a omissão por parte do Estado, no que tange ao direito à saúde, seja com relação às filas enormes que se formam nos hospitais, seja, com a não prestação de medicamentos, por parte do poder público. Evidencia, com isso, uma grande dificuldade do Estado em cumprir com seu dever em relação aos cidadãos, e não pode sequer falar na existência da cidadania.

A participação social pressupõe ainda, uma relação entre Estado e sociedade, administração e administrados, implicando uma relação de oposição entre estes, onde cada um detêm diferentes interesses e poderes. Além do mais, a valorização da participação social implica também no resgate da cidadania, já que interligadas, buscam a proteção de todo o ser humano na conquista da igualdade.

É necessário que a compreensão do que realmente é a cidadania, e mais do que isto, é essa compreensão que possibilitará a sua prática efetiva. A questão que se põe em pauta, não é o reconhecimento dos direitos formalmente, mas sim a conversão em realidade por parte do Estado.

Participação social, cidadania, direitos fundamentais, sociedade democrática, todas essas expressões devem caminhar juntas, não apenas como teoria, mas como concretização da almejada paz social. Todos que contribuem de uma forma ou outra, seja de maneira direta ou não, certamente fazem a sua parte e acredita-se que possa ser chamado de cidadão consciente. Um cidadão é aquele que esta sempre em busca da construção coletiva de uma sociedade mais justa. Todavia, a cidadania somente será efetiva quando o Estado/administração não se utilizar da legalidade para impedir a sua fruição.

CONCLUSÃO

Em um Estado Democrático de Direito não se pode abandonar os princípios e normas fundamentais que protegem o ser humano, os quais servem como parâmetro para que se cumpra com o efetivo poder/dever do Estado. Neste caso, nota-se que existe uma concretização, em decorrência do papel fundamental que tem o Direito Administrativo, em relação aos direitos fundamentais e seu respeito pela Administração Pública. Por mais elevado índice de leis que exista, ao comparar com tempos anteriores nota-se um grande avanço no que se refere a seu número, embora em relação à efetividade dos direitos, é como se muito pouco tivesse mudado.

Vive-se em uma sociedade, hoje, onde as leis existentes são boas, mas por outro lado, existe um déficit de concretização dos direitos constitucionalizados, pois a legalidade é um princípio de duas faces, já que a Administração Pública, ao mesmo tempo que deve observar a lei, encontra amparo na mesma legalidade para se furtar a cumprir seu dever, sob a afirmação de não estar autorizada a agir por conta de não existir lei que autorize, como é o caso, por exemplo, do fornecimento de medicamentos, alegando ainda que não estão expressos nas listas oficiais do Estado.

E como já falado em outro momento, a grande maioria da população, desconhece os seus direitos, por isso, não sabe como buscá-los, o que demonstra, por consequência, uma enorme desigualdade social. Por outro lado, muitas vezes a própria Administração Pública se exime de atender aos direitos garantidos do cidadão utilizando como argumento a própria legalidade, já que para agir depende sempre de uma autorização legal, como comentado acima.

Mesmo com uma Constituição que prioriza os direitos fundamentais, verificam-se hoje dados alarmantes de pobreza, violência, falta de alfabetização, trabalho escravo e infantil, e com relação à saúde, é inacreditável, pessoas precisando de medicamentos e o Estado se afasta do seu dever. E isso continuará persistindo se a Administração Pública continuar a utilizar a legalidade para encobrir ilegalidades na atuação. Sem falar, na falta de vontade e interesse, por parte do Estado, de cumprir a sua obrigação de garantir ao cidadão o direito de viver em uma sociedade que caminhe, rumo à erradicação da pobreza e da marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e promovendo o bem de todos, assim como prevê o artigo 3º, incisos III e IV, da CF/88.

Pois bem, é possível dizer que a cidadania plena e efetiva é ainda uma realidade distante para uma grande maioria de brasileiros, pois, apesar de hoje disporem de uma Constituição Federal que assegura toda sorte de direitos, ainda não se pode afirmar que os direitos fundamentais são efetivados na prática para todos. Como já abordado, estes direitos estão admitidos, mas há necessidades de lutar por sua implementação e para que sejam praticados na medida das necessidades de cada cidadão.

Diante de todo o exposto, é possível compreender que, embora a legalidade tenha o papel de proteger os direitos e interesses do cidadão em face ao poder do Estado. Embora, em regra o Direito Administrativo aparece como instrumento de garantia do cidadão e de seus direitos, pode ele em determinados momentos ser considerado um obstáculo à concretização da cidadania, já que também a Administração Pública se esquiva de concretizar direitos fundamentais sob o argumento de que a legalidade o impede por falta de lei, ou seja, por não ter sido exercida a competência legal.

Essa conclusão é possível, pois a cidadania apenas existe, a partir do momento em que o indivíduo (apenas um sujeito de direitos e deveres) passar a participar da sociedade como cidadão de fato e de direito, momento em que acontece a concretização material dos direitos estabelecidos constitucionalmente.

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